EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 106.244/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, que “torna obrigatória a afixação de quadros ou molduras com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em locais que especifica”.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça. Ato normativo que “torna obrigatória a afixação de quadros ou molduras com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em locais que especifica”. Projeto de lei de Vereador. Vício de iniciativa e criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos. Violação da Constituição do Estado, artigos 5º; 37; 47, II e XIV; e 144 (vício de iniciativa); e 25 (criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, “torna obrigatória a afixação de quadros ou molduras com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em locais que especifica”.

Contudo, é possível afirmar que a Lei impugnada ofende frontalmente os seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 5º; 37; 47, II e XIV; e 144 (vício de iniciativa); e 25 (criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos).

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Representantes da Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Mogi Guaçu e do Instituto de Cidadania de Mogi Guaçu noticiaram ao Procurador-Geral de Justiça que o Município de Mogi Guaçu editou a Lei nº 4.534/2009, tornando obrigatória a afixação de quadros ou molduras com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em determinados locais.

Segundo a representação, por força dessa lei, estão sendo adquiridos 150 (cento e cinqüenta) quadros com a fotografia do atual Prefeito para a afixação em escolas e repartições públicas.

Cogita-se de que a conduta determinada pela lei não atende ao interesse público e que visaria, exclusivamente, à “promoção da pessoa do Prefeito Municipal”, às expensas do Erário e com a utilização indevida do espaço público.

Os subscritores informaram que a lei decorre de projeto de Vereador, tendo nascido, portanto, com vício de iniciativa, pois aos Edis é defeso a iniciativa de leis que gerem despesas públicas.

Recebida a representação, foram requisitadas as informações.

O Presidente da Câmara Municipal encaminhou a certidão de vigência da lei objurgada e cópia do processo legislativo, pelos quais se constata que, efetivamente, o ato normativo decorreu de projeto do Vereador IVENS ANTONIO RIBEIRO SABINO CHIARELLI (fls. 20), aprovado em regime de urgência especial na Sessão Ordinária de 1º de Junho de 2009.

Consta da certidão anexada a fls. 18 que a lei foi promulgada pelo Prefeito no dia 17 de junho de 2009, e que, desde então, se encontra em vigor.

O Prefeito, a seu turno, defendeu a constitucionalidade do ato normativo, sustentando que possui caráter educativo e fomenta a cidadania (fls. 29/30).

De toda sorte, com base nos elementos colhidos, é possível concluir que a Lei nº 4.534/2009 é, de fato, inconstitucional, à luz dos dispositivos da Constituição do Estado acima destacados.

Com efeito, a Lei nº 4.534/2009, objeto desta ação direta, cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao estabelecer que “é obrigatória a afixação de quadro ou moldura com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em todas as repartições públicas municipais bem como em todas as Escolas Municipais ou Municipalizadas” (art. 1º).

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em análise, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Como ensinou Hely Lopes Meirelles:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 708, 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação desse programa traz ônus ao Erário. O Município haverá de adquirir quadros e molduras com fotografias do Alcaide, que serão substituídos periodicamente, do que decorre o aumento dos encargos do orçamento (art. 176, I, CE).

Nota-se, contudo, que a lei não contém qualquer elemento indicativo dos recursos que serão onerados.

Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade dessas leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

3. PEDIDO DE LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo impugnado, instalar-se-á, provavelmente, situação consumada, decorrente da aquisição dos quadros e molduras e a afixação desse material nos locais indicados pela lei.

A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal no aspecto administrativo.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, ou seja, a Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, que “torna obrigatória a afixação de quadros ou molduras com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em locais que especifica”, durante o trâmite da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

4. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, que “torna obrigatória a afixação de quadros ou molduras com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em locais que especifica”.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 15 de novembro de 2009.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

jesp

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 106.244/2009

Interessado:  Promotoria de Justiça de Moji Guaçu

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, que “torna obrigatória a afixação de quadros ou molduras com a fotografia do Chefe do Poder Executivo Municipal em locais que especifica”.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 4.534, de 16 de junho de 2009, do Município de Mogi Guaçu, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                    São Paulo, 15 de novembro de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

eaa