Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 018.246/12

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004, e dos seus Anexos, e da Lei n. 5.641, de 21 de dezembro de 2011, ambas do Município de Jacareí

 

 

 

Ementa:

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Município de Jacareí. Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004, e seus Anexos. Lei n. 5.641, de 21 de dezembro de 2011.

1. É inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de fidúcia.

2. É inconstitucional a criação de cargos, de provimento em comissão ou de provimento efetivo, sem que a lei criadora defina as atribuições. Invasão da reserva legal, geradora de violação da separação de poderes, em razão da delegação do poder de definir, em Ato da Mesa Diretora, as atribuições dos cargos ou empregos públicos de provimento em comissão e, também, dos de provimento efetivo.

3. Constituição Estadual: arts. 5º, § 1º, 111, 115, II e V.

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004, e da Lei n. 5.641, de 21 de dezembro de 2011, ambas do Município de Jacareí, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – A REPRESENTAÇÃO, O PARECER DO TRIBUNAL DE CONTAS E Os Atos Normativos Impugnados

         A propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade decorre do acolhimento de representação formulada pela Promotoria de Justiça de Jacareí, que remeteu à Procuradoria-Geral de Justiça cópia do ato normativo ora impugnado, na qual sustenta a inconstitucionalidade da criação de cargos de confiança da Câmara Municipal.

         Também acompanhou a representação inicial cópia do parecer do Tribunal de Contas do Estado, do qual podem ser extraídos os seguintes trechos, quando do exame das contas anuais da Câmara Municipal de Jacareí, relativas ao exercício de 2008:

“(...)

Cumpre registrar que o elevado número de servidores do Legislativo Municipal – 75 (setenta e cinco) – não se justifica perante o porto do Município, sendo de rigor a reestruturação do quadro de pessoal, no qual deverá permanecer apenas servidores imprescindíveis ao atendimento das reais necessidades da Câmara Municipal e, de consequência, do interesse público.

Ainda, em relação aos cargos em comissão, deverão ser abolidos os cargos que não possuem atividades estritamente vinculadas aos requisitos do inciso V, do artigo 37, da Constituição Federal.

No caso concreto, verifica-se a existência de cargos de livre provimento com funções comuns à rotina administrativa de órgãos da espécie, desprovidas de qualquer especialidade, responsabilidade extraordinária e/ou necessidade de confiança.

(...) De tal conceituação, resta evidente que os cargos em comissão não foram criados para atividades ordinárias e burocráticas da Administração, devendo ser utilizado em posições estratégicas e imprescindíveis para potencializar e elevar o nível da gestão pública. Isso ocorre através da possibilidade de utilização de pessoas dotadas de relevante qualificação ou notória experiência na respectiva área, sem necessidade de concurso público.

(...) Portanto, irregular o quadro de pessoal, tanto em relação ao excessivo número de servidores, quanto à existência de cargos em comissão que não preenchem os requisitos constitucionais, devendo o mesmo ser reestruturado”.

 

         A Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004, do Município de Jacareí, que dispôs sobre a criação e extinção de cargos na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí, assim preceitua:

 

“LEI Nº. 4.758, DE 25 DE MARÇO DE 2004.

Dispõe sobre criação e extinção de cargos na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí, fixa requisitos de provimento e dá outras providências.

O PREFEITO DO MUNICÍPIO DE JACAREÍ, USANDO DAS ATRIBUIÇÕES QUE LHE SÃO CONFERIDAS POR LEI, FAZ SABER QUE A CÂMARA MUNICIPAL APROVOU E ELE SANCIONA E PROMULGA A SEGUINTE LEI:

Art. 1º Ficam extintos do Quadro do Pessoal comissionado da Câmara Municipal de Jacareí 13 (treze) cargos de Motorista de Gabinete - Símbolo CCC.

Art. 2º Os cargos efetivos e comissionados que constituem o quadro de Pessoal da Câmara Municipal de Jacareí são os constantes dos Anexos I e II da presente Lei, com as devidas adequações de símbolos e referências numéricas, extintos os que deles não constarem.

 Art. 3º Os cargos em comissão são de livre nomeação e demissão do Presidente da Câmara, respeitadas as condições para nomeação, exceto os cargos de Assessores Parlamentares, Chefes de Gabinete e Assessores Técnicos Legislativos que serão preenchidos mediante indicação escrita de cada vereador.

