Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado n. 111.112/2010

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º e do Anexo III da Lei n. 2.011, de 18 de junho de 2010 e do parágrafo único do art. 29, e dos arts. 31, caput, e 45 da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009, do Município de Pedregulho.

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis do Município de Pedregulho. 1.Criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. 2. Invasão da reserva legal, geradora de violação da separação de poderes, em razão do Chefe do Poder Executivo definir em decreto as atribuições dos cargos ou empregos públicos de provimento em comissão e, também, dos de provimento efetivo. 3.Sujeição dos cargos comissionados e dos empregos de vínculo temporário ao regime celetista,contrariando a exigência de o regime administrativo.4. Constituição Estadual: artigos 5º, §1º; 24, § 2º, 1; 111; 115, II, V e X; e 144.

 

                    O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda,nosarts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADEem face do art. 1º e do Anexo III da Lei n. 2.011, de 18 de junho de 2010 e do parágrafo único do art. 29, e dos arts. 31, caput, e 45 da Lei n. 1.891/09, de 20 de fevereiro de 2009,do Município de Pedregulho, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os Atos Normativos Impugnados

1.                 A Lei 2.011, de 18 de junho de 2010, do Município de Pedregulho, que “altera a composição dos Anexos do Quadro de Cargos da municipalidade, dando outras providências”, prevê 108 (cento e oito) cargos de provimento em comissão e tem a seguinte redação no que interessa:

“Art. 1º) Ficam alterados os Anexos constantes do Quadro de Cargos Permanentes, Comissionados e Agentes Políticos da municipalidade”.

Anexo III - Quadro de cargos em Comissão da Prefeitura Municipal

1

Assessor Especial de Gabinete

1

Assessor de Relações Públicas

1

Assessor de Segurança Pública

1

Assessor de Informática

1

Assessor Técnico de Informática

1

Chefe de Gabinete

1

Assessor de Protocolo e Arquivos

1

Assessor de Imprensa

1

Assessor de Finanças

1

Assessor de Administração

1

Chefia de Contabilidade

3

Assessor de Contabilidade

3

Assessor de Cadastro e Lançamento

1

Chefe de Recursos Humanos

1

Assessor de Recursos Humanos

2

Assessor de Almoxarifado e Patrimônio

1

Chefia de Compras

1

Assessor de Compras

1

Chefe de Unidades de Saúde

3

Assessor de Serviços do PSF

1

Assessor de Vigilância Sanitária

1

Assessor de Serviços Ambulatoriais

1

Assessor dos Serviços do Centro Odontológicos

6

Assessor de Serviços das Unidades de Saúde

2

Assessor dos Serviços doe Ambulâncias e Transportes

6

Diretor de Escola

6

Diretor de Creche

2

Assessor de Turismo

1

Assessor de Cultura

2

Assessor de Esporte

4

Assessor do Ensino Fundamental

2

Assessor do Ensino Especial e de Jovens e Adultos

1

Assessor Merenda Escolar

1

Assessor de Suprimento de Merenda Escolar

5

Assessor do Ensino Infantil

2

Assessor do Ensino Técnico

1

Assessor de Transporte de Alunos

1

Diretor de Assistência e Desenvolvimento Social

3

Assessor de Assistência e Desenvolvimento Social

3

Assessor de Trabalho e Previdência Social

2

Procurador Jurídico

1

Assessor Jurídico Administrativo

1

Assessor Jurídico Trabalhista

1

Assessor Jurídico de Execução Fiscal

1

Assessor Jurídico de Licitações

1

Assessor Jurídico do Contencioso

1

Diretor de Agricultura e Pecuária

2

Assessor de Agricultura e Pecuária

1

Diretor de Obras e Serviços

2

Assessor de Engenharia

1

Assessor de Planejamento

3

Assessor de Serviços Rurais

3

Assessor de Serviços Urbanos

1

Assessor de Vigilância Patrimonial

1

Diretor de Transportes

4

Assessor de Pedágio

4

Assessor de Transporte

(g. n.)

2.               Por sua vez, a Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009, que “dispõe sobre a organização administrativa da Prefeitura Municipal de Pedregulho, dá nova estrutura ao quadro pessoal, fixa níveis de vencimentos e dá outras providências”, estabeleceu que:

“Art. 29 – Os provimentos dos empregos públicos serão feitos em obediência ao disposto na Lei Orgânica do Município de Pedregulho e demais legislação pertinente.

Parágrafo Único – As atribuições dos empregos públicos permanentes serão estabelecidas por Decreto do Poder Executivo.

(...)

Art. 31 – Os Cargos em Comissão são de livre escolha, nomeação e exoneração do Prefeito Municipal e o ato será efetuado através de Portaria do Poder Executivo, sendo regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, fazendo jus ao recebimento de férias, 13º Salário, FGTS, Vale Refeição e Reajuste Salarial.

(...)

Art. 45 – Para atender as necessidades temporárias de excepcional interesse público, poderão ser efetuado, conforme autoriza o inciso XI do Artigo 37 da Constituição Federal, contratações pela C.L.T., de empregados, por prazo certo não superior a 01 (um) ano, improrrogável, independente da realização de concurso público, devidamente justificado pelo Chefe do Setor”(g. n.).

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

3.                 Os dispositivos impugnados do Município de Pedregulho, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. As disposições normativas impugnadas violam dos seguintes preceitos constitucionais:

Art.5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

 

(...)

 

Art.24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

A – Criação de cargos de provimento em comissão

4.                 O quadro de cargos em comissão acima transcrito revela a criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão. No caso, com exceção do cargo de Chefe de Gabinete, os cargos constantes do Anexo III da Lei 2.011/2010 não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, a exigirem liberdade de provimento em comissão porque não existe o componente fiduciário.

5.                 Como bem pontificado em venerando acórdão deste egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

6.                 De fato, os cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

7.                 Um dos princípios norteadores do provimento de cargos públicos reside na ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados, respeitados os requisitos inerentes às atribuições de cada cargo. Acesso esse que se visa garantir com a obrigatória realização do concurso público, para que, sem que reste tangenciado o princípio da isonomia, preserve-se também a eficiência da máquina estatal, consubstanciada na escolha dos candidatos mais bem preparados para o desempenho das atribuições do cargo público, de acordo com os critérios previstos no edital respectivo.

8.                 Ao comentar a exigência de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo público, afirma Alexandre de Moraes:

“Existe, assim, um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de ampla possibilidade de participação da administração pública” (Direito Constitucional, Atlas, São Paulo, 7ª edição, 2000, p. 314).

9.                 A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

10.               É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Portanto, não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais, irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutantsubstantiam rei. O essencial é análise do plexo de atribuições da função pública.

11.               Neste sentido, a jurisprudência censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007; STF, RE-AgR 365.368-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-05-2007, v.u., DJ 29-06-2007, p. 49; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel., Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008; TJSP, ADIN 173.308.0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. José Roberto Bedran, v.u., 24-06-2009; TJSP, ADI 165.773-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 10-08-2008).

12.               Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos – com exceção do cargo de Chefe de Gabinete - a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, o art. 1º e o Anexo III da Lei n. 2.011, de 18 de junho de 2010 do Município de Pedregulho.

B – Delegação para fixação de atribuições de cargos públicos

13.               Concorre neste quadro a delegação de fixação de atribuições desses cargos a ato normativo do Chefe do Poder Executivo, constante do parágrafo único do art. 29 da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009, caracterizadora de violação da reserva legal e da separação de poderes, dispostas nos arts. 5º, § 1º, 24, § 2º, 1, 111 e 115, II, da Constituição Estadual.

14.               Com efeito, o procedimento mantém incompatibilidade vertical com o princípio da legalidade – porque a reserva legal exige lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos) – e o seu tratamento por decreto implica de per si invasão e delegação do espaço reservado à lei e, em ultima ratio, violação contundente à cláusula da separação de poderes. 

15.               Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287;Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

16.               Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de a lei específica descrever as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

17.               Pois somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraiaà aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

18.               Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, é:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

19.               Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

20.               Comunga este entendimento o egrégio Tribunal de Justiça, como se nota da invocação de recente julgamento de seu colendo Órgão Especial:

“Ação direta de inconstitucionalidade – leis municipais de São Vicente – criação de cargos – não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos (...) – ação procedente” (TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).

21.               Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez, será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

22.               Assim sendo, o parágrafo único do art. 29 da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009, do Município de Pedregulho, viola o disposto nos arts. 5º, § 1º, 24, § 2º, 1, 111 e 115, II, da Constituição Estadual.

C - Regime Jurídico Celetista

23.               A sujeição dos ocupantes de cargos comissionados ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, é inconciliável o cargo de provimento em comissão de livre provimento e exoneração com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

24.               Com efeito, o cargo comissionado é de instituição permanente e, por natureza, de provimento instável e precário, porque se liga à concepção de execução de diretrizes políticas superiores que são exigentes de relação de confiança.

25.               É por essa razão que a Constituição Federal prevê liberdade no provimento e na exoneração (dispensando qualquer motivação e a regra do concurso público) dos cargos de provimento em comissão.

26.               A inserção desses cargos no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

27.               De fato, o desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

28.               Da mesma forma entende o Superior Tribunal de Justiça em venerando acórdão assim ementado:

4. A nomeação para cargo em comissão, por se tratar de relação jurídica própria de direito público estabelecida entre aAdministração e o comissionado, é regulada pelo regime estatutário,ou seja, essa relação não tem natureza contratual, masinstitucional, de modo que não se lhe aplicam as disposiçõespertinentes ao emprego público, subordinado, basicamente, ao regimeceletista” (STJ, REsp 621.647-DF, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, 21-03-2006, v.u., DJ 10-04-2006, p. 130).

29.               A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade.

30.               Examinando preceito da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul que assegurava “aos ocupantes de cargos de que trata este artigo será assegurado, quando exonerados, o direito a um vencimento integral por ano continuado na função, desde que não titulem outro cargo ou função pública” (art. 32, § 3º), estimou o Supremo Tribunal Federal:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

31.               Desse julgamento merece destaque o seguinte excerto:

“9. Se, por força da cláusula constitucional explícita, a exoneração do cargo em comissão é livre, não pode estar subordinada a nenhuma condição. A exigência do pagamento de indenização equivalente a um mês de vencimentos, por ano de exercício de cargo em comissão, restringe o poder discricionário da Administração de livremente nomear e exonerar o ocupante do cargo, por considerações ligadas aos encargos financeiros decorrentes, tudo de forma a inibir essas prerrogativas da Administração, emanadas da Constituição.

10. A indenização prevista nas normas impugnadas, dessa forma, é inconciliável com a regra contida na segunda parte do inciso II do art. 37 da Constituição Federal”.

32.               Outro precedente da Suprema Corte é mais expressivo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

33.               Nesse julgamento assinalou o eminente Ministro Paulo Brossard que:

“Os titulares dos cargos ou das funções sujeitos à investidura por concurso público gozam de garantias previstas na Constituição: são garantias inerentes ao exercício do cargo, que não são concedidas às pessoas como privilégio, mas para garantir o exercício das funções dentro dos estritos limites da lei, a salvo de pressões e injunções de toda ordem; para estes o ordenamento jurídico entende que é necessária alguma garantia.

Ao contrário, os que ascendem a cargos não sujeitos à investidura por concurso, ficando à mercê da dispensa ou exoneração ad nutum, convivem a todo instante com o dever de fidelidade para com a execução da diretriz política que lhe foi confiada e com o caráter transitório da sua presença na administração pública; para estes não é desejável nenhuma garantia além daquela que advém do correto e eficiente desempenho das tarefas que lhe foram confiadas, e que aceitaram delas desincumbir-se.

5. Concluo entendendo que a relevância da matéria está posta no interesse da Administração, e não do servidor, e que a manutenção da disposição impugnada é desaconselhada pelo art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal, porque se a nomeação é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração, o dever de indenizar restringe essa liberdade”.

34.               Avulta na hipótese examinada a inadmissibilidade de extensão ao cargo comissionado de parcela ou da íntegra da disciplina do regime estatutário ou do celetista incompatível com a sua natureza.

35.               Pois, da mesma forma que se edifica a incompossibilidade de sua sujeição ao regime contratual (celetista), também se denota a inviabilidade plena e absoluta da concessão de elementos integrantes do regime legal (estatutário) peculiares e exclusivos dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo ou dissonantes da natureza do cargo de provimento em comissão – situando-se, por exemplo, nesta latitude, a estabilidade ordinária ou anômala (STF, RE-AgR 181.727-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 23-08-2005, v.u., DJ 09-12-2005, p. 14, RT 848/150; STF, RE 146.332-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Octávio Gallotti, 15-09-1992, v.u., DJ 06-11-1992, p. 20.109, RTJ 143/335), a estabilidade sindical provisória (STF, RE 183.884-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 08-06-1999, v.u., DJ 13-08-1999, p. 14) e as “horas-extras” (TJSP, AC 158.793-5/4-00, Limeira, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio C. Malheiros, v.u., 11-10-2005; TJSP, AC 118.215-5-00, Nhandeara, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Rulli, v.u., 16-10-2002; TJSP, AC 128.751-5/9-00, Ribeirão Preto, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Geraldo Lucena, v.u., 14-05-2003; TJSP, AC 257.045-5/3-00, Cubatão, 12ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Prado Ferreira, v.u., 16-08-2006). Neste contexto, pronuncia venerando acórdão que “indenizações rescisórias e FGTS são incompatíveis para os ocupantes dos cargos providos em comissão” (TJSP, AC 323.630-5/9, São Carlos, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Castilho Barbosa, 27-03-2007).

36.               Complementando esta digressão, a doutrina pondera que “o servidor que exercer cargo público em comissão poderá ser demitido ad nutum, não ficando sujeito às formas demissionárias dos servidores públicos efetivados” [Claudionor Duarte Neto. O Estatuto do Servidor Público (Lei n° 8.112/90) à luz da Constituição e da Jurisprudência, São Paulo: Atlas, 2007, p. 51], e, por isso, se na Administração Pública direta é admissível a sujeição dos servidores públicos lato sensu ao regime celetista como empregados públicos, a Lei n. 9.962/00, de âmbito federal, exclui dessa possibilidade os cargos de provimento em comissão (art. 1°, § 2°, b).

37.               Sob outro prisma, é inegável o reconhecimento de franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

38.               Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

39.               Na espécie, infringe a lei municipal ambos os princípios. Como os cargos comissionados constituem exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por critérios pessoais e subjetivos, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

40.               Ora, o padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de cargo comissionado, à luz da conformação constitucional que realça a liberdade de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente políticos. Em suma, a sujeição do cargo comissionado ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza do cargo público cuja marca eloquente é a instabilidade do provimento ditada pela relação de confiança.

41.               Há outro aspecto a merecer consideração. O art. 45 da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009sujeita o vínculo dos servidores temporários ao regime celetista. Entretanto, segundo a orientação dominante, o regime da contratação estribada no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal ou no inciso X do art. 115 da Constituição Estadual, é administrativo-especial, e não se admite o celetista, porque não há possibilidade, na relação jurídica entre o servidor e o poder público, permanente ou temporária, de regência senão pela legislação administrativa. Neste sentido:

“Os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008).

“Constitucional. Reclamação. Ação civil pública. Servidores públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho. Incompetência. 1. No julgamento da ADI nº 3.395/DF-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal (na redação da EC nº 45/04) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. As contratações temporárias para suprir os serviços públicos estão no âmbito de relação jurídico-administrativa, sendo competente para dirimir os conflitos a Justiça comum e não a Justiça especializada. 3. Reclamação julgada procedente” (RTJ 207/611).

42.               Dessa forma, os dispositivos que submetem os ocupantes de cargos em comissão e aqueles contratados temporariamente ao regime celetista - art. 31, caput, e 45 da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009 – violam, respectivamente, os incisos II e X do art. 115 da Constituição Estadual.

D – Da Inconstitucionalidade por Arrastamento

43.               Não se pode olvidar que, acaso acolhido o pedido da presente ação direta de inconstitucionalidade serão automaticamente restaurados dispositivos de leis anteriores que padecem do mesmo vício de constitucionalidade – o Anexo III, da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009, e os arts. 71, parágrafo único e 75, e os Anexos II (no que concerne aos cargos de provimento em comissão) e IV da Lei n. 1.526, de 23 de abril de 2001, do Município de Pedregulho.

44.               Torna-se, portanto, necessário que se reconheça sua inconstitucionalidade por arrastamento ou atração, sob pena de se instaurar situação mais gravosa que aquela que se busca combater.

45.               A respeito da inconstitucionalidade por arrastamento, tem-se que:

"(...) se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da inconstitucionalidade 'conseqüente', ou por 'arrastamento' ou por 'atração'" (Pedro Lenza, "Direito Constitucional Esquematizado", Saraiva, 13ª Edição, p. 208).

46.               Segundo precedentes do Pretório Excelso, é perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 08-09-2006, p. 16; ADI 3.645-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09-06-2005, p. 4).

47.               A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito represtinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.

48.               Restabelecidos os efeitos da lei revogada, dá-seo que se chama de efeito indesejado, já havendo assentado o Supremo Tribunal Federal que:

 "A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer igualmente, já na inicial da ação direta, a declaração da inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato normativo ressuscitado" (STF, ADI-MC 2.621-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2002).

49.               Nesse contexto, a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento do Anexo III, da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009, e dos arts. 71, parágrafo único e 75, e dos Anexos II (no que concerne aos cargos de provimento em comissão) e IV da Lei n. 1.526, de 23 de abril de 2001, do Município de Pedregulho, é medida de rigor, pois referidas normas apresentam os mesmos vícios que maculam os dispositivos que figuram como objeto desta ação direta de inconstitucionalidade.

III – Pedido liminar

50.               À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Pedregulho apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

51.               À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 1º e do Anexo III da Lei n. 2.011, de 18 de junho de 2010, do parágrafo único do art. 29, do arts. 31, caput, e 45 da Lei n. 1.891/09, de 20 de fevereiro de 2009, do Município de Pedregulho.

IV – Pedido

52.               Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º e do Anexo III da Lei n. 2.011, de 18 de junho de 2010 (e, por arrastamento, do Anexo III, da Lei n. 1.891, de 20 de fevereiro de 2009 e dos Anexos II - no que concerne aos cargos de provimento em comissão - e IV da Lei n. 1.526, de 23 de abril de 2001), do parágrafo único do art. 29, e dos arts. 31, caput, e 45 da Lei n. 1.891/09, de 20 de fevereiro de 2009 (e, por arrastamento, dos arts. 71, parágrafo único, e 75, da Lei n. 1.526, de 23 de abril de 2001), do Município de Pedregulho.

53.               Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Pedregulho, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativosimpugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                    Termos em que, pede deferimento.

                    São Paulo, 15 de fevereiro de 2011.

 

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

wpmj/grs
Protocolado n. 111.112/2010

Assunto: Inconstitucionalidade de leis do Município de Pedregulho

 

1.       Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 1º e do Anexo III da Lei n. 2.011, de 18 de junho de 2010 e do parágrafo único do art. 29 e dos arts. 31, caput, e 45 da Lei n. 1.891/09, de 20 de fevereiro de 2009, ambas do Município de Pedregulho, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.       Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                    São Paulo, 15 de fevereiro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

wpmj