EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

 

 

 

Ementa: 1) Inciso II do §º1, do art. 94, da Lei Orgânica do Município de Rosana, cuja redação foi dada pelo art.19 da Emenda Aditiva n. 001, de 13 de dezembro de 2004. 2) Dispositivo de lei que permite a prorrogação ou redução de jornada de trabalho  a determinados servidores públicos.3) Ausência de justificativa concreta para tal. Evidência de favorecimento a estes servidores. 4)Violação de princípios constitucionais da Administração Pública, entre eles a impessoalidade, a moralidade, a razoabilidade, a finalidade e o interesse público (art.111 e 144 da Constituição Paulista). 4)Ação Direta visando a declaração da inconstitucionalidade do referido dispositivo legal.

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1.993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal, e nos artigos 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com base nos elementos de convicção constantes do incluso protocolado (PGJ nº 10.806/08), vem a esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do inciso II do §º1, do art. 94, da Lei Orgânica do Município de Rosana, cuja redação foi dada pelo art.19, da Emenda Aditiva n. 001, de 13 de dezembro de 2004, pelas razões e fundamentos a seguir expostos.

 

                 1)Dispositivo legal impugnado

 

                O inciso II do §º1, do art. 94, da Lei Orgânica do Município de Rosana, cuja redação foi dada pelo art. 19 da Emenda Aditiva n. 001, de 13 de dezembro de 2004, apresenta a seguinte redação:

 

 

                   “Art. 94-

                  

                   §1º......

 

                   I- .....

 

                   II- os servidores nomeados para cargos com jornada especial de 04 (quatro) horas e, que tiverem mais de 05 (cinco) anos no Serviço Público Municipal de Rosana, se nomeados para jornada em dobro, e nela permanecendo por mais de dois anos, só podem retornar      para  a jornada anterior de 04 (quatro) horas, com sua expressa concordância, já os servidores para o exercício privativo da advocacia, conforme disciplinado na Lei Federal n. 8.906, de 04 de julho de 1994, tanto a nomeação como seu retorno só com expressa concordância”.

 

                   Como se demonstrará a seguir o inciso II, do parágrafo 1º,  do art. 94, da Lei Orgânica do Município de Rosana, cuja redação foi dada pelo art. 19, da Emenda Aditiva n. 001, de 13 de dezembro de 2004 é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo.

 

       2) Violação de princípios constitucionais da Administração Pública.

 

                    O dispositivo legal impugnado acabou por criar privilégio para uma categoria profissional, permitindo que se dobre de modo definitivo a jornada de trabalho, para qual o servidor prestou concurso público, ainda que não haja justificação para tanto. Possibilita, também,  que a jornada de trabalho instituída por lei, seja alterada por uma Portaria do Prefeito Municipal, possibilitando vantagens a determinado servidor municipal em detrimento de outros. Por fim, permite, ainda,  ao servidor municipal que foi designado para uma jornada de trabalho em dobro,   que manifeste ou não a sua concordância, para retornar a trabalhar na jornada criada em lei e para a qual prestou concurso, não importando se seu trabalho em jornada dupla seja ou não necessária para a execução de seus serviços.

 

                      Conjugando os dados acima, é possível deles extrair que a alteração legislativa teve por escopo melhorar a situação pessoal daqueles servidores municipais que podem ser submetidos a jornada trabalho em dobro em, especial, aos que exercem o exercício privativo da advocacia.

 

                      Nesse contexto, é possível de fato concluir que houve, por meio da alteração legislativa, intenção de favorecer os servidores municipais anteriormente mencionados, sem que houvesse, em contrapartida, fundamento razoável que desse lastro ao tratamento diferenciado.

 

                            Sabe-se que a remuneração do serviço extraordinário é devida ao servidor público, nos termos do art. 39, § 3°, e do art. 7°, inciso XVI, da Constituição Federal. Mas, como também se sabe, as horas extraordinárias são excepcionais e devem ser devidamente justificadas, com a demonstração da imprevisibilidade da situação, da imprescindibilidade       dos     serviços e da ausência de servidores, no quadro do órgão, em número suficiente para atender aos limites de horas habituais de trabalhos.

 

                     O que faz o legislador de Rosana é permitir o pagamento de jornada de trabalho em dobro independentemente da demonstração da necessidade  de sua efetiva prestação. Em outras palavras: abre-se a franca possibilidade de enriquecimento ilícito de tais servidores municipais, que, eventualmente, perceberão valores referentes a horas extraordinárias jamais trabalhadas ou de necessidade justificada.

 

                            Assim, o inciso II, do parágrafo 1º , do art. 94, da Lei Orgânica do Município de Rosana, cuja redação foi dada pelo art. 19, da Emenda Aditiva n. 001, de 13 de dezembro de 2004, contraria os princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade, interesse público, e finalidade, previstos no art.111 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art.144 da mesma Carta.

 

                  A respeito da violação da impessoalidade e da finalidade, é   oportuno      recordar que ambos incorporam em última análise, o próprio princípio da isonomia. E sobre este, anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ªed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p.35).

 

                   De outro lado, em oportuna síntese, anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de   honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.94).

 

                  Ora, dar tratamento diferenciado a determinado cargo e a seu ocupantes, em que haja um consistente fator de discrímen, significa   privilegiar o interesse privado em detrimento do interesse público. Isso contraria a moralidade administrativa, fere a impessoalidade e é sinônimo de desvio de finalidade.

 

                   Em última análise, a alteração legislativa tangencia, também, o princípio da razoabilidade.

 

                            E quanto à possibilidade de reconhecer-se a inconstitucionalidade com base na violação do aludido princípio, em sede doutrinária, Gilmar Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo E. STF anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83).

 

                  Diante do conjunto de parâmetros desrespeitados pelo dispositivo legal impugnado, é imperativo o reconhecimento da respectiva inconstitucionalidade.

 

   3) Conclusão.

 

                  Ante o exposto, requeiro a Vossa Excelência seja determinado o processamento desta AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, colhendo-se as informações pertinentes a serem prestadas pela Câmara dos Vereadores e pelo Prefeito Municipal de Rosana, sobre as quais manifestar-me-ei oportunamente, vindo a final ser declarada a inconstitucionalidade do inciso II, do parágrafo 1º , do art. 94, da Lei Orgânica do Município de Rosana, cuja redação foi dada pelo art. 19, da Emenda Aditiva n. 001, de 13 de dezembro de 2004 e adotadas as providências  atinentes à sua suspensão definitiva do ordenamento jurídico.

 

São Paulo, 24 de novembro de 2008.

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado PGJ nº 10.806/08

Interessado: Promotoria de Justiça de Rosana

 

 

 

 

 

                                                1.Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do inciso II do § 1º, do art. 94, da Lei Orgânica do Município de Rosana, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

                                                 2.Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                São Paulo, 24 de novembro de 2008

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça