EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR
PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº122.297/08
Objeto: Dispositivos da Lei Orgânica Municipal de
Araçariguama, e do Regimento Interno da Câmara Municipal de Araçariguama
(crimes de responsabilidade e respectivo processo e julgamento).
Ementa:
1)Lei Orgânica Municipal e Regimento Interno da Câmara. Município de Araçariguama. Dispositivos que tipificam crimes de responsabilidade do Prefeito e de Vereadores, bem como estabelecem regras relativas ao respectivo processo e julgamento.
2)Precedentes do E. STF e do TJSP. Súmula nº 722 do E. STF. Competência legislativa da União (art. 22 I CR/88).
4)Princípio
federativo (art. 1º e 18 da CR/88, e art. 1º da Constituição Paulista).
Manifestação através da repartição constitucional de competências. Princípio
estabelecido de observância obrigatória pelos Municípios (art. 29 caput da CR/88, e art. 144 da
Constituição Paulista)
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de
novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129,
inciso IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90,
inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 122.297/08, que segue como anexo), vem
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de
dispositivos da Lei Orgânica Municipal de Araçariguama, e do Regimento Interno
da Câmara Municipal de Araçariguama,
pelos fundamentos expostos a seguir.
1)Atos normativos impugnados.
Cumpre
anotar inicialmente que os dispositivos impugnados nesta ação direta já foram
atacados anteriormente na ADI nº 159.064-0/7-00, rel. des. Munhoz Soares, mas
esta ação acabou sendo extinta sem exame do mérito (cf. sessão de
julgamento realizada em 06.08.2008), razão pela qual continuam em vigor, e
merecem nova impugnação, sendo oportuno salientar que referida decisão
extintiva já transitou em julgado (cf. extrato de movimentação processual
juntado às fls. 270).
Os
dispositivos transcritos a seguir, da Lei Orgânica do Município de
Araçariguama, e do Regimento Interno da Câmara Municipal de Araçariguama
(Resolução nº 03/94), tratam de definir crimes de responsabilidade de
Prefeitos e Vereadores, bem como regras para o seu processo e julgamento,
conforme segue:
“Lei Orgânica Municipal de Araçariguama
(...)
Art.
Art. 49. São
infrações político-administrativas do vereador:
I – deixar de
prestar contas de adiantamentos;
II – utilizar-se
do mandato para a prática de ato de corrupção ou de improbidade administrativa;
III – proceder
de modo incompatível com o decoro parlamentar.
Art. 50. O
processo de cassação do mandato do vereador será regulado no Regimento Interno,
observados os seguintes princípios:
I – o
contraditório, a publicidade, a ampla defesa e a motivação da decisão;
II – iniciativa
da denúncia por qualquer cidadão, vereador local ou associação legitimamente
constituída;
III –
recebimento da denúncia por maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal;
IV – cassação do
mandato por dois terços dos membros da Câmara Municipal;
V – votação
individual;
VI – conclusão
do processo, sob pena de arquivamento em até noventa dias a contar do recebimento
da denúncia;
VII – o vereador
denunciante não poderá participar, sob pena de nulidade, da deliberação
plenária sobre o recebimento de denúncia e da de afastamento do denunciado, da
comissão de cassação, dos atos processuais e do julgamento do acusado.
§ 1º. O processo
de cassação por infração político-administrativa não impede a apuração de
contravenções e de crimes comuns.
§ 2º. O
arquivamento do processo de cassação por falta de conclusão não impede, pelos
mesmos fatos, nova denúncia, nem a apuração de contravenções e de crimes
comuns.
Art.
(...)
Art.
Art. 91. São
infrações político-administrativas:
I – deixar de
apresentar a declaração de bens, nos termos do art. 74 § 3º, desta Lei
Orgânica;
II – impedir o
livre e regular funcionamento da Câmara Municipal;
III - impedir o
exame de livros e outros documentos que devam constar dos arquivos da
Prefeitura Municipal, bem como a verificação de obras e serviços por comissões
de investigação da Câmara Municipal ou auditoria regularmente constituída;
IV – desatender,
sem motivo justo, aos pedidos de informações da Câmara Municipal, quando
formulados de modo regular;
V – retardar a
regulamentação, a publicação ou deixar de publicar leis e atos sujeitos a essas
formalidades;
VI – deixar de
enviar a Câmara Municipal, no tempo devido, os projetos de lei relativos ao
plano plurianual, às diretrizes orçamentárias e aos orçamentos anuais e outros
no prazo legal;
VII – descumprir
o orçamento aprovado para o exercício financeiro;
VIII – praticar
ato contra expressa disposição de lei, ou omitir-se na prática daqueles de sua
competência;
IX – omitir-se
ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município,
sujeitos à administração da Prefeitura;
X – ausentar-se
do Município, por tempo superior ao permitido nesta lei, salvo se licenciado da
Câmara Municipal;
XI – proceder de
modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo;
XII – não
entregar os suprimentos à Câmara Municipal;
Parágrafo único.
Sobre o substituto do Prefeito incidem as infrações político-administrativas de
que trata este artigo, sendo-lhe aplicável o processo pertinente, ainda que
cessada a substituição.
Art. 92. O
processo de cassação do mandato de Prefeito será regulado no Regimento Interno,
observando-se o que estabelecem os incisos e parágrafos do art. 50, desta lei,
no que couber.
Art.
“Regimento Interno da Câmara Municipal
(Resolução nº 03/94)
Art.
Art. 332. São
infrações político-administrativas do vereador, nos termos da lei:
I – deixar de
prestar contas ou tê-las rejeitadas, na hipótese de adiantamentos;
II – utilizar-se
do mandato par a prática de atos de corrupção ou de improbidade administrativa;
III – proceder
de modo incompatível com a dignidade da Câmara ou faltar com o decoro na sua
conduta pública (art. 310 deste Regimento).
Art. 333. O
processo de cassação do mandato de vereador obedecerá, no que couber, o rito
estabelecido no art. 367 deste Regimento e, sob pena de arquivamento, deverá
estar concluído em até 90 (noventa) dias, a contar do recebimento da denúncia.
Parágrafo único.
O arquivamento do processo de cassação, por falta de conclusão no prazo
previsto neste artigo, não impede nova denúncia sobre os mesmos fatos nem a
apuração de contravenções ou crimes comuns.
Art. 334.
Recebida a denúncia, o Presidente da Câmara deverá afastar de suas funções o
vereador acusado, convocando o respectivo suplente até o final do julgamento.
Art. 335.
Considerar-se-á cassado o mandato do vereador quando, pelo voto, no mínimo de
2/3 (dois terços) dos membros da Câmara, for declarado incurso em qualquer das
infrações especificadas na denúncia (art. 49 LOM).
Parágrafo único.
Todas as votações relativas ao processo de cassação serão feitas nominalmente,
devendo os resultados serem proclamados imediatamente pelo Presidente da Câmara
e, obrigatoriamente, consignados em ata.
(...)
Art. 357. O
Prefeito e o Vice-Prefeito serão processados e julgados:
I – pelo
Tribunal de Justiça do Estado nos crimes comuns e nos de responsabilidade, nos
termos da legislação federal aplicável (art. 29, VIII, Constituição Federal);
II – pela Câmara
Municipal, nas infrações político-administrativas, nos termos da lei,
assegurados, dentre outros requisitos de validade, o contraditório, a
publicidade, a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e a
decisão motivada que se limitará a decretar a cassação do mandato.
Art. 358. São
infrações político-administrativas, nos termos da lei:
I – deixar de
apresentar declaração pública de bens, nos termos do art. 38, § 2º, da Lei
Orgânica Municipal;
II – impedir o
livre e regular funcionamento da Câmara Municipal;
III – impedir o
exame de livros e outros documentos que devam constar dos arquivos da
Prefeitura, bem como a verificação de obras e serviços por Comissões de
Investigação da Câmara, ou auditoria regularmente constituída;
IV – desatender,
sem motivo justo, os pedidos de informações da Câmara Municipal, quando
formulados de modo regular;
V – retardar a
regulamentação e a publicação ou deixar de publicar leis e aos sujeitos a essas
formalidades;
VI – deixar de
enviar à Câmara Municipal, no tempo devido, os projetos de lei relativos ao
plano plurianual, às diretrizes orçamentárias e aos orçamentos anuais e outros
cujos prazos estejam fixados em lei;
VII – descumprir
o orçamento aprovado para o exercício financeiro;
VIII – praticar
atos contra expressa disposição de lei ou omitir-se na prática daqueles de sua
competência;
IX – omitir-se
ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município,
sujeitos à administração da Prefeitura;
X – ausentar-se
do Município, por tempo superior ao permitido pela Lei Orgânica, salvo licença
da Câmara Municipal;
XI – proceder de
modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo;
XII – não
entregar os duodécimos a Câmara Municipal, conforme previsto em lei.
Parágrafo único.
Sobre o substituto do Prefeito incidem as infrações político-administrativas de
que trata este artigo, sendo-lhe aplicável o processo pertinente, ainda que
cessada a substituição.
Art. 359. Nas
hipóteses previstas no artigo anterior o processo de cassação obedecerá o
seguinte rito:
I – a denúncia
escrita, contendo a exposição dos fatos e a indicação das provas, será dirigida
ao Presidente da Câmara e poderá ser apresentada por qualquer cidadão, vereador
local, partido político com representação na Câmara ou entidade legitimamente
constituída a mais de 1 (um) ano;
II – se o
denunciante for vereador, não poderá participar, sob pena de nulidade, da
deliberação plenária sobre o recebimento da denúncia e sobre o afastamento do
denunciado, da Comissão processante, dos atos processuais e do julgamento do
acusado, caso em que o vereador impedido será substituído pelo respectivo
suplente, o qual não poderá integrar a Comissão Processante;
III – se o
denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência a seu substituto
legal, para os atos do processo e somente votará se necessário para completar o
quorum do julgamento;
IV – de posse da
denúncia, o Presidente da Câmara ou seu substituto, determinará sua leitura na
primeira sessão ordinária, consultando o Plenário sobre o seu recebimento;
V – decidido o
recebimento da denúncia pela maioria absoluta dos membros da Câmara, na mesma
sessão será constituída a Comissão Processante integrada por 3 (três)
vereadores sorteados entre os desimpedidos, observado o princípio da representação
proporcional dos partidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o
Relator;
VI – Havendo
apenas 3 (três) ou menos vereadores desimpedidos, os que encontram-se nessa
situação comporão a Comissão Processante, preenchendo-se, quando for o caso, as
demais vagas através de sorteio entre os vereadores que inicialmente
encontravam-se impedidos;
VII – A Câmara
Municipal poderá afastar o Prefeito denunciado, quando a denúncia for recebida
nos termos deste artigo;
VIII – entregue
o processo ao Presidente da Comissão seguir-se-á o seguinte procedimento:
a)dentro de 5
(cinco) dias, o Presidente dará início aos trabalhos da Comissão;
b)como primeiro
ato, o Presidente determinará a notificação do denunciado, mediante remessa de
cópia da denúncia e dos documentos que a instruem;
c)a notificação
será feita pessoalmente ao denunciado, se ele se encontrar no Município e, se
estiver ausente do Município, a notificação far-se-á por edital publicado duas
vezes no órgão oficial, com intervalo de 3 (três) dias, no mínimo, a contar da
primeira publicação;
d)uma vez
notificado, pessoalmente ou por edital, o denunciado terá direito de apresentar
defesa prévia por escrito no prazo de 10 (dez) dias, indicando as provas que
pretende produzir e o rol de testemunhas que deseja sejam ouvidas no processo,
até o máximo de 10 (dez);
e)decorrido o
prazo de 10 (dez) dias, com defesa prévia ou sem ela, a Comissão Processante
emitirá parecer dentro de 5 (cinco) dias, opinando pelo prosseguimento ou pelo
arquivamento da denúncia;
f)se o parecer
opinar pelo arquivamento, será submetido a Plenário que, pela maioria dos
presentes poderá aprová-lo, caso em que será arquivado, ou rejeitá-lo, hipótese
em que o processo terá prosseguimento;
g)se a Comissão
opinar pelo prosseguimento do processo ou se o Plenário não aprovar seu parecer
de arquivamento, o Presidente da Comissão dará início à instrução do processo,
determinando os atos, diligências e audiências que se fizerem necessárias para
o depoimento e inquirição das testemunhas arroladas;
h)o denunciado
deverá ser intimado de todos os atos processuais, pessoalmente ou na pessoa de
seu procurador, com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas, sendo-lhe
permitido assistir às diligências e audiências, bem como formular perguntas e reperguntas
às testemunhas e requerer o que for de interesse da defesa, sob pena de
nulidade do processo;
IX – concluída a
instrução do processo, será aberta vista do processo ao denunciado, para
apresentar razões escritas no prazo de 5 (cinco) dias, vencido o qual, com ou
sem razões do denunciado, a Comissão Processante emitirá parecer final,
opinando pela procedência ou improcedência da acusação e solicitará ao
Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento;
X – na sessão de
julgamento, que só poderá ser aberta com a presença de, no mínimo, 2/3 (dois
terços) dos membros da Câmara, o processo será lido integralmente pelo relator
da Comissão Processante e, a seguir, os vereadores que o desejarem poderão
manifestar-se verbalmente pelo tempo máximo de 15 (quinze) minutos cada um e,
ao final, o acusado ou seu procurador disporá de 2 (duas) horas para produzir
sua defesa oral;
XI – concluída a
defesa proceder-se-á a tantas votações nominais quantas forem as infrações
articuladas na denúncia, considerando-se afastado definitivamente do cargo, o
denunciado que for declarado incurso em qualquer das infrações especificadas na
denúncia, pelo voto de 2/3 (dois terços), no mínimo, dos membros da Câmara;
XII – concluído
o julgamento, o Presidente da Câmara proclamará, imediatamente, o resultado e
fará lavrar a ata na qual se consignará a votação nominal de cada infração;
XIII – havendo
condenação, a Mesa da Câmara expedirá o competente Decreto Legislativo de
cassação do mandato, que será publicado na imprensa oficial e, no caso de
resultado absolutório o Presidente da Câmara determinará o arquivamento do
processo, devendo, em ambos os casos, comunicar o resultado à Justiça
Eleitoral.
