EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 112.132/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.264, de 07 de junho de 2004, de Mirandópolis.

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.264, de 07 de junho de 2004, de Mirandópolis. Lei que dispõe sobre a criação de empregos públicos para “abrigar servidores oriundos de concurso público anulado”.

2)     Violação da regra do concurso, acessibilidade geral, impessoalidade e isonomia (art. 111, 115, I, II da CE; normas de repetição do art. 37, I e II da CR/88).

3)     Violação de princípio estabelecido. Regime previdenciário único dos empregados celetistas (art. 144 da CE, c.c. o art. 40, § 13 da CR, red. EC nº 20/98).

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (Pt. nº 112.132/2009, que segue como anexo), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Municipal nº 2.264, de 07 de junho de 2004, de Mirandópolis, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei nº 2.264, de 07 de junho de 2004, em conformidade com a respectiva ementa “Dispõe sobre a criação de empregos públicos para abrigar servidores oriundos de concurso público anulado”, e tem a seguinte redação:

“(...)

Artigo 1º - Os servidores municipais oriundos do concurso público dos Editais 001 e 002/1991, que foi anulado pelo Poder Judiciário através da Ação Popular nº 482/1991, da 1ª Vara da Comarca de Mirandópolis, e que tiveram suas nomeações tornadas sem efeito, passarão a ter o seu regime jurídico regido pela Consolidação das Leis do Trabalho

Artigo 2º - Fica criado o Quadro Especial de Empregados Públicos, de composição limitada e com extinção programada, que abrigará os servidores oriundos do concurso público dos Editais 001 e 002/1991, anulado pelo Poder Judiciário, nos autos da Ação Popular nº 482/1991.

Artigo 3º - O Quadro criado no artigo anterior tem composição certa e determinada, conforme relação de servidores constantes do Anexo I, e a extinção dos empregos agora criados se dará gradualmente pela aposentadoria dos servidores, pela exoneração nos casos legais, inclusive pelo cometimento de falta grave, devidamente apurada, ou ainda na forma do at. 169, § 3º da Constituição Federal.

Artigo 4º - Fica assegurado aos servidores a que se refere a presente lei, o direito de continuarem a contribuir para o Instituto de Previdência Municipal de Mirandópolis – IPEM.

Artigo 5º - Ficam mantidos os direitos dos servidores constantes do Anexo I desta lei que tenham se aposentado através do Instituto de Previdência de Mirandópolis – IPEM, assim como as pensões pagas a seus dependentes, na forma da legislação vigente.

Artigo 6º - Tendo em vista a irredutibilidade de salários assegurada constitucionalmente, ficam mantidas as vantagens pessoais e pecuniárias adquiridas até a presente data e que passarão a integrar o salário de cada um, e a partir da vigência desta lei sobre estes salários incidirão a revisão geral anual de remuneração prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal bem como os reajustes salariais que forem concedidas aos demais servidores ocupantes de cargos efetivos.

Artigo 7º - As despesas resultantes da execução desta lei correrão à conta de dotação já prevista na lei orçamentária do presente exercício, sob a rubrica de despesas de pessoal, podendo ser suplementadas se necessário.

Artigo 8º - Esta lei entra em vigor no dia 1º do mês subseqüente ao da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

Ocorre que a lei em questão é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional, por contrariar os arts. 111, 115, I e II da Constituição Paulista (norma de reprodução do art. 37, I e II da CR/88), bem como o art. 144 da Constituição Estadual.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

Em conformidade com as informações colhidas no Pt. nº 112.132/2009 (que segue como anexo), nos autos da ação popular nº 482/91, da 1ª Vara Judicial de Mirandópolis, foram anulados os concursos públicos realizados pela Municipalidade, relativos aos Editais nº 001 e 002/91.

Posteriormente à decisão judicial por força da qual foram anulados os concursos públicos referidos, foi apresentado e homologado judicialmente acordo relativamente ao seu cumprimento, no qual foi inserida a previsão de apresentação, pelo Senhor Prefeito Municipal, de projeto de lei para a regularização da situação dos servidores que tinham sido aprovados nos concursos anulados (cópias do acordo e da sentença homologatória, às fls. 61/67 e 71).

Na sequência, foi apresentado projeto de lei, que se converteu na Lei Municipal nº 2.264, de 07 de junho 2004, cujo escopo era regularizar a situação dos servidores que haviam sido nomeados e empossados por força dos concursos anulados, referentes aos Editais 001 e 002/91.

