Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 118.147/08
Assunto: Inconstitucionalidade do art. 7º da Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de São Sebastião.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, cujo art. 7º revoga o Código de Obras do Município de São Sebastião sem participação comunitária e planejamento. Violação dos arts. 180, I , II e V, 181, 191 e 196, Constituição Estadual.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art. 7º da Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de São Sebastião, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
1. A Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de São Sebastião, dispõe sobre a prestação de serviços, pela Prefeitura Municipal, de concessão de plantas à população de baixa renda, e, em seu art. 7º, assim dispôs:
“Art. 7º. Revogam-se as Leis 46/1965 e 400/1983”.
2. Não obstante a utilidade social da lei, a disposição contida no art. 7º enfocado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado, na medida em que a cláusula de revogação nele contida derrogou o Código de Obras do Município sem que o processo legislativo tenha primado pela indispensável oitiva da comunidade ou se valido de estudos técnicos precedentes e do indispensável planejamento, assim como é ausente sua compatibilidade com o plano diretor e as leis de zoneamento e de uso e ocupação do solo urbano, conforme informado pela Câmara Municipal (fl. 313) e pela própria Prefeitura Municipal (fl. 315).
3. Aliás, no trâmite do respectivo processo legislativo, parecer da Assessoria Jurídica da Câmara Municipal já havia detectado que:
“deve ser
feita uma breve explanação a respeito do que determina o artigo 7º deste
Projeto de Lei, o qual prevê a revogação das Leis 46/1965 e 400/1983.
Tratam-se as
Leis supracitadas, do Código de Obras e posteriores alterações, as quais
disciplinam matéria relacionada às regras de construções, reconstruções,
demolições, acréscimos ou reformas a serem executadas neste Município.
Assim sendo,
observa-se que tais leis disciplinam matéria que não guarda nenhuma relação ao
Projeto de Lei ora proposto, pois, disciplina a regra geral, enquanto que o
Projeto de Lei que prevê a concessão de plantas populares é voltado
exclusivamente a pessoas de baixa renda que comprovem tal situação.
Posto isto,
não se vislumbra motivo justificável para se vincular a aprovação do Projeto de
Lei a revogação do Código de Obras e posteriores alterações (Leis 46/1965 e
400/1983)” (fls. 192/193).
4. Não obstante esse alerta, a apresentação de emenda supressiva não vingou (fl. 198).
II – O parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
5. O dispositivo legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts.1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:
“Art. 144. Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
6. A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:
“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao
desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios
assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II - a participação das
respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos
problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
V - a observância das normas
urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as
diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices
urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas
pertinentes.
(...)
Art. 191. O Estado
e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio
ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades
regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.
(...)
Art.
7. Tais dispositivos resultaram violados. A Constituição
Paulista exige que a disciplina urbanística da propriedade – inclusive o código
de obras do Município – tenha compatibilidade com o plano diretor e a
legislação de uso e ocupação do solo urbano, assim como sua elaboração e
modificação seja precedida de estudos técnicos e da oitiva da comunidade, de
maneira a impedir revisões pontuais que molestam o desenvolvimento sustentável,
a função social da cidade, o interesse público, o planejamento urbano, o
bem-estar dos habitantes e a qualidade de vida nas comunas.
8. Esse
quadro se agrava substancialmente quando se percebe que o Município de São
Sebastião integra espaço territorialmente protegido e toda a intervenção humana
exige lei em sentido estrito para consentimento.
9. A importância do Código de Obras é bem
aquilatada por Hely Lopes Meirelles expondo sua serventia para fixação das
condições técnicas e funcionais da edificação e sua interação com as normas de
uso e ocupação do solo urbano, e observando que:
“O regulamento das construções
urbanas, ou seja, o Código de Obras e normas complementares, deverá estabelecer
minuciosamente os requisitos de cada modalidade da construção (residencial,
comercial, industrial etc.), objetivando a segurança, a higiene, a
funcionalidade e a estética da obra, em harmonia com a planificação e o
zoneamento da cidade. Dentre as exigências edilícias, são perfeitamente
cabíveis as que se relacionam com a solidez da construção, altura, recuos,
cubagem, aeração, insolação, coeficientes de ocupação , estética das fachadas e
demais requisitos que não contrariem as disposições da lei civil concernentes
ao direito de construir” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros,
1993, 6ª ed., p. 352).
10. A
falta de disciplina nesse particular corre o risco de, por um lado, inibir o
desenvolvimento urbano e estancar empreendimentos imobiliários devido à
ausência de norma de polícia das construções, e de outro, favorecer práticas
construtivas clandestinas e predatórias a valores caros como o bem-estar, a
segurança, a higiene e a qualidade de vida.
11. Não
é ocioso obtemperar que as normas da Constituição Estadual ao exigirem
planejamento precedido de oitiva da comunidade na produção da legislação
urbanística – inclusive a de polícia das construções – tem ressonância na
própria Constituição Federal, cujo art. 29, XII, prestigia entre as normas de
observância obrigatória dos municípios a “cooperação das associações
representativas no planejamento municipal”, assim como no art. 30, VIII, que
declara competir ao Município “promover, no que couber, adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano”, que devem correspondência ao plano diretor (art. 182
e § 1º).
12. No
ponto, não bastasse o efetivo mandado constante dos incisos I, II e V do art.
180 da Constituição Estadual, concorre a previsão de integralidade da
disciplina urbanística, constante do art. 181 da Constituição Paulista,
requisitante de lei em sentido estrito estabelecendo, em conformidade com o
plano diretor, normas de ocupação do solo, índices urbanísticos de construção,
adensamento e aproveitamento e demais limitações administrativas incidentes com
projeções congruentes à proteção ambiental.
13. Ora,
ao suprimir o legislador do ambiente jurídico municipal o Código de Obras,
desprezando nessa empreitada sua imprescindibilidade e, mormente, sua
conformidade com o plano diretor e as demais normas da polícia de construções e
de proteção ambiental, verifica-se, extreme de dúvida, a inconstitucionalidade
material do art. 7º da Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de
São Sebastião.
III
– Pedido liminar
14. À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora, pois, como exposto, construções podem ser
impedidas, cerceando o direito de construir de maneira abusiva e arbitrária,
como podem ser toleradas à margem de qualquer processo objetivo, impessoal e
imparcial, comprometendo irremediavelmente a qualidade de vida e o
desenvolvimento sustentável da comuna, razão pela qual se requer a concessão de
liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta
ação, do art. 7º da Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de São Sebastião.
IV
– Pedido
15. Face ao
exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art.
7º da Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de São Sebastião.
16. Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
São Paulo, 30 de março de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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Protocolado nº 118.147/08 - MP
Interessado: 3ª
Promotoria de Justiça de São Sebastião
Assunto: Inconstitucionalidade
do art. 7º da Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de São
Sebastião.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 7º da Lei n. 1.850, de 23 de março de 2007, do Município de São Sebastião, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 30 de março de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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