 § 1º É de exclusiva responsabilidade do vereador a observância dos requisitos legais necessários à nomeação dos comissionados que indicar, cumprindo à Presidência apenas formalizar o ato de nomeação.

 § 2º Cumprirá ao vereador a responsabilidade administrativa dos servidores que indicar e especialmente:

 I - Determinar os serviços que seus comissionados devem executar;

II - Fixar o horário de trabalho de seus comissionados;

III - Autorizar as saídas durante o expediente de trabalho e decidir sobre eventuais faltas abonadas, justificadas ou injustificadas;

IV - Quando for o caso, comunicar por escrito ao Departamento de Pessoal até o dia 05 de cada mês, os descontos que devem incidir sobre a remuneração de seus comissionados em decorrência de faltas e outras situações legalmente aplicáveis;

V - Fixar, na forma prevista em lei, o gozo de férias de seus comissionados, sem permitir acúmulo de períodos.

§ 3º Os servidores comissionados não indicados pelo vereador, responderão administrativamente à Presidência da Câmara.

§ 4º A exoneração imotivada dos servidores comissionados indicados pelo vereador, dependerá de sua expressa aquiescência; a exoneração ou demissão mediante motivo disciplinar previsto em lei não será condicionada a quaisquer formalidades, exceto àquelas que a legislação determinar.

 § 5º Os servidores comissionados indicados pelo vereador responderão administrativamente à Presidência e ao Diretor da Câmara, apenas com referência às normas comuns a todos os servidores.

§ 6º Um dos cargos comissionados de Assessor de Gabinete será nomeado pela Presidência, mediante indicação escrita do Diretor da Câmara para prestar serviços em seu Gabinete.

 § 7º Da mesma forma prevista no inciso IV do § 2º deste artigo, deverá o Presidente, quando for o caso, comunicar ao Departamento de Pessoal, por escrito, os descontos que devem incidir sobre a remuneração dos comissionados diretamente vinculados ao seu Gabinete.

 Art. 4º Os veículos oficiais vinculados aos Gabinetes dos Vereadores, através de portaria, somente poderão ser dirigidos por servidores devidamente habilitados.

 § 1º Os servidores autorizados pelos vereadores a dirigir o veículo oficial vinculado ao Gabinete, são responsáveis pelos danos causados no veículo em caso de imprudência, negligência ou imperícia devidamente caracterizadas e pelas multas eventualmente registradas.

 § 2º Em caso de colisão ou qualquer outra situação que possa acarretar gastos para o Legislativo cumprirá ao servidor que estiver utilizando o veículo oficial a elaboração do Boletim de Ocorrência.

 Art. 5º É de responsabilidade do vereador, através dos servidores de seu Gabinete, fiscalizar e solicitar as devidas providências com referência a todos os procedimentos relacionados aos veículos oficiais, incluindo licenciamento, seguro obrigatório, bem como serviços de consertos e manutenção.

 Art. 6º Ficam criados no Quadro do Pessoal comissionado da Câmara Municipal de Jacareí 13 (treze) cargos de Chefe de Gabinete - Símbolo CCC.

 Art. 7º Ficam mantidos os atuais padrões de vencimentos de todos os cargos da estrutura administrativa da Câmara conforme as tabelas atualizadas no exercício de 2003 e publicadas no Boletim Oficial do Município na forma constitucional.

 Art. 8º Somente haverá substituição no impedimento legal e temporário de ocupantes dos cargos de Diretor, Consultor Jurídico, Assessor Contábil e Financeiro, Coordenador de Finanças, Assessor de Pessoal e Redator de Atas.

 § 1º Somente no período e no caso do “caput” deste artigo, o substituto perceberá, quando for o caso, a diferença de vencimento entre a sua referência e a do substituído, sobre ela incidindo suas vantagens pessoais, incorporadas ou não.

 § 2º A substituição recairá sempre em servidor que possua habilitação para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo do substituído, que exercerá as funções deste cumulativamente com as que lhe são próprias.

 § 3º Qualquer que seja o período de substituição, o substituto retornará, após, ao seu cargo de origem.

 Art. 9º Ficam extintos os cargos criados por leis ou resoluções anteriores, que expressamente não constem da presente Lei, resguardados possíveis direitos de seus ocupantes.

 Art. 10. Os requisitos de provimento dos cargos efetivos e comissionados da Câmara Municipal de Jacareí, estão previstos respectivamente nos anexos III e IV da presente Lei.

 Parágrafo único.  A avaliação psicológica prevista nas provas que devem constar dos concursos para provimento dos cargos efetivos se destina apenas a examinar o perfil dos candidatos aprovados e não interfere na classificação do certame.

 Art. 11.  Mantidos seus atuais ocupantes, os cargos de: Assistente Parlamentar, Assistente de Foto e Vídeo, Secretária de Gabinete, Chefe dos Transportes, Assistente de Redação, Assessor Parlamentar, Assistente Técnico Administrativo, Procurador Judicial e Assessor Jurídico, com readequação de atribuições, passam a denominar-se, respectivamente: Assessor Parlamentar, Assistente de Comunicação, Assessor de Gabinete, Assessor de Transportes, Assessor Técnico de Redação, Assessor Técnico Legislativo, Assessor Técnico Administrativo, Assessor Jurídico e Consultor Jurídico.

 Art. 12.  É atribuição inerente a todos os cargos da estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí o comparecimento às sessões legislativas, desde que o servidor seja convocado pela autoridade à qual está subordinado.

 Art. 13.  Ficam fazendo parte integrante da presente lei os anexos I, II, III e IV.

 Art. 14.  As atribuições dos cargos do Quadro de Pessoal da Câmara Municipal de Jacareí serão fixadas através de Ato da Mesa Diretora, na forma prevista em Lei Complementar.

 Art. 15.  Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos a partir de 1º de Abril de 2004.

 Art. 16.  Revogam-se as disposições em contrário.

 Prefeitura Municipal de Jacareí, 25 de Março de 2004.

MARCO AURÉLIO DE SOUZA

PREFEITO MUNICIPAL

AUTORA DO PROJETO: MESA DIRETORA DO LEGISLATIVO.

AUTORES DO SUBSTITUTIVO APROVADO:TODOS OS 13 VEREADORES DO LEGISLATIVO.

Publicada em: 27/03/2004.

ANEXO I

Quadro do Pessoal Efetivo

 

CLASSE / CARGOS

REF.

LOTAÇÃO

ASSISTENTE DE SERVIÇOS MUNICIPAIS

1

9

Valor alterado pela Lei nº 5380/2009

AUXILIAR DE SERVIÇOS DE A. E COPA

2

2

AGENTE DE SEGURANÇA

3

4

RECEPCIONISTA

4

4

OPERADOR DE MÁQUINA

4

2

COORDENADOR DE EQUIPE

4

2

ASSISTENTE DE TELECOMUNICAÇÕES

5

4

MOTORISTA DE GABINETE

5

3

CHEFE DE COMPRAS

6

1

ASSISTENTE TÉCNICO LEGISLATIVO 

7

3

SECRETÁRIA ADMINISTRATIVA

8

1

REDATOR DE ATAS

9

2

ASSESSOR DE PESSOAL

10

1

ASSESSSOR CONTÁBIL E FINANCEIRO

10

1

COORDENADOR DE FINANÇAS

10

1

ASSISTENTE DE CERIMONIAL E IMPRENSA

11

1

SECRETÁRIO LEGISLATIVO I

11

1

SECRETÁRIO LEGISLATIVO II

12

2

SECRETÁRIO LEGISLATIVO III

13

2

ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

14

1

VICE-DIRETOR

15

1

DIRETOR

16

1

                                               Lotação de Motorista de Gabinete alterada pela lei 5073/2007

 

ANEXO II

Quadro dos cargos em comissão da Câmara Municipal de Jacareí

 

CARGO

SÍMBOLO

LOTAÇÃO

ASSESSOR PARLAMENTAR

CCA

26

ASSISTENTE DE COMUNICAÇÃO

CCB

01

CHEFE DE GABINETE

CCC

13

ASSESSOR DE TRANSPORTES

CCD

01

ASSESSOR DE GABINETE

CCE

02

ASSESSOR TÉCNICO DE REDAÇÃO

CCE

01

ASSESSOR TÉCNICO LEGISLATIVO

CCF

13

ASSESSOR TÉCNICO ADMINISTRATIVO

CCF

02

ASSESSOR JURÍDICO

CCG

03

ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

CCH

01

CONSULTOR JURÍDICO

CCH

01

GERENTE DE OPERAÇÕES

(Incluído pela Lei nº 5641/2011)

CCH

 

GERENTE DE PROGRAMAÇÃO

(Incluído pela Lei nº 5641/2011)

CCF

 

 

 

         A Lei n. 5.641, de 21 de dezembro de 2011, do Município de Jacareí, dispôs sobre a criação de cargos na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí, nos seguintes termos:

 

“LEI Nº 5.641, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2011

 Altera a Lei nº 5.073, de 11/09/2007, que dispõe sobre criação de cargos na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí, fixa requisitos de provimento em comissão e dá outras providências.

 O PREFEITO DO MUNICÍPIO DE JACAREÍ, USANDO DAS ATRIBUIÇÕES QUE LHE SÃO CONFERIDAS POR LEI, FAZ SABER QUE A CÂMARA MUNICIPAL APROVOU E ELE SANCIONA E PROMULGA A SEGUINTE LEI:

 Art. 1º O caput do artigo 1º da Lei Municipal nº 5.073, de 11 de setembro de 2007, que dispõe sobre criação de cargos na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí, fixa requisitos de provimento e dá outras providências, passa a vigorar com a seguinte redação:

 ‘Art. 1º Ficam criados na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí os cargos de provimento em comissão de Gerente de Operações – símbolo de remuneração CCH e Gerente de Programação – símbolo de remuneração CCF.’

 Art. 2º Em razão da alteração constante do artigo anterior, deverá ser adequadamente alterado o Anexo II da Lei nº 4.758, de 25 de março de 2004.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a partir de 1º de dezembro de 2011.

PREFEITURA MUNICIPAL DE JACAREÍ, 21 DE DEZEMBRO DE 2011.

HAMILTON RIBEIRO MOTA

Prefeito Municipal”.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         A Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004, do Município de Jacareí, dispôs sobre a criação e extinção de cargos na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí, fixando os requisitos de provimento.

         No “Anexo I” foram arrolados os cargos de provimento efetivo.

         Em seu “Anexo II”, o referido diploma normativo elencou os cargos de provimento em comissão da Câmara Municipal de Jacareí.

         Registre-se que a Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004 não fixou as atribuições dos cargos, estabelecendo, em seu art. 14, que: As atribuições dos cargos do Quadro de Pessoal da Câmara Municipal de Jacareí serão fixadas através de Ato da Mesa Diretora.

         Por sua vez, a Lei n. 5.641, de 21 de dezembro de 2011, do Município de Jacareí, dispôs sobre a criação de cargos na estrutura administrativa da Câmara Municipal de Jacareí.

         Como se infere dos autos, os diplomas normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         As disposições normativas impugnadas violam os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

 

A – A INCONSTITUCIONALIDADE DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

         As leis impugnadas criaram diversos cargos de provimento em comissão sem descrever suas funções e referentes a atribuições que, em realidade, são técnicas, profissionais e ordinárias e que, portanto, não revestem a excepcionalidade exigível no nível superior de assessoramento, chefia e direção como funções inerentes aos respectivos cargos de provimento em comissão.

         Como bem pontificado em venerando acórdão deste egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

         Os cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

         Um dos princípios norteadores do provimento de cargos públicos reside na ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados, respeitados os requisitos inerentes às atribuições de cada cargo. Acesso esse que se visa garantir com a obrigatória realização do concurso público, para que, sem que reste tangenciado o princípio da isonomia, preserve-se também a eficiência da máquina estatal, consubstanciada na escolha dos candidatos mais bem preparados para o desempenho das atribuições do cargo público, de acordo com os critérios previstos no edital respectivo.

         A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

         É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Portanto, não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais, irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. O essencial é análise do plexo de atribuições da função pública.

         A jurisprudência censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007; STF, RE-AgR 365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ 29-06-2007, p. 49; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008; TJSP, ADIN 173.308.0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. José Roberto Bedran, v.u., 24-06-2009; TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).

         São especialmente inconstitucionais os seguintes cargos:

 

- 26 cargos de ASSESSOR PARLAMENTAR

REQUISITOS PARA PROVIMENTO:

Noções básicas de informática e atendimento ao público

 

- 01 cargo de ASSISTENTE DE COMUNICAÇÃO

REQUISITOS PARA PROVIMENTO:

Experiência em serviços de fotografia e vídeo.

 

- 01 cargo de ASSESSOR DE TRANSPORTES

REQUISITOS PARA PROVIMENTO:

Noções básicas de serviços administrativos, controle de frota de veículos, elaboração de relatórios, previsão de consumo de combustível, diárias de viagens.

 

- 02 cargos de ASSESSOR DE GABINETE

REQUISITOS DE PROVIMENTO:

Noções de atendimento ao público, arquivos, cadastros e outros serviços correlatos.

 

- 01 cargo de ASSESSOR TÉCNICO DE REDAÇÃO

REQUISITOS PARA PROVIMENTO:

Faculdade de Comunicação Social, com especialização em JORNALISMO. Registro no Ministério do Trabalho.

 

- 13 cargos de ASSESSOR TÉCNICO LEGISLATIVO

REQUISITOS PARA PROVIMENTO:

Conhecimento de assessoria parlamentar.

 

- 02 cargos de ASSESSOR TÉCNICO ADMINISTRATIVO

REQUISITOS PARA PROVIMENTO:

Conhecimento de serviços administrativos gerais e informática.

 

- 03 cargos de ASSESSOR JURÍDICO

REQUISITOS DE PROVIMENTO:

Bacharel em Ciências Jurídicas - Inscrito na OAB

 

- 01 cargo de ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

REQUISITOS PARA PROVIMENTO:

Faculdade de Comunicação Social, com especialização em JORNALISMO

 

- 01 cargo de CONSULTOR JURÍDICO

REQUISITOS: Bacharel em Ciências Jurídicas- Inscrito na OAB

 

- 01 cargo de GERENTE DE OPERAÇÕES (criado pela Lei n. 5.641/2011)

 

- 01 cargo de GERENTE DE PROGRAMAÇÃO (criado pela Lei n. 5.641/2011)

 

         Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, os dispositivos legais acima destacados.

 

B – Delegação para fixação de atribuições de cargos públicos

         Se não bastasse a inconstitucionalidade acima apontada, as leis impugnadas são inconstitucionais por não terem fixado as atribuições dos cargos, delegando as atribuições a Ato da Mesa Diretora.

         Registre-se que, nesse ponto, as leis impugnadas são inconstitucionais em relação à criação dos cargos de provimento efetivo e dos cargos de provimento em comissão.

         Ocorre que há violação da reserva legal e da separação de poderes, dispostas nos arts. 5º, § 1º, 111 e 115, II, da Constituição Estadual.

         Com efeito, o procedimento mantém incompatibilidade vertical com o princípio da legalidade – porque a reserva legal exige lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos) – e o seu tratamento por ato normativo diverso implica de per si invasão e delegação do espaço reservado à lei e, em ultima ratio, violação contundente à cláusula da separação de poderes. 

         Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287;Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

         Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de a lei específica descrever as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

         Pois somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

         Nem se alegue, por oportuno, que ao Poder Legislativo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Legislativo fixar atribuições de cargo público. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, é:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

         Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

         Comunga este entendimento o egrégio Tribunal de Justiça, como se nota da invocação de recente julgamento de seu colendo Órgão Especial:

“Ação direta de inconstitucionalidade – leis municipais de São Vicente – criação de cargos – não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos (...) – ação procedente” (TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).

         Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez, será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo, a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados, ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

         Assim sendo, as leis impugnadas violam o disposto nos arts. 5º, § 1º, 111 e 115, II, da Constituição Estadual.

 

III – Pedido liminar

        À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Jacareí apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

        À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das leis impugnadas.

 

 

IV – Pedido

         Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a Inconstitucionalidade da Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004, e da Lei n. 5.641, de 21 de dezembro de 2011, ambas do Município de Jacareí.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 15 de maio de 2012.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

/md

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 018.246/12

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei n. 4.758, de 25 de março de 2004, e dos seus Anexos, e da Lei n. 5.641, de 21 de dezembro de 2011, ambas do Município de Jacareí.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 15 de maio de 2012.

                       

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

/md