Entretanto, a solução materializada no ato normativo impugnado é inconstitucional, por ter permitido a violação da regra do concurso público, da acessibilidade geral ao serviço público, bem como da isonomia e impessoalidade.

Na justificativa apresentada para a elaboração do acordo, posteriormente homologado judicialmente, a Municipalidade de Mirandópolis consignou (fls. 104):

“(...)

3. Considerando que antes de integrarem o quadro do Regime Estatutário, por força do concurso anulado, os Servidores concursados foram contratados pelo Regime Jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho, por este iniciando sua vinculação com o Município de Mirandópolis, não tendo sido efetuada a desvinculação do referido Regime Geral, estando as respectivas carteiras de trabalho ainda em aberto.

(...)”

A partir dessa premissa, o texto legislativo glosado nesta ação direta foi editado prevendo três diretrizes complementares: (a) criação de vínculo celetista entre os servidores aprovados nos concursos anulados e a Administração Municipal; (b) criação de um Quadro Especial de empregados oriundos dos concursos anulados; (c) reconhecimento do direito, quanto a tais empregados, de participarem do regime de previdência dos servidores estatutários do Município.

A Lei nº 2.264/2004, entretanto, é incompatível com nossa ordem constitucional, na medida em que: (a) criou vínculo originário, de caráter celetista, entre os servidores do concurso anulado e a Administração Municipal, burlando a regra do concurso; (b) permitiu que servidores celetistas participassem do regime previdenciário do Município, que é apropriado apenas para servidores estatutários.

Note-se que a própria justificativa apresentada para tal solução, por parte da Municipalidade, demonstra que além de inconstitucional, a edição da lei seria, antes de tudo, desnecessária.

Observe-se que se efetivamente os servidores dos concursos anulados na ação popular nº 482/1991 da 1ª Vara Judicial de Mirandópolis (Editais 001 e 002/91) já possuíam vínculo celetista com a Administração Municipal, seria absolutamente desnecessário que a Lei Municipal nº 2.264/2004 declarasse (em verdade criasse) esse vínculo.

A anulação dos concursos, produzindo efeitos ex tunc, traria as coisas ao status quo ante: os servidores aprovados para cargos públicos (regime estatutário), com a anulação, retornariam à situação anterior, na condição de titulares de empregos públicos (regime celetista).

A redação contida na lei permitiu que servidores que antes não integravam os quadros da Administração Municipal, e que vieram a integrá-la por meio dos concursos anulados, adquirissem vínculo celetista com o Município, sem o necessário concurso.

Os dispositivos transcritos violam princípios constitucionais que exigem a realização de concurso público para acesso aos cargos e empregos na administração pública, e, por conseqüência, violam também a regra da acessibilidade geral e da isonomia, bem como a impessoalidade, com relação ao provimento de cargos na administração pública, que decorrem dos seguintes dispositivos da Constituição Estadual:

“(...)

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)”

É oportuno recordar que tais dispositivos são reproduções do disposto no art. 37, I e II da CR/88, sendo todos (os da Constituição Federal e os da Estadual), aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da Constituição Paulista.

Dispensa maiores digressões a afirmação de que a realização de concurso público, para acesso aos cargos, empregos, e funções públicas, é a regra. Ela só admite exceções nas estritas hipóteses previstas na Constituição Federal e Estadual, quais sejam (a) a nomeação para cargos de provimento em comissão previstos em lei específica de cada ente federativo (nos casos de cargos ou funções de direção, chefia ou assessoramento superior da administração, em que deva prevalecer o vínculo de especial confiança entre o servidor e o agente superior ao qual se vincule), e (b) a contratação temporária, nas hipóteses previstas em lei de cada ente federativo, para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público (cf. art. 115 II, V  e X da Constituição Paulista; art. 37 I, II e IX da CR/88).

Diante disso, qualquer dispensa indevida da realização de concurso para fins de ingresso no serviço público, ou mesmo a realização de provimentos a partir de concursos internos, para que servidores ocupem cargos ou empregos situados em carreira distinta, ou finalmente o simples aproveitamento de servidores em cargos ou empregos integrantes de carreira distinta, são atos que significam, na prática, burla à regra do concurso. Traduzem-se, do mesmo modo, em criação de óbice à acessibilidade de todos os cidadãos aos cargos públicos previstos em lei, e, por conseguinte, violação ao princípio da isonomia. Criam, finalmente, possibilidade de favorecimento, com quebra do princípio da impessoalidade.

Esse mesmo vício ocorre no caso em que, sendo anulado o concurso por força do qual se deu o provimento no serviço público, a Administração, ainda que por lei, determine a manutenção do vínculo dos servidores com o Município.

Esse permissivo legal, destinado à acomodação de situações de fato pré-existentes, representa evidente burla aos princípios da isonomia, da acessibilidade geral, do concurso e da impessoalidade, que devem nortear o provimento de cargos no âmbito da Administração Pública.

Não se pode confundir o caso tratado nestes autos com situações em que, por lei nova, é conferida nova denominação a cargos públicos, sem que haja mudança de atribuições. Em tais casos, o enquadramento dos antigos titulares, admitidos por concurso público, é feito sem maiores dificuldades ou questionamentos, pois que é admissível a inserção do servidor em cargo idêntico, da mesma natureza, em novo sistema de classificação (STF, RTJ 150/26).

Nesses casos, nada obstante a alteração da denominação do cargo ou emprego público, não se altera a situação funcional do servidor, que continua posicionado no mesmo contexto dentro da carreira na qual ingressou por força de concurso.

Em outros termos, para que tal solução seja legítima, é imprescindível que o aproveitamento de ocupantes de cargos extintos nos recém-criados se opere em vista de “completa identidade substancial entre os cargos em exame, além de compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso” (ADIs 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti, e 2.713, Rel. Min. Ellen Gracie).

Esta situação não se confunde com a hipótese de “transformação”, em que se verifica a alteração do título e das atribuições do cargo, e por isso configura novo provimento, a depender da exigência de concurso público (ADI 266, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 18-6-93, DJ de 6-8-93). Com maior razão, também não se confunde com a criação de vínculo originário por força de lei, nessa hipótese evidentemente inconstitucional.

Nosso sistema constitucional consagrou o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, na forma prevista em lei, e a submissão prévia a concurso público, ressalvadas, evidentemente, as nomeações para cargos em comissão.

Na definição de Adilson Abreu Dallari, concurso público é “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição do conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados” (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2. ed., São Paulo, RT, 1992, p. 36, apud Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, 3º vol., T. III, São Paulo, Saraiva, 1992, p. 67).

É por meio do concurso que se resguarda a aplicação do princípio da igualdade de todos (CF., art. 37, I) e, ao mesmo tempo, o interesse da Administração em admitir somente os melhores.

Afastam-se “os ineptos e apaniguados, que costumam abarrotar as repartições públicas, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. ed., São Paulo, RT, 2008, p. 440/441).

Acrescente-se, ademais, que a existência de formas de provimento derivado “de modo algum significa abertura para costear se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre específico para dado cargo, encartado em carreira certa, quem nele se investiu não pode depois, sem novo concurso público, ser trasladado para cargo de natureza diversa ou de outra carreira melhor retribuída ou de encargos mais nobres e elevados. O nefando expediente a que se alude foi algumas vezes adotado, no passado, sob a escusa de corrigir desvio de funções ou com arrimo na nomenclatura esdrúxula de ‘transposição de cargos’. Corresponde a uma burla manifesta do concurso público. É que permite a candidatos que ultrapassaram apenas concursos singelos, destinados a cargos de modesta expressão – e que se qualificaram tão somente para eles – venham a aceder, depois de aí investidos, a cargos outros, para cujo ingresso se demandaria sucesso em concursos de dificuldades muito maiores, disputados por concorrentes de qualificação bem mais elevada” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, São Paulo, RT, 1995, p. 55).

É oportuno averbar que no E. STF a matéria é pacífica.

Encontra-se sedimentada no verbete nº 685 da súmula da jurisprudência dominante da Corte, com a seguinte dicção:

"É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido." (SÚM. 685).

Há diversos precedentes do E. STF que, sob vários aspectos e em situações diferentes, confirmam afirmação de que nosso sistema constitucional não transige com a regra do concurso público.

Assim, como quando a Corte veda a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso (ADI 231, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 5-8-92, DJ de 13-11-92; ADI 3.582, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 1º-8-07, DJ de 17-8-07); ou ao proibir o mero enquadramento de prestadores de serviço (ADI 3.434-MC, voto do Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-8-06, DJ de 28-9-07); ou mesmo ao vedar o enquadramento de servidores que exerçam determinadas funções, em cargos que integram carreira distinta, ainda que com período prévio de reciclagem (ADI 388, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-9-07, DJ de 19-10-07; ADI 3.442, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 7-11-07, DJ de 7-12-07; ADI 3.857/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 18/12/2008).

