EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual 734, de 26 de novembro de 1993 (LOMPSP), e em conformidade com o disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal, e com os artigos 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Carta Estadual, com base no incluso protocolado (PGJ 11.402/07), vem promover, perante esse Colendo Tribunal de Justiça, a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei n. 3.258, de 22 de novembro de 2006, do Município de Itanhaém, com pedido de medida liminar, pelas razões a seguir expostas:

 

                   1. A Lei Complementar 3. 258, de 22 de novembro de 2006, de Itanhaém, “dispõe sobre a contratação de professor por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal”.

 

                   2.  A lei exame foi editada com fundamento no artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, que prevê a possibilidade de que a Administração Pública contrate pessoal por tempo determinado para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. 

 

                   3.  No entanto, trata-se de norma  materialmente incompatível com o texto constitucional estadual.  Isto porque referida, nos termos de seu art. 2º, a Lei Complementar n° 3.258, de 22 de novembro de 2006, considerou como necessidade temporária de excepcional interesse público a contratação de professor substituto para reger classes e/ou aulas, nas seguintes hipóteses:

 

                   I- para ministrar aulas em classes atribuídas a ocupantes de cargos, empregos ou funções, afastados a qualquer título;

 

                   II- para ministrar aulas cujo número reduzido de alunos, especificidade ou transitoriedade não justifiquem o provimento do cargo;

 

                   III- para ministrar aulas de reforço e recuperação ou para desenvolver projetos educacionais de natureza transitória;

 

 

 

                   IV- para ministrar aulas decorrentes de cargos vagos ou que ainda não tenham sido criados;

 

                   V- para ministrar aulas cujo número seja insuficiente para completar a jornada  mínima de trabalho do cargo docente.

 

                   Como se pode observar referida legislação, viola o artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo, que determina:

 

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as funções instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(....)

X – A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

                                  

                   4. Como define Diógenes Gasparini, o interesse a que se reporta o inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, “não há de ser relevantíssimo, mas tão só revelador de uma situação de exceção, de excepcionalidade, que pode ou não estar ligado à imperiosidade de um atendimento urgente” (Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 43). Ao cuidar do tema na

 

 

 ADIMC 890-1/DF, o Ministro Paulo Brossard observou que as contratações temporárias estão subordinadas simultaneamente às seguintes condições: (a) deve existir previsão em lei dos casos possíveis; (b) devem ter tempo determinado; (c) devem atender a necessidade temporária; (d) a necessidade temporária deve ser de interesse público; (e) o interesse público deve ser excepcional. Na obra Regime dos Servidores da Administração Direta e Indireta (Direitos e Deveres), São Paulo, Malheiros, 1995, p. 71, Celso Antônio Bandeira de Mello relaciona as situações que, a seu ver, ensejariam a contratação temporária: (a) para evitar-se o declínio do serviço ou para restaurar-lhe o padrão indispensável mínimo, seriamente deteriorado pela falta de servidores, (b) quando for indispensável, vale dizer, induvidosamente não haja meios de supri-la com remanejamento de pessoal ou redobrado esforço dos servidores já existentes. Por outro lado, esse tipo de contratação não seria cabível (c) para a instalação ou realização de serviços novos, exceto, é óbvio, quando a irrupção de situações emergentes os exigiria e já agora por motivos indeclináveis, como os de evitar a periclitação da ordem, segurança ou saúde; (d) ainda, descaberia contratar por esta via para cargo, função ou emprego de confiança, pois que isto seria a porta aberta para desmandos de toda espécie.

 

                   Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1992, 3º vol., tomo III, p. 98) considera importante também que a lei integradora deixe certo que esta situação de excepcionalidade resulta de circunstâncias imprevisíveis pela Administração. Em outras palavras, é necessário que não tenha ela mesma, pela inércia, dado azo ao surgimento, por exemplo, de uma hipótese de urgência. Para este autor, a

 

 

“Constituição exclui a possibilidade de a lei definir casos de contratação voltados ao atendimento de funções não relevantes, embora necessárias. O texto distingue, pois, entre o que seja necessidade, mas de caráter restrito, muito provavelmente relacionado a aspectos burocráticos e administrativos, e aquela outra necessidade decorrente da satisfação de um interesse público de relevo, o que significa dizer uma potencialidade de repercutir profundamente nas conveniências da sociedade. Só esta última foi albergada pela Lei Maior” (ob. cit., p. 100).

 

                   Na mesma linha, Adilson Dallari observa que “a lei deve indicar, como casos de contratação temporária aquelas situações de excepcional interesse público referidas na Constituição, como, por exemplo, a ocorrência de calamidade pública, execução de serviços essencialmente transitórios, a necessidade de implantação imediata de um novo serviço, a manutenção de serviços que possam ser sensivelmente prejudicados em decorrência de demissão ou exoneração de seus executantes, etc.” (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, São Paulo, RT, 1990, p. 126).

 

                   5. As situações previstas na lei municipal em foco não se adaptam ao conceito estabelecido pelo constituinte estadual.

 

                   Referida legislação permite a contratação temporária de professores para reger classes, bem como ministrar aulas atribuídas a ocupantes de empregos e/ou funções, com afastamentos estabelecidos pela legislação vigente, em caráter   de    substituição. Como   se sabe, é perfeitamente possível suprir os

 

afastamentos com simples realocação de pessoal ou com algum esforço dos servidores existentes. Por outro lado, os afastamentos são circunstâncias que integram a essência da Administração Pública; não pode o administrador, portanto, invocar a imprevisibilidade para valer-se da contratação temporária.

 

                   Vício semelhante ocorre quando a citada legislação permite a admissão de professores temporários para reger classes,  ministrar aulas cujo número reduzido não justifique o provimento do cargo, bem como, de reforço e recuperação ou para desenvolver projetos educacionais de natureza transitória . Aqui não se percebe qualquer correlação entre o número de aulas e a temporariedade ou a excepcionalidade. É perfeitamente razoável figurar que em determinada unidade haja, sem delimitação temporal, reduzida oferta de classes ou aulas; e é igualmente possível supor que uma situação como essa seja mesmo ordinária, nada tendo de excepcional a justificar contratações temporárias.

 

                   Há ainda  a previsão da contratação temporária de professores para reger classes, bem como ministrar aulas provenientes de cargos vagos ou que ainda não tenham sido criados. Já se demonstrou, na argumentação precedente, que não cabe a contratação temporária para a instalação de serviços novos. Não se pode, de fato, permitir que o administrador busque o amparo da Constituição para hipóteses em que foi inerte ou imprevidente.

 

                   Em última análise, falta a lei em questão a exatidão, reclamada pela doutrina, capaz de permitir a identificação dos requisitos constitucionais

 

 

para a contratação temporária. A previsão aberta da Lei de Itanhaém permite que a autoridade executiva contrate professores ao seu talante e em qualquer tempo. Evidentemente, não se pretende afirmar que haverá abusos na esfera municipal –porque isso dependerá do comportamento concreto do Chefe do Poder Executivo–, mas sim que a lei, como editada, abre caminho para alguns excessos.

 

                   A lei impugnada deve ser liminarmente retirada do ordenamento jurídico. Para tanto, observo que o fumus boni juris consiste na flagrante violação        do        artigo 115, X, da Constituição Estadual. Também está presente o periculum in mora, na medida em que a má aplicação da Lei Complementar n. 3. 258, de 22 de novembro de 2006 – com contratações indiscriminadas de professores temporários– poderá supor imediato prejuízo àqueles que, nas mesmas condições, poderiam aceder ao magistério municipal. Diga-se, de resto, que uma possível lesão ao erário –que também poderá ocorrer instantaneamente– será de difícil ou impossível reparação, ainda com o esperado êxito desta ação.

                  

                   Assim, requeiro a suspensão liminar dos efeitos da lei impugnada.

 

                   7. Em razão dos argumentos precedentes, requeiro se determine o processamento da presente ação, colhendo-se as informações pertinentes da Câmara de Vereadores de Itanhaém, sobre as quais me pronunciarei oportunamente, vindo, ao final, a ser declarada a inconstitucionalidade da Lei Complementar   3.258, de 22 de novembro de 2006, do Município de Itanhaém.

 

São Paulo, 27 de agosto de 2008.

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA