Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 100.876/09

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º e dos incisos I e II do art. 2º da Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar. Autorização para celebração de convênio pelo Poder Executivo. Arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a, 111 e 115, II e V, Constituição Estadual. 1. Viola a separação dos poderes submeter assunto da gestão administrativa, consistente na celebração de convênio pelo Poder Executivo, à autorização do Poder Legislativo. 2. A criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção (agravada pela falta de descrição das funções), mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, é ofensiva aos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência e à regra de investidura em cargos ou empregos públicos pelo critério do mérito. 

         

          O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 1º e dos incisos I e II do art. 2º da Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Atos Normativo Impugnado

1.                 Em 15 de abril de 2009 foi editada a Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar, com a seguinte redação:

“Art. 1º. Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizado a firmar convênio com a Faculdade de Direito Padre Anchieta para a implantação e manutenção da Câmara Multidisciplinar de Conciliação, com a interveniência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Parágrafo único. O convênio de que trata o caput deste artigo obedecerá os termos da minuta anexa, que fica fazendo parte integrante desta Lei.

Art. 2º. Para atendimento dos objetivos desta lei a Prefeitura poderá designar até 05 (cinco) servidores, sendo:

I – 03 (três) Assessores de Departamento II, com conhecimento jurídico;

II – 02 (dois) Assessores de Diretoria X, para atividades multidisciplinares;

III – 04 (quatro) Estagiários de Direito, preferencialmente residentes em Cajamar.

Art. 3º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta dos recursos próprios do orçamento vigente, suplementadas se necessário.

Art. 4º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a 1º de abril de 2009.

Art. 5º. Revogam-se as disposições em contrário” (fls. 04/05).

2.                 Se, de um lado, o art. 1º da lei local enfocada sujeitou assunto típico da gestão administrativa à autorização do Poder Legislativo, os incisos I e II do art. 2º criam cargos de provimento em comissão, sem descrição de suas atribuições, uma vez que se conecta ao Anexo I do art. 8º e ao art. 37 da Lei Complementar n. 63, de 06 de setembro de 2005 (fls. 12/37), na redação dada pelos arts. 4º e 7º da Lei Complementar n. 78, de 30 de junho de 2006 (fls. 38/40) que contempla entre os cargos comissionados da Prefeitura Municipal de Cajamar os de Assessor de Departamento II e de Assessores de Diretoria X, de maneira a aumentar sua expressão no quadro de pessoal.

3.                 Na mensagem que inicia o processo legislativo respectivo o Chefe do Poder Executivo acentuou que “para atendimento dos objetivos da presente propositura, a Prefeitura deverá designar até 05 (cinco) servidores públicos comissionados, em vista do caráter experimental e temporário do convênio” (fl. 66).

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

3.                 As disposições da Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal e do arts. 144 e 297 da Constituição Estadual:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II - exercer, com o auxílio direto dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX – dispor, mediante decreto, sobre:

a)     organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

(...) 

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

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4.                 Com efeito, emana do princípio da separação dos poderes a proibição de interferência de um Poder sobre o outro. Pelo desenho normativo-constitucional exposto, a celebração de convênio é típico ato de gestão administrativa, elementar às funções reservadas ao Poder Executivo, e imune da participação do Poder Legislativo. Corolário do princípio da separação dos poderes é que as interferências recíprocas entre os Poderes da República são aquelas expressamente consignadas e previstas na Constituição.

5.                 Portanto, a lei local impugnada é inconstitucional no que tange ao seu art. 1º por manifesta incompatibilidade vertical com os arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, incidentes na espécie, por obra de seu art. 144.

6.                 Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 60, XXVI, DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM OS ARTS. 18, E 25 A 28, TODOS DA CARTA DA REPÚBLICA. Dispositivo que, ao submeter à Câmara Legislativa distrital a autorização ou aprovação de convênios, acordos ou contratos de que resultem encargos não previstos na lei orçamentária, contraria a separação de poderes, inscrita no art. 2.º da Constituição Federal. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 1.166-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 05-09-2002, v.u., DJ 25-10-2002, p. 24).

“CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS, AJUSTES E INSTRUMENTOS CONGÊNERES. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Normas que subordinam convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade. II. - Suspensão cautelar da Lei nº l0.865/98, do Estado de Santa Catarina”(STF, ADI-MC 1.865-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 04-09-1999, v.u., DJ 12-03-1999, p. 02).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 20, inciso III do artigo 40 e a expressão ‘ad referendum da Assembléia Legislativa’ contida no inciso XIV do artigo 71, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Pedido de Liminar. - Normas que subordinam convênio, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa. Alegação de ofensa ao princípio da independência e harmonia dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal). Liminar deferida para suspender, ‘ex nunc’ e até julgamento final, a eficácia dos dispositivos impugnados” (STF, ADI-MC 1.857-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 27-08-1998, v.u., DJ 23-10-1998, p. 02).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e § 1º do artigo 15, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989. - Os incisos XIII e XIX do artigo 71 da Constituição do Estado da Bahia são ofensivos ao princípio da independência e harmonia dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) ao darem à Assembléia Legislativa competência privativa para a autorização de convênios, convenções ou acordos a ser celebrados pelo Governo do Estado ou a aprovação dos efetivados sem autorização por motivo de urgência ou de interesse público, bem como para deliberar sobre censura a Secretaria de Estado. - Violam o mesmo dispositivo constitucional federal o inciso XXX do artigo 71 (competência privativa à Assembléia Legislativa para aprovar previamente contratos a ser firmados pelo Poder Executivo e destinados a concessão e permissão para exploração de serviços públicos) e a expressão ‘dependerá de prévia autorização legislativa e’ do § 1º do artigo 25 (relativa à concessão de serviços públicos), ambos da Constituição do Estado da Bahia. Ação julgada procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e a expressão ‘dependerá de prévia autorização legislativa e’ do § 1º do artigo 25, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989” (STF, ADI 462-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 20-08-1997, v.u., DJ 18-02-2000, p. 54).

“CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS E ATOS DE SECRETÁRIOS DE ESTADO. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Norma que subordina convênios, acordos, contratos e atos de Secretários de Estado à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao princípio da independência e harmonia dos poderes. C.F., art. 2º. II. - Inconstitucionalidade dos incisos XX e XXXI do art. 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 676-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 01-07-1996, v.u., DJ 29-11-1996, p. 47.155).

7.                 De outra parte, também são inconstitucionais os incisos I e II do art. 2º da lei local impugnada por violação aos arts. 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, aplicáveis na hipótese por obra de seu art. 144.

8.                 A criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão para situações que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, é igualmente ofensiva aos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência que orientam a regra de investidura em cargos públicos mediante o critério do mérito, traduzido na aprovação em prévio concurso público, e adstringem o provimento comissionado a funções de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

9.                 Os postos criados e concebidos na lei local impugnada não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, a exigirem liberdade de provimento em comissão porque não existe o componente fiduciário. Como bem pontificado em venerando acórdão deste egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

10.               Portanto, os cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

11.               A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

12.               É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Portanto, não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais, irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. O essencial é análise do plexo de atribuições da função pública.

13.               Neste sentido, a jurisprudência censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão:

“Lei estadual que cria cargos em comissão. Violação ao art. 37, incisos II e V, da Constituição. Os cargos em comissão criados pela Lei n. 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada procedente" (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007).

 

“Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local” (STF, RE-AgR 365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ 29-06-2007, p. 49)

 

“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30).

 

“Os dispositivos em questão, ao criarem cargos em comissão para oficial de justiça e possibilitarem a substituição provisória de um oficial de justiça por outro servidor escolhido pelo diretor do foro ou um particular credenciado pelo Presidente do Tribunal, afrontaram diretamente o art. 37, II da Constituição, na medida em que se buscava contornar a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, princípio previsto expressamente nesta norma constitucional” (STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16).

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL N. 099, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, DO MUNICÍPIO DE ILHA SOLTEIRA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO, DE LIVRE PROVIMENTO E EXONERAÇÃO – NATUREZA SOMENTE TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DOS CARGOS CRIADOS, MUITOS DE CARÁTER PERMANENTE, NÃO EXIGINDO DE SEUS OCUPANTES NENHUM VÍNCULO ESPECIAL DE CONFIANÇA OU FIDELIDADE COM O PREFEITO MUNICIPAL – OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 111 E NO ART. 115, INCISOS I, II E V, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO – AÇÃO DIRETA PROCEDENTE” (TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

 

Ação direta de inconstitucionalidade – art. 1º da Lei Complementar n. 19, de 22 de agosto de 2007, do Município de Salto do Pirapora, que cria cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração – Notícia de exoneração, não confirmada, não exime o Poder Judiciário da análise acerca da inconstitucionalidade, que aliás, mostra-se manifesta – Cargos de provimento em comissão – Excepcionalidade, ante a regra constitucional de provimento por concurso público – Natureza técnica ou burocrática dos cargos criados, apesar de sua denominação – Não se exige de seus ocupantes nenhum vínculo especial com o nomeante – Ação direta julgada procedente” (TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).

14.               As atribuições dos cargos e empregos, cujo provimento previsto na lei municipal é em comissão, não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, pois, segundo se infere, suas funções se prendem ao atendimento das necessidades do objeto do convênio, e, portanto, a execução de atividades-meio que traduzem funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras. Nem serve alegar o caráter transitório e experimental, uma vez que se ligam à execução de convênio, e sequer se acomodaria à compreensão de atribuições de assessoramento, chefia e direção.

15.               Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos previstos na lei local a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivas aos princípios de moralidade, eficiência e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

16.               Concorre neste quadro a falta de definição, indicação, precisão ou descrição das atribuições desses cargos, o que igualmente vulnera os preceitos constitucionais citados e inclusive o princípio da legalidade.

17.               Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

18.               Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de a lei específica descrever as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

19.               Pois, somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

20.               Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, é:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

21.               Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

22.               Comunga este entendimento o egrégio Tribunal de Justiça, como se nota da invocação de recente julgamento de seu colendo Órgão Especial:

“Ação direta de inconstitucionalidade – leis municipais de São Vicente – criação de cargos – não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos (...) – ação procedente” (TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).

23.               Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

III – Pedido liminar

24.               À saciedade demonstrado o fumus boni iuris pela ponderabilidade do direito alegado soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Cajamar apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque criam abusivamente cargos públicos de provimento em comissão, permitindo a investidura (ou permanência) de pessoas em funções públicas de maneira irregular, gerando excessivo ônus financeiro ao erário.

25.               À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 1º e dos incisos I e II do art. 2º da Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar.

IV – Pedido

26.               Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º e dos incisos I e II do art. 2º da Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar.

27.               Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Cajamar, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

São Paulo, 05 de outubro de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 100.876/09

Interessado: Promotoria de Justiça de Cajamar

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º e dos incisos I e II do art. 2º da Lei n. 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 1.326, de 15 de abril de 2009, do Município de Cajamar, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 05 de outubro de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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