Relevante notar, do mesmo modo, que a exigência de concurso público para a investidura em cargo assegura, entre outras coisas, o respeito aos princípios da impessoalidade e o da isonomia.

Também por isso que a estabilidade constitucional anômala e transitória prevista no art. 19 do ADCT-CR/88 (aplicável aos servidores não concursados que, quando da promulgação da Carta Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público) tem sido interpretada restritivamente.

O E. STF tem reiteradamente afirmado a inconstitucionalidade de normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço: ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996); ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de 19-12-2002); ADI 100, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-04, DJ de 1º-10-04; ADI 88, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-5-00, DJ de 8-9-00; ADI 289, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ de 16-3-07; ADI 125, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ de 27-4-07.   

Esse entendimento também vem sendo consagrado no E. Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de seu Colendo Órgão Especial, conforme ementa transcrita a seguir:

“Ementa: Inconstitucionalidade - Ação Direta - Lei Municipal - Disposições relativas ao funcionalismo público - Desrespeito às regras de ingresso no serviço público por meio de concurso, com enquadramento de funcionários sem a realização dele, consagração de desvio de função e permissão de ocupação cargos distintos àquele para o qual o servidor foi habilitado - Inadmissibilidade – Procedência da ação com declaração de inconstitucionalidade das normas infringentes dos princípios constitucionais de igual acessibilidade a cargos públicos por meio de concurso e efeitos "ad nunc". (TJSP, Órgão Especial, ADI 164.694-0/3, rel. des. Maurício Vidigal, j. 13.05.2009, v.u.).

Acrescente-se que, não bastassem os vícios antes apontados, a Lei Municipal nº 2.264/2004, de Mirandópolis, também contrariou o art. 144 da Constituição do Estado, que tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organização por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

Pois bem. É princípio constitucional estabelecido o de que servidores estatutários possuem regime previdenciário próprio, enquanto aqueles que ostentam vínculo celetista são vinculados ao regime de previdência geral.

Tal princípio foi fixado por força do art. 40, § 13 da CR/88 (red. EC nº 20/98), que tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (red. EC nº 41/2003)

(...)

§ 13. Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social. (red. EC nº 20/98)

(...)”

Ocorre que o art. 4º e o art. 5º da Lei Municipal nº 2.264/2004 de Mirandópolis, nada obstante, expressamente (a) asseguraram aos empregados (celetistas) nela referidos o “direito de continuarem a contribuir para o Instituto de Previdência Municipal de Mirandópolis”, e (b) determinaram a manutenção dos “direitos dos servidores constantes do Anexo I desta lei (celetistas) que tenham se aposentado através do Instituto de Previdência de Mirandópolis”.

A lei, nesse contexto, equiparou empregados públicos (celetistas) a titulares de cargos públicos (estatutários), aplicando a ambos o mesmo regime previdenciário, contrariando o princípio estabelecido (art. 144 da Constituição do Estado) por força do qual os empregados públicos vinculam-se ao regime previdenciário geral (art. 40, § 13 da CR, red. EC nº 20/98).

Note-se que não se discute na ação direta se aposentadorias ou pensões foram concedidas, e são atos jurídicos perfeitos; ou se restam configurados, em determinados casos, direitos adquiridos; ou ainda se haverá ou não a possibilidade de desconstituição de atos administrativos de concessão de benefícios previdenciários, por força de decurso de prazo decadencial; etc.

Estas e outras questões são estranhas, e vão além do objeto da ação direta de inconstitucionalidade, e deverão ser analisadas em outro plano, ou seja, pela própria Administração, ou mesmo através de ações civis específicas.

O fato, entretanto, é que são inconstitucionais os dispositivos que assimilaram a situação dos titulares de cargos e empregos públicos no Município, para fins de enquadramento destes últimos (celetistas) no regime previdenciário estatutário.

Note-se que a diretriz constitucional de separação dos regimes previdenciários de estatutários (ocupantes de cargos públicos) e dos demais (temporários, comissionados e empregados públicos) já foi reconhecida pelo C. STF em mais de uma oportunidade, conforme precedentes a seguir indicados: RMS 25.039, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 14-2-06, DJE de 18-4-08; MS 24.024, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-2-06, DJ de 24-10-03; AI 578.458-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-8-07, DJ de 14-9-07.

3. CONCLUSÃO E PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.264, de 07 de junho de 2004, de Mirandópolis.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Mirandópolis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 16 de dezembro de 2009.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 112.132/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.264, de 07 de junho de 2004, de Mirandópolis.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.    Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.    Cumpra-se.

 

São Paulo, 16 de dezembro de 2009.

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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