Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº118.791/08

Objeto: dispositivos das Leis Complementares Municipais nº03, de 28/12/1990, nº140, de 07/01/2002. e nº179, de 30/12/2003, do Município de São José do Rio Preto, que criaram cargos em comissão.

 

Ementa:

1)Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos das Leis Complementares Municipais nº03, de 28/12/1990, nº140, de 07/01/2002 e nº179, de 30/12/2003, do Município de São José do Rio Preto, que criaram cargos em comissão.

2)Cargos meramente técnicos ou burocráticos. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Cargos de criados na estrutura subalterna da Administração Municipal, em grande quantidade. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art.111, art.115 I, II e V, e art.144).

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.125, §2º, e art.129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art.74, inciso VI, e art.90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº118.791/08, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de dispositivos das Leis Complementares Municipais nº03, de 28/12/1990, nº140, de 07/01/2002 e nº179, de 30/12/2003, do Município de São José do Rio Preto, que criaram cargos em comissão, que serão adiante transcritos, pelos fundamentos expostos a seguir.

 

1)Dos atos normativos impugnados.

 

         O protocolado que rendeu ensejo à propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado por força de representação encaminhada à Procuradoria-Geral de Justiça, como se infere de fls.6/17.

 

         Os preceitos que serão adiante transcritos criaram cargos de provimento em comissão, lotados no Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto – SEMAEde São José do Rio Preto.

 

         A Lei Complementar Municipal nº179, de 30/12/2003, que conforme respectiva rubrica “Cria cargos no Quadro Funcional do Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto SEMAE de São José do Rio Preto” (fls.23), tem a seguinte redação:

 

“Art.1º. Ficam criados no Quadro Geral de Servidores do SEMAE, os seguintes cargos de provimento em comissão, integrantes do Anexo III da Lei Complementar nº03/90, nas quantidades e referências descritas abaixo, e conforme disposto na Lei Complementar nº130/01 e Decreto nº11.219, de 25/09/01.

 

Quantidade

Cargo

Referência

03

Assessor

C-2

03

Coordenador

C-3

 

Art.2º. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

 

            Por seu turno, a Lei Complementar nº140, de 07/01/2002, que, conforme respectiva rubrica “Dispõe sobre a estruturação do Quadro de Servidores do SEMAE, criação de cargos e dá outras providências” (fls.18/22), criou também cargos de provimento em comissão, como se infere do respectivo art.6º, transcrito a seguir:

 

“(...)

Art.6º. Ficam criados no Quadro Geral de Servidores do SEMAE os seguintes cargos em comissão, nas quantidades e referências descritas na tabela abaixo, de acordo com a Lei complementar nº03/90 e conforme o disposto na Lei Complementar noº130/2001 e no Decreto Municipal nº11.219, de 25/09/2001, os quais serão providos por portarias do Superintendente do SEMAE:

 

Quantidade

Cargo

Referência

06

Assessor

C.2

06

Coordenador

C.3

08

Encarregado

C.4

(...)

 

         A Lei Complementar nº03, de 28/12/1990 (fls.32/41), por sua vez, tratou da reestruturação do quadro e do regime jurídico dos servidores públicos do Município de São José do Rio Preto, sendo certo que os cargos de provimento em comissão foram previstos no art.3º III e anexo III, a seguir transcritos:

 

“(...)

 

Art.3º. Ficam criados os seguintes quadros para o serviço público municipal:

 

(...)

 

III – quadro dos cargos de provimento em comissão e as funções gratificadas, nos termos do Anexo III, integrante desta Lei.

 

(...)

 

ANEXO III

QUADRO DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO E AS FUNÇÕES GRATIFICADAS – ARTIGO 2º (RECTIUS = 3º) – INCISO III.

 

CARGOS EM COMISSÃO

Denominação do cargo

Referência

Quantidade

Valor em $

Radialista

C – 4

04

42.000,00

Cinegrafista

C – 4

02

42.000,00

Jornalista

C – 4

03

42.000,00

Diretor de serviços

C – 4

10

42.000,00

Auxiliar de transportes

C – 4

10

42.000,00

Agente de administração pública – direito

C – 4

02

42.000,00

Agente de administração pública – administração

C – 4

02

42.000,00

Agente de administração pública – arquitetura

C – 4

02

42.000,00

Agente de administração pública – engenharia

C – 4

04

42.000,00

Agente de administração pública – contadoria

C – 4

02

42.000,00

Agente de administração pública – desenho

C – 4

03

42.000,00

Agente de administração pública - topografia

C – 4

03

42.000,00

Agente de administração pública – odontologia

C – 4

01

42.000,00

Agente de administração pública – medicina

C – 4

03

42.000,00

Agente de administração pública - economia

C – 4

01

42.000,00

Agente de administração pública – psicologia

C – 4

04

42.000,00

Agente de administração pública – serv. Social

C – 4

07

42.000,00

Agente de administração pública - nutrição

C – 4

03

42.000,00

Agente de administração pública – pedagogia

C – 4

02

42.000,00

Agente de administração pública – m. sanitarista

C – 4

01

42.000,00

Agente de administração pública –ed. Física

C – 4

08

42.000,00

Agente de administração pública – agronomia

C – 4

02

42.000,00

Agente de administração pública – agrimensura

C – 4

01

42.000,00

Agente de administração pública –ed. Artística

C – 4

03

42.000,00

Agente de administração pública – propag. e marketing

C – 4

01

42.000,00

Encarregado de expediente

C – 4

10

42.000,00

Técnico agrícola

C – 4

02

42.000,00

Técnico em contabilidade

C – 4

02

42.000,00

Técnico em edificações

C – 4

03

42.000,00

Secretária executiva

C – 4

02

42.000,00

Tesoureiro

C – 4

01

42.000,00

Diretor de rádio

C – 4

01

42.000,00

Coordenador de departamento

C – 3

45

55.000,00

Administrador distrital

C – 2

03

73.000,00

Administrador regional

C – 2

04

73.000,00

Assessor

C – 2

32

73.000,00

Chefe de gabinete

C – 1

01

91.000,00

Secretário municipal

C – 1

15

91.000,00

(...)”.

 

                     Ressalva feita aos cargos de Chefe de Gabinete e de Secretário Municipal (previstos nas duas últimas linhas da Tabela constante do Anexo III, a que se refere o art.3º III da Lei Complementar nº03/90), todos os demais cargos de provimento em comissão acima indicados, nas tabelas constantes das Leis Complementares nº03, de 28/12/1990, nº140, de 07/01/2002, e nº179, de 30/12/2003, do Município de São José do Rio Preto, são verticalmente incompatíveis com o ordenamento constitucional, como será visto a seguir.

 

2)Fundamentação.

 

2.1)Histórico – a representação e os atos normativos impugnados.

 

         A representação endereçada a esta Procuradoria-Geral de Justiça impugnou, inicialmente, apenas os cargos de provimento em comissão criados pelas Leis Complementares nº140/2002 e 179/2003.

 

         O argumento indicado na impugnação era, em síntese, de que os cargos foram criados sem a indicação das respectivas atribuições, o que, por si só, seria suficiente para infirmar sua constitucionalidade, mormente considerando a impossibilidade de verificação quanto à adequação ou não dos referidos postos à sistemática constitucional, no que tange às exceções ao princípio do concurso público (fls.6/17).

 

         A Municipalidade foi instada a prestar informações e justificou tais cargos aludindo, singelamente, aos seguintes argumentos: (a) não é grande o número de cargos de provimento em comissão na Municipalidade, especialmente tendo em conta que foram também criados cargos de provimento efetivo; (b) a ausência de previsão, na lei, das respectivas atribuições, não os torna inconstitucionais, na medida em que é comum a edição de leis criando cargos sem a indicação de atribuições (a esse propósito trouxe à colação diplomas que criaram cargos em tribunais federais); (c) os cargos glosados na representação encontram-se devidamente enquadrados na sistemática decorrente da transformação do Departamento de Água e Esgotos do Município em autarquia, ou seja, no Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto (SEMAE), havendo compatibilidade com a reestruturação do serviço público municipal (fls.301 e ss).

 

         Em uma primeira análise, tomando em conta exclusivamente as Leis Complementares nº140/2002 e 179/2003, poderia surgir dúvida – em que pese a inexistência de indicação das atribuições dos cargos criados nas referidas leis - quanto aos argumentos declinados na representação, na medida em que, pelos dois diplomas, somados foram criados 26 (vinte e seis) cargos de provimento em comissão, distribuídos entre “assessor”, “coordenador” e “encarregado”.

 

         Entretanto, fortalecem-se os fundamentos para o reconhecimento da inconstitucionalidade dos cargos, na medida em que, além de não haver nas leis acima indicadas a fixação das respectivas atribuições, voltando-se os olhos para os diplomas invocados pelas Leis Complementares nº140/2002 e 179/2003, ou seja, (i) a Lei Complementar nº03/90 (fls.32/41), (ii) Lei Complementar nº130/2001 (fls.24/30), e (iii) Decreto Municipal nº11.219, de 25/09/2001 (fls.145/158), verifica-se inexistir, de fato, fixação de qualquer atribuição para tais cargos.

 

         E não se trata, nesse passo – diga-se de passagem, - de inconstitucionalidade reflexa. Trata-se apenas de constatar que os cargos foram criados, e não há definição das respectivas atribuições.

 

         Some-se a isso, entretanto, um dado que provoca ainda maior perplexidade, e que advém da Lei Complementar Municipal nº03, de 28/12/1990, que reestruturou o quadro do serviço público municipal: neste diploma (confira-se ainda uma vez, o Anexo III, a que se refere o art.3º III da Lei Complementar Municipal nº03/1990) os cargos de provimento em comissão foram criados: (i) em considerável quantidade (salvo equívoco nosso, em torno de duzentos cargos em comissão); (ii) não há fixação de atribuições; (iii) os nomes dos cargos são indicativos de que se voltam ao exercício de funções meramente técnicas ou burocráticas, para as quais não se exige especial vínculo de confiança.

 

         Note-se que aí há previsão de cargos nitidamente técnicos e em profusão: radialista, cinegrafista, jornalista, diretor de serviços, auxiliar de transportes, agentes de administração pública (em diversas modalidades: direito, administração, arquitetura, engenharia, contadoria, desenho, topografia, odontologia, medicina, economia, psicologia, serviço social, nutrição, pedagogia, médico sanitarista, educação física, agronomia, agrimensura, educação artística, propaganda e marketing), encarregado de expediente, técnico agrícola, técnico em contabilidade, técnico em edificações, secretária executiva, tesoureiro, diretor de rádio, coordenador de departamento, administrador distrital, administrador regional, e assessor.

 

         Somados todos estes dados, aferidos diretamente nos dispositivos impugnados, é claramente possível estabelecer seu confronto com a sistemática constitucional que estabelece limites para a criação de cargos em comissão, para afirmar a inconstitucionalidade das normas aqui glosadas.

 

2.2)Incompatibilidade vertical com o ordenamento constitucional.

 

         Os cargos postos em destaque anteriormente são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art.111, art.115 incisos I, II e V, e art.144, todos da Constituição do Estado de São Paulo, que têm a seguinte redação:

 

“Art.111 - A administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

 

(...)

 

Art.115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

 

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

 

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

 

(...)

 

V- as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

 

 (...)

 

Art.144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organização por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

 

         Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art.1º e art.18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.459).

        

         A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ªed., São Paulo, Saraiva, 2005, p.285).

 

         A autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de auto-administração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p.591).

 

         Nas quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c) autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de José Afonso da Silva (ob. cit., p.591).

 

         Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, estruturando-se adequadamente.

 

         Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

 

         A regra, na Administração Pública, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art.37 I da Constituição Federal; bem como no art.115 I da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

 

         A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade administrativa e política.

 

         Há implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão. Assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.

 

         A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.440).

 

         Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

 

         É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3ªed., São Paulo, Saraiva, 1993, p.208).

 

         Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p.41, g.n.).

 

         É a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5ªed., São Paulo, RT, p.317).  

 

         Essa também é a posição do E. STF, como se infere no precedente cuja ementa é a seguir transcrita:

 

“E M E N T A: Concurso público: plausibilidade da alegação de ofensa da exigência constitucional por lei que define cargos de Oficial de Justiça como de provimento em comissão e permite a substituição do titular mediante livre designação de servidor ou credenciamento de particulares: suspensão cautelar deferida. 1. A exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza; precedentes. 2. Também não é de admitir-se que, a título de preenchimento provisório de vaga ou substituição do titular do cargo - que deve ser de provimento efetivo, mediante concurso público -, se proceda, por tempo indeterminado, a livre designação de servidores ou ao credenciamento de estranhos ao serviço público. (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT  VOL-01765-01 PP-00169, g.n.)”.

 

            Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior(...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p.95/96).

 

            No caso em exame, mormente considerando a denominação dos cargos, e sua criação em profusão, evidencia-se claramente que se destinam ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança com o Chefe do Executivo Municipal, ou mesmo com integrantes do primeiro escalão governamental.

 

         Admitir como válida, do ponto de vista constitucional, a criação de cargos em comissão que não ostentam os pressupostos para tanto, é dar aos dispositivos constitucionais que envolvem a regra do concurso e à sua exceção, interpretação equivocada, meramente literal.

 

         Cumpre recordar que as exceções devem ser interpretadas restritivamente (Carlos Maximiliano, Aplicação do direito, 18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.225).

 

         Note-se que os cargos em comissão glosados nesta ação direta revelam postos em que predominará sempre o conhecimento e aptidão técnica do servidor. Não se vislumbra, em tais casos, qualquer exigência de especial relação de confiança.

 

         Justifica-se, deste modo, a afirmação de que tais cargos não são de natureza tal que se justifique, sob o perfil dos limites constitucionais existentes na matéria em exame, o provimento em comissão.

 

         É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça.

 

         No julgamento da ADI 111.387-0/0-00, em 11.05.2005, o relator, Sr. Desembargador Munhoz Soares, destacou que:

 

“Os cargos criados, contudo, pela legislação sub judice, têm natureza técnica ou prática, ou seja, de seus titulares, nada mais se lhes podendo exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, diferenciando-se, por conseguinte, daqueles que admitem provimento em comissão, limitados a situações excepcionais, de natureza especial, justificantes da dispensa concursal pública. Aqueles cargos, especificamente impugnados, exigem que seus titulares exerçam suas funções profissionais em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos, que, pelos textos constitucionais, só podem ser providos por concurso. Não há, assim, razão lógica justificante para que sejam declarados de livre provimento e exoneração”.

 

         Também quando do julgamento da ADI 112.403-0/1-00, em 12 de janeiro de 2005, o relator, Sr. Desembargador Barbosa Pereira destacou, em seu voto, que:

 

“As leis municipais ora questionadas, ao criarem cargos de provimento em comissão, sem a presença de características excepcionais hábeis a qualificá-los como sendo daqueles que exigem de seus ocupantes o requisito da confiabilidade afrontam princípios constitucionais”.

 

         Em outro recente precedente, a ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, relator des. Elliot Akel, v.u., constou do voto do i. relator o que segue:

 

      “(...)

Pela simples leitura da nomenclatura a eles atribuída, resta evidente que, em sua quase totalidade, são cargos cuja natureza é somente técnica ou burocrática, muitos de caráter permanente, não exigindo de seus ocupantes nenhum vínculo especial de confiança ou fidelidade com o Prefeito Municipal. Tendo em vista as especialidades que a mera designação desses cargos sugere, mostra-se nítida a necessidade de concurso para o preenchimento das vagas correspondentes.

Não há como deixar de reconhecer, pois, que a Lei Municipal impugnada, ao criar tais cargos por livre nomeação, afrontou os princípios da Administração Pública, insculpidos no art.37 da Constituição Federal bem como no art.111 da Constituição Estadual. A se admitir a subsistência do ato, permitir-se-á a possibilidade de nomeação com vistas a objetivos particulares daquele que detiver o poder de nomear os eventuais ocupantes, em flagrante desvio de finalidade.

(...)”

 

                     No mesmo sentido, ainda, a ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u..

 

         Cabe também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência ao art.115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como ao art.37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art.144 da Carta Estadual.

 

         Também não deverá causar qualquer ponderação eventual argumentação no sentido de que os dispositivos impugnados foram editados anteriormente à atual redação do art.115 V da Constituição Paulista, fruto da Emenda Constitucional nº21/2006.

 

         Isso, na medida em que a redação atual do dispositivo não modificou substancialmente, com relação aos cargos em comissão, a sistemática que já vigia anteriormente, no sentido de que: (a) a regra é o provimento efetivo e por concurso, e a exceção o provimento em comissão; (b) para que o cargo seja provido sem concurso é necessário, nesse caso, que se vislumbre exigência de especial relação de confiança entre o ocupante do cargo em comissão e o titular ao qual está vinculado; (c) isso só se verifica quando se trata de direção, chefia e assessoramento superior da administração.

 

         Assim, substancialmente, o sistema de provimento de cargos públicos não mudou. Ademais, o parâmetro de controle não é só o inciso V do art.115, mas também os incisos I e II deste mesmo artigo da Constituição Estadual, que fixam como regra a exigência do concurso para o provimento de cargos públicos.       

 

         Por último e não menos importante, é bem possível que surja a alegação de que a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos aqui impugnados provocará a repristinação de leis anteriores que teriam criado alguns dos cargos, na hipótese de vislumbrar-se que nas leis impugnadas teria ocorrido parcial consolidação do quadro de pessoal do Município.

 

         Tal alegação, entretanto, não merecerá acolhimento, visto que a declaração da inconstitucionalidade de alguns dispositivos apenas, das leis mencionadas nesta inicial, não provocará a repristinação de leis que, anteriormente, teriam criado os cargos impugnados, dada a cláusula final de revogação, contida no art.42 da Lei Complementar Municipal nº03/1990, de São José do Rio Preto, bem como no art.12 da Lei Complementar Municipal nº140/2002, do referido Município.

 

         Finalmente, não deverá impressionar o argumento no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade das leis, passados vários anos após sua entrada em vigor, poderá gerar dificuldades no plano administrativo.

 

         Com relação a essa questão, oportunamente, quando da apresentação de nossa manifestação final, será avaliada a possibilidade ou não da modulação dos efeitos, da declaração de inconstitucionalidade, nos termos do art.27 da Lei Federal nº9868/99.

 

3)Conclusão e pedido.

 

         Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos dispositivos indicados, das Leis Complementares Municipais nº03, de 28/12/1990, nº140 de 07/01/2002, e nº179 de 30/12/2003, do Município de São José do Rio Preto, que criaram cargos em comissão.

 

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de São José do Rio Preto, bem como ao Senhor Prefeito Municipal, e posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

 

         Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, de 1º de dezembro de 2008.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça