EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 100.502/2009
Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Municipal nº 4.274, de 02 de abril de 1993, pela Lei Municipal nº 4.608, de 5 de setembro de 1994, e pela Lei Municipal nº 4.273, de 2 de abril de 1993, todas do Município de Guarulhos.
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos em comissão criados pela Lei Municipal nº 4.274, de 02 de abril de 1993, pela Lei Municipal nº 4.608, de 5 de setembro de 1994, e pela Lei Municipal nº 4.273, de 2 de abril de 1993, todas do Município de Guarulhos.
2) Cargos meramente técnicos ou burocráticos. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 111, art. 115 I, II e V, e art. 144).
3) Inconstitucionalidade
reconhecida.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de
novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129,
inciso IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90,
inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 100.502/2009, que segue como anexo), vem
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de
dispositivos da Lei Municipal nº 4.274, de 02 de abril de
1993, da Lei Municipal nº 4.608, de 5 de setembro de 1994, e pela Lei Municipal
nº 4.273, de 2 de abril de 1993, todas do Município de Guarulhos, que
criaram cargos de provimento em comissão,
pelos fundamentos expostos a seguir.
1)Dispositivos impugnados.
Cumpre
anotar inicialmente que o Protocolado nº 100.502/2009 (que segue como anexo a
esta inicial) foi instaurado por força de representação formulada pelo DD. 1º Promotor de Justiça de Guarulhos
(fls. 78/81).
A Lei Municipal nº 4.274, de 2 de abril de
1993, de Guarulhos, conforme respectiva rubrica “reorganiza o quadro de pessoal e institui o plano de cargos, carreiras,
vencimentos e salários para os servidores das classes que especifica e dá
providências correlatas” (fls. 39 e seguintes do PT. nº 100.502/2009).
O Subquadro
de cargos de provimento em comissão foi definido como SQC I (art. 1º, I, e § 1º
da Lei Municipal nº 4.274/2009, de Guarulhos, fls. 39 do PT. nº 100.502/2009).
Entre
os cargos de provimento em comissão, indicados no Anexo IV da Lei Municipal nº 4.274, de 02 de abril de 1993 (fls.
46/49), encontram-se os seguintes, abaixo discriminados:
·
Administrador técnico nível II;
·
Administrador técnico nível I;
·
Assessor superior de gabinete de secretário nível II;
·
Assessor superior de gabinete de secretário nível I;
·
Assessor técnico de direção;
·
Assistente técnico de direção I;
·
Assistente de diretoria;
·
Assistente de secretaria;
·
Assistente de secretário adjunto
·
Assessor técnico de direção III;
·
Assistente técnico de direção II;
·
Atendente;
·
Auxiliar de delegado da junta de serviço militar;
·
Chefe de divisão técnica;
·
Chefe de divisão administrativa;
·
Chefe de grupo;
·
Chefe de seção técnica;
·
Chefe de seção administrativa;
·
Assessor superior de gabinete de secretário nível IV;
·
Assessor superior de gabinete de secretário nível III;
·
Diretor do centro cultural;
·
Diretor de departamento;
·
Encarregado de setor;
·
Oficial de gabinete;
·
Oficial de gabinete do secretário;
·
Oficial de segurança;
·
Operador de “off set”;
·
Operador de sistema “on-line”;
·
Programador de microcomputador;
·
Assessor administrativo nível I;
·
Assessor administrativo nível II;
·
Assessor administrativo nível III;
·
Oficial especializado;
·
Oficial supervisor;
De outro lado, a Lei Municipal nº 4.608, de 5 de setembro de 1994 (fls. 76) que, conforme respectiva rubrica, “dispõe sobre criação de cargos públicos”, criou no Subquadro de Cargos I (SQC-I), cargos de provimento em comissão de:
· Assistente de Recursos Humanos.
Finalmente, a Lei Municipal nº 4.273, de 2 de abril de 1993 (fls. 36), que, conforme respectiva rubrica, “dispõe sobre criação e extinção de cargos públicos”, também contemplou a previsão de cargos de provimento em comissão, conforme indicado a seguir:
· Analista de informática I;
· Analista de informática II;
· Analista de informática III;
· Analista de organização e métodos I;
· Analista de organização e métodos II;
· Assessor superior de gabinete de secretário nível I;
· Assessor superior de gabinete de secretário nível II;
· Assessor superior de gabinete de secretário nível III;
· Assessor superior de gabinete de secretário nível IV;
· Assistente da chefia de gabinete;
· Assistente de diretoria;
· Assistente de secretaria;
· Assistente de secretário adjunto;
· Auditor de informática I;
· Auditor de informática II;
· Diretor de departamento;
· Oficial de gabinete do secretário;
· Oficial de segurança;
· Supervisor de informática;
· Supervisor de produção de informática;
· Técnico de produção de informática I;
· Técnico de produção de informática II;
· Técnico de produção de informática III.
Todos os cargos de
provimento em comissão acima indicados, criados pelas três leis municipais
impugnadas nesta inicial (Lei Municipal nº 4.274, de 02 de abril de 1993, Lei
Municipal nº 4.608, de 5 de setembro de 1994, e Lei Municipal nº 4.273, de 2 de
abril de 1993, todas do Município de Guarulhos), ostentam características de
cargos técnicos, a exigir a realização de concurso para seu provimento efetivo,
visto que: (a) foram criados em grande quantidade;
(b) estão espalhados em profusão na
estrutura da administração municipal;
(c) até mesmo a respectiva denominação
é indicativa de funções meramente técnicas ou burocráticas.
Não bastasse isso, não foram fixadas por atos normativos específicos, para a maioria dos mencionados cargos, as respectivas atribuições, o que reforça a ideia de que sua criação não se amolda ao perfil constitucional de provimento com dispensa da realização de concurso público.
Nesse panorama, é intuitiva a ausência da especial relação de confiança entre os respectivos ocupantes e os agentes políticos integrantes da administração superior da Municipalidade, recomendando, em conformidade com nossa sistemática constitucional, seu provimento mediante certame público.
3)Incompatibilidade vertical
com o ordenamento constitucional.
Os
cargos postos em destaque anteriormente são verticalmente incompatíveis com a
ordem constitucional vigente, em especial com
o art. 111, art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do
Estado de São Paulo.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta
autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela
Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
A
autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de
auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de
autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras
Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante
competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de
auto-administração (administração própria para manter e prestar serviços de
interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 591).
Nas
quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política
(capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c)
autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços
locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e
aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de
José Afonso da Silva (ob. cit., p. 591).
Para
que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos,
empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras,
vencimentos, entre outras questões, estruturando-se adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, na Administração Pública, deve ser o preenchimento dos cargos através de
concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a
acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I da Constituição Federal;
bem como no art. 115, I da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser
a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
administrativa e política.
Há
implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão,
visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência
constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes
artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e
administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência
constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33ª
ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria
natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança
e lealdade, isto é, verdadeiro
comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas
pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às
instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão
necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se
desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não
poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua
confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito
administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
É a
natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o
imprescindível “vínculo de confiança” (cf.
Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5ª ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo
legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais
cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o
seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de
pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que
devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo
unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou
aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade
superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem
exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever
elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que
servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No
caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos impugnados nesta ação
direta destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou
técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial
confiança.
Admitir
como válida, do ponto de vista constitucional, a criação de cargos em comissão
que não ostentam os pressupostos para tanto, é dar aos dispositivos
constitucionais que envolvem a regra do concurso e à sua exceção, interpretação
equivocada, meramente literal.
Cumpre
recordar que as exceções devem ser interpretadas restritivamente (Carlos
Maximiliano, Aplicação do direito,
18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 225).
Note-se
que os cargos em comissão glosados nesta ação direta revelam postos em que
predominará sempre o conhecimento e aptidão técnica do servidor. Não se
vislumbra, em tais casos, qualquer exigência de especial relação de confiança.
Justifica-se,
deste modo, a afirmação de que tais cargos não são de natureza tal que se
justifique, sob o perfil dos limites constitucionais existentes na matéria em
exame, o provimento em comissão.
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados
desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des.
Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des.
Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel.
des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008,
v.u.).
Cabe
também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na
prática, negativa de vigência ao art.
115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I,
II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art.
144 da Carta Estadual.
4)Conclusão e pedido.
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade dos cargos de provimento em comissão (discriminados nesta petição inicial),
que foram previstos pela Lei Municipal nº 4.274, de
02 de abril de 1993, pela Lei Municipal nº 4.608, de 5 de setembro de 1994, e
pela Lei Municipal nº 4.273, de 2 de abril de 1993, todas do Município de
Guarulhos.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito
Municipal de Guarulhos, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 27 de novembro de
2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
rbl
Protocolado nº
100.502/2009
Assunto:
Inconstitucionalidade de cargos em comissão criados pela Lei Municipal nº
4.274, de 02 de abril de 1993, pela Lei Municipal nº 4.608, de 5 de setembro de
1994, e pela Lei Municipal nº 4.273, de 2 de abril de 1993, todas do Município
de Guarulhos.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.
3. Cumpra-se.
São Paulo, 27 de novembro de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
rbl