Art. 360. O
processo a que se refere o artigo anterior, sob pena de arquivamento, deverá
estar concluído dentro de 90 (noventa) dias, a contar do recebimento da
denúncia.
Parágrafo único.
O arquivamento do processo por falta de conclusão no prazo previsto neste
artigo, não impede nova denúncia sobre os mesmos fatos nem a apuração de contravenções
ou crimes comuns.”
Entretanto, tais dispositivos são verticalmente incompatíveis com nossa ordem constitucional, como será demonstrado adiante.
2)Desrespeito a princípio
estabelecido.
Os
dispositivos impugnados (acima transcritos) violam o disposto no art. 144 da
Constituição Paulista, que tem a seguinte redação:
“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Um
dos princípios constitucionais estabelecidos é o denominado princípio
federativo, que está assentado nos art. 1º e 18 da Constituição da
República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.
Como
é cediço, a Constituição da República estabelece a repartição constitucional de
competências entre as diversas esferas da federação brasileira. E a repartição
de competências entre os entes federados é o corolário mais evidente do
princípio federativo.
Referindo-se aos princípios fundamentais da
Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso
da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma,
estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania,
Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13ªed., ed., São Paulo,
Malheiros, 1997, p.96, g.n.).
Um dos aspectos de maior relevo, e que representa a
dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte
em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição
Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como
a fixação da autonomia, e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito
Federal, e Municípios, em relação à União.
Anota a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida que
“avulta, portanto, sob esse ângulo, a
importância da repartição de competências, já que a decisão tomada a respeito é
que condiciona a feição do Estado Federal, determinando maior ou menor grau de
descentralização.” Daí a afirmação de doutrinadores no sentido de que a
repartição de competências é “’a chave da
estrutura do poder federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a
grande questão do federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’” (Competências na Constituição Federal de
1988, 4ª ed., São Paulo, Atlas, 2007, p.19/20).
Não
pairaria qualquer dúvida a respeito da inconstitucionalidade de proposta de
emenda constitucional ou de lei que sugerisse, por exemplo, a extinção da
própria Federação: a Constituição veda, como visto, proposta de emenda “tendente a abolir”, entre outros, “a forma federativa de Estado” (art. 60 §
4º inciso I da CR/88).
A
preservação do princípio federativo tem contado com a anuência do C. STF, pois
como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:
"(...) a
idéia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones — revela-se elemento cujo
sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à
própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria
política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado
(CF, art. 60, § 4º, I)." (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello,
julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).
Por essa linha de raciocínio, pode-se também afirmar que a Lei Municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal e do estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.
Para
a solução do caso, é necessário ter em mente que tratar de crimes de
responsabilidade (infrações político-administrativas) é atividade que se
encontra inserida dentro da competência legislativa exclusiva do legislador
federal, por força do art. 22 I da CR/88.
Recorde-se com Alexandre de Moraes, referindo-se aos
ilícitos político-administrativos, que há “(...)
necessidade de que a tipificação de tais infrações emane de lei federal, eis
que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a definição formal dos crimes
de responsabilidade se insere, por seu conteúdo penal, na competência exclusiva
da União” (Direito constitucional,
19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.443).
A
questão, inclusive, foi pacificada pelo E. STF, que editou a respeito a súmula
nº 722, do seguinte teor: “São da
competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o
estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento."
Vários foram os precedentes que justificaram a edição
da mencionada súmula,
Em cada um desses precedentes ficou claro o
posicionamento da Suprema Corte no sentido de que cabe ao legislador federal
tipificar as infrações político-administrativas, e traçar as normas para o
respectivo processo e julgamento.
É assente também que as normas federais anteriores à
Constituição de 1988 que tratam da matéria foram recepcionadas pela Carta
Magna, ao menos na parte em que não são com ela incompatíveis.
Deste modo, a legislação municipal que trata de tais
temas é inconstitucional, devendo seu vício ser reconhecido por esse E. Órgão
Especial, em sede de controle concentrado de normