EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 3800/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga.

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga. Lei que “Define a Estrutura Administrativa e o Quadro Funcional da Câmara Municipal de Bertioga e dá outras providências”.

2)     Processo legislativo. Princípio da simetria. Competência exclusiva da Câmara Municipal para dispor sobre sua organização, estrutura, cargos e serviços. Matéria a ser veiculada através de Decreto legislativo, e não de lei. Contrariedade ao disposto no art. 19, caput, art. 20, III, c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.

3)     Cargos de provimento em comissão. Descaracterização da relação especial de confiança inerente aos cargos de direção, de chefia e de assessoramento superior. Indicação por vereador e nomeação pela Mesa Diretora para prestação de serviços junto a esta. Contrariedade ao disposto no art. 115, I, II e V, c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.

4)     Cargos de provimento em comissão. Fixação lacônica de atribuições que equivale à ausência de definição delas. Necessidade de previsão legal das funções dos cargos comissionados. Contrariedade ao disposto no art. 115, I, II e V, c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.

5)     Convalidação de atos administrativos praticados sob os auspícios de lei anteriormente declarada inconstitucional com eficácia ex tunc (ADI 176.483-0/3-00). Disposição que, ao validar atos, incorpora à lei inconstitucionalidades existentes em lei anterior.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (Pt. nº 3800/2010, que segue como anexo), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga, pelos fundamentos a seguir expostos.

1.   DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga, conforme a respectiva rubrica, “Define a Estrutura Administrativa e o Quadro Funcional da Câmara Municipal de Bertioga e dá outras providências” (cópia às fls. 23/24).

Ocorre que a referida lei, decorrente de iniciativa dos próprios Vereadores da Câmara Municipal de Bertioga (Projeto de Lei nº 115/2009, cf. fls. 43/54), foi promulgada pela respectiva Mesa Diretora, e apresenta as seguintes peculiaridades que, além do vício formal a tornam verticalmente incompatível com nossa ordem constitucional:

(a) veiculação através de lei em sentido formal, e não decreto legislativo, espécie normativa apropriada à matéria, que envolve competência exclusiva do Poder Legislativo Municipal;

(b) os servidores que ocupam cargos de provimento em comissão são indicados pelos Vereadores, nomeados pela Mesa Diretora, e prestam serviços junto a esta, o que descaracteriza a especial relação de confiança inerente aos cargos comissionados (art. 5º, e §§ da Lei Municipal nº 888/2009 de Bertioga);

(c) a lei prevê a convalidação de atos administrativos praticados com amparo em lei anteriormente declarada inconstitucional, em decisão desse Colendo Órgão Especial revestida de efeitos ex tunc (cf. art. 7º da Lei Municipal nº 888/2009, bem como decisão proferida na ADI nº 176.483-0/3;

(d) com relação a vários cargos de provimento em comissão (Assessor Jurídico, Assessor de Imprensa, Chefe de Gabinete, Assessor da Mesa Diretora, Assessor da Presidência, Assessor de Vereador), a lei definiu funções de modo lacunoso, que equivale à ausência de definição, maculando assim a exigência constitucional de previsão de cargos em comissão apenas para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento superior.

Houve contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo:

“(...)

Art. 19. Compete à Assembléia Legislativa, com sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente sobre:

(...)

Art. 20. Compete exclusivamente à Assembléia Legislativa:

(...)

III – dispor sobre a organização de sua Secretaria, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento:

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

2.   BREVE RETROSPECTIVA.

Esta Procuradoria-Geral de Justiça, anteriormente, propôs ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei Municipal nº 841, de 11 de dezembro de 2008, de Bertioga, que definia a estrutura administrativa e o quadro funcional da Câmara Municipal de Bertioga.

Na referida ação direta (ADI nº 176.483-0/3, relator desembargador Walter de Almeida Guilherme), os motivos da nossa impugnação assentaram-se em que: (a) houve violação do princípio da separação de poderes, pois a Câmara disciplinou matéria de sua competência exclusiva através de Lei, submetendo-se à sanção do Chefe do Executivo Municipal (inconstitucionalidade formal); (b) a lei criou cargos de provimento em comissão que, nada obstante a respectiva denominação, não contemplavam funções de chefia, direção e assessoramento superior, sendo mais numerosos que os cargos de provimento efetivo (cópia da inicial da ADI 176.483-0/3 às fls. 14/23).

Esse Colendo Órgão Especial, na sessão de julgamento realizada em 16 de setembro de 2009, por votação unânime, acolhendo o voto do relator, desembargador Walter de Almeida Guilherme, declarou a inconstitucionalidade da lei por força do vício formal. Ficou reconhecido que houve quebra da separação de poderes dada a não observância do processo legislativo estabelecido na Constituição da República e na Constituição Estadual, que indicam, para a hipótese de competências exclusivas do Poder Legislativo, a adoção de Decreto legislativo e não de lei, dispensando sanção do Chefe do Executivo (cópia do v. acórdão às fls. 26/34).

A Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, ora impugnada, incide igualmente em vícios que a tornam inconstitucional.

3.   VÍCIO NO PROCESSO LEGISLATIVO.

Como se sabe, o processo legislativo no âmbito dos Estados e dos Municípios deve seguir os parâmetros estabelecidos na Constituição da República, na medida em que se aplica, nesse particular, o denominado princípio da simetria.

Esse entendimento é pacífico no âmbito do Colendo Supremo Tribunal Federal (RE 396970 AgR/SP, rel. Min. EROS GRAU, j. 15/09/2009, 2ª Turma; ADI 3647/MA, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 17/09/2007, Tribunal Pleno; ADI 2857/rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 30/08/2007, Tribunal Pleno; entre outros).

A lei em sentido formal é a espécie legislativa adotada pela Constituição para matérias que dependam para seu aperfeiçoamento de sanção por parte do Chefe do Poder Executivo; enquanto o decreto legislativo é a espécie legislativa adequada às matérias que, por serem de interesse exclusivo do Poder Legislativo, e estarem inseridas na sua esfera de independência, dispensam sanção do Chefe do Executivo.

Isso é o que decorre expressamente do disposto no art. 48 da CR/88, que prevê matérias a serem disciplinadas pelo Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República, disciplinadas, portanto, através de lei em sentido formal; bem como dos art. 49, 51 e 52 da CR/88, que tratam de matérias da competência exclusiva, respectivamente, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a serem disciplinadas através de decretos legislativos (quando envolvem efeitos externos ao Corpo Legislativo) ou de resolução (quando seus efeitos são apenas internos ao Corpo Legislativo).

Essa mesma lógica apresenta-se na Constituição do Estado de São Paulo, por força dos arts. 19 e 20 antes transcritos, e aplica-se aos Municípios, por força do art. 144 da Carta Estadual Paulista. Decorre ainda do art. 29, caput da CR/88, que prevê a observância, na legislação e organização municipal, dos princípios estabelecidos na Constituição da República e na Constituição do respectivo Estado.

Nesse sentido é o posicionamento da doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13. Ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 496; Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, 4. Ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 915; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 24. Ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 690 e ss; Manuel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, 5. Ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 197/199; entre outros.

Essa questão, com relação ao Município de Bertioga, foi examinada na anterior ação direta, ADI nº 176.483-0/3, rel. des. Walter de Almeida Guilherme, quanto à Lei nº 841, de 11 de dezembro de 2008, que definia a estrutura administrativa e o quadro funcional da Câmara Municipal de Bertioga. Naquele julgamento foi reconhecido o vício formal, pois a utilização da lei strictu sensu para tratar de matéria de competência exclusiva da Câmara Municipal, inclusive com sanção do Chefe do Executivo do Município, maculou o resultado do processo legislativo.

Como ficou reconhecido naquele julgado, isso significou renúncia, por parte da Câmara Municipal, quanto à prerrogativa de dispor livremente sobre matéria de sua exclusiva competência, tangenciando-se o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º da Constituição Paulista.

Tentando corrigir tal vício, o legislador municipal, com a devida vênia, novamente se equivocou.

A Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga, regulou matéria de competência exclusiva da
Câmara Municipal, quando o correto, como foi anotado pelo Des. Walter de Almeida Guilherme na ADI nº 176.483-0/3, seria a utilização de decreto legislativo. Pedimos vênia para transcrever trecho do v. julgado, conforme voto do relator:

“(...)

Se a matéria se insere na competência exclusiva, ou privativa, não importa, do Poder Legislativo, não é lei o instrumento hábil para a regulamentação, mas sim, no elenco do processo legislativo da Constituição Federal (art. 59), o decreto legislativo. Os decretos legislativos não são sancionáveis e, na Constituição do Estado de São Paulo, está previsto no art. 21, IV, assumindo a mesma função daquele da Constituição Federal, isto é, destinar-se a materializar as competências exclusivas da Assembleia Legislativa. No mesmo diapasão o decreto legislativo municipal, sendo certo que as disposições atinentes à formação de todos eles encontram-se os regimentos internos dos respectivos Poderes Legislativos.

(...) (fls. 31/32, grifos no original)

Tendo o Poder Legislativo Municipal escolhido novamente disciplinar a matéria através de lei em sentido formal (a Lei nº 888, de 17 de dezembro de 2009), equivocou-se duplamente: (a) primeiro, por ter contrariado a exigência constitucional, como acima esclarecido, de utilização, dentre as espécies legislativas, do decreto legislativo; (b) segundo, porque para tentar corrigir o equívoco, não observou a exigência constitucional no sentido de que o projeto de lei aprovado deve ser enviado ao Chefe do Executivo para fins de sanção, para que só posteriormente ocorra a promulgação e publicação (cf. art. 66 e §§ da CR/88; art. 28 e §§ da Constituição Paulista).

Esse vício no processo legislativo foi admitido expressamente pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bertioga, nos termos das informações juntadas às fls. 41 e ss, onde se verifica a seguinte observação, que pedimos vênia para transcrever:

“(...)

De forma a corrigir os equívocos existentes, a nova lei aprovada foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal de Bertioga, com a dispensa de sanção e promulgação do Prefeito do Município de Bertioga, nos mesmos moldes da disposição do artigo 48 da Constituição Federal. Com isso o vício formal declarado na adin citada não foi reeditado.

(...)”

Com essa solução, o legislador municipal criou um procedimento legislativo não previsto na Constituição do Estado, e tampouco na Constituição da República: a utilização de lei em sentido formal, com dispensa da fase final na elaboração legislativa, consistente na necessidade de encaminhamento ao Chefe do Executivo para fins de sanção, promulgação e publicação.

Isso significa violação do princípio da simetria, que deve regular a elaboração legislativa no âmbito do Município, contrariando, portanto, o disposto nos art. 19, caput, e 20, III, c.c. o art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo (que reproduzem o disposto no art. 48, caput, e 51, IV, bem como 53, XIII, todos da CR/88).

4.   IMPROPRIEDADE DA CRIAÇÃO DOS CARGOS COMISSIONADOS

De outro lado, a lei criou os cargos de provimento em comissão sem indicar as respectivas funções, pois, ao fazê-lo de forma lacônica, burlou a necessidade de fixação das respectivas atribuições.

Nos termos do Anexo III, são indicadas as funções dos cargos de provimento em comissão do modo a seguir transcrito (cf. fls. 71):

“(...)

Assessor Jurídico – assessoramento

Assessor de Imprensa – Assessoramento

Chefe de Gabinete – Chefia do Gabinete

Assessor da Mesa Diretora – Assessoramento da Mesa Diretora

Assessor da Presidência – Assessoramento da Presidência

Assessor de Vereador – Assessoramento de Vereador

(...)”

Como acentua a doutrina, cargos públicos, em direito administrativo, “são a mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei (...)” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 250). Nesse mesmo sentido Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19. Ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 506; Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 254; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 9. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 598.

Nesse contexto, a dicção utilizada pela Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009 de Bertioga, para indicar as funções dos cargos de provimento em comissão (cf. Anexo III da lei, fls. 71), equivale à inexistência da indicação de qualquer função.

Em outras palavras, com o devido respeito, consignar a lei que os assessores “assessoram” e ainda que o chefe “chefia”, significa valer-se de dicção legal absolutamente vazia de conteúdo normativo.

Não bastasse isso, a criação de cargo de provimento em comissão sem a fixação de atribuições indicativas de que se trata de cargo de direção, chefia ou assessoramento superior, a exigir especial relação de confiança entre o seu ocupante e o agente político ao qual está vinculado, significa, na prática, burla à sistemática constitucional.

Isso decorre do fato de que a regra é o acesso ao serviço público mediante concurso, sendo absolutamente excepcional o provimento de sem o certame, admissível unicamente nos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade administrativa e política.

São pertinentes os cargos comissionados apenas quando seja indispensável por parte do seu ocupante verdadeiro comprometimento e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos seus superiores, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208; Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317; Márcio Cammarosano, Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96; Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 440).

Isso não ocorre com relação a funções meramente “técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41).

 Essa também é a posição do Colendo STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169), e vem sendo acolhida em inúmeros julgados desse Colendo Órgão Especial (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Ademais, no caso evidencia-se a não exigência de relação especial de confiança com relação aos cargos de provimento em comissão criados pela lei impugnada, na medida em que há previsão de que os Vereadores fazem as indicações para que as nomeações sejam feitas pela Mesa Diretora, e junto a esta os comissionados prestem os respectivos serviços (art. 5º e §§ da Lei Municipal nº 888, de 17 de fevereiro de 2009, de Bertioga).

Em síntese, a não indicação das funções dos cargos de provimento em comissão acarreta contrariedade ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

5.   INCORPORAÇÃO DE VÍCIOS DE LEI DECLARADA INCONSTITUCIONAL

De outro lado, o art. 7º da Lei Municipal nº 888/2009, a pretexto de equacionar situações surgidas na vigência da lei anterior, declarada inconstitucional por força da ADI nº 176.483-0/3-00, incorporou os vícios que aquela continha.

O art. 7º da Lei Municipal nº 888/2009 tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 7º. Os atos administrativos realizados no ano de 2009, no que tange a estrutura funcional da Câmara Municipal de Bertioga ficam ratificados e convalidados para fins de garantir-se a segurança jurídica das relações funcionais.

(...)”

E como ficou assentado quando do julgamento da ADI nº 176.483-0/3-00, nos termos do voto do de. Walter de Almeida Guilherme:

“(...)

De todo o exposto, acolho a inicial para declarar, com efeito ex tunc, a inconstitucionalidade da Lei nº 841/2008, do Município de Bertioga, por ofensa aos artigos 5º, 19, caput, 20, III e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

(...)” (cf. fls. 33/34).

Assim, o legislador não apenas incorporou ao art. 7º da Lei Municipal nº 888/2009 os vícios que motivaram o reconhecimento da inconstitucionalidade da legislação anterior, como ainda pretendeu burlar disposição expressa do v. acórdão proferido na ADI nº 176.483-0/3-00, que conferiu eficácia ex tunc à declaração de inconstitucionalidade. Esse fundamento também deve ser considerado, em nosso sentir, para o reconhecimento da inconstitucionalidade.

6.   LIMINAR.

Estão presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a suspensão do dispositivo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a propositura desta ação direta, antes declinados.

Quanto ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a presunção de constitucionalidade da Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga, atos materiais continuarão sendo realizados no sentido de concretização da previsão normativa, gerando situações cuja reversão ao status quo ante, futuramente, será de considerável grau de dificuldade.

Mas não é só.

As situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos, desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais.

Nesse sentido, confiram-se: ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182.

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, a fim de que seja determinada a suspensão da eficácia da Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga.

7. CONCLUSÃO E PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Bertioga, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 22 de março de 2010.

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 3800/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 888, de 17 de dezembro de 2009, de Bertioga.

 

 

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.    Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.    Cumpra-se.

 

São Paulo, 22 de março de 2010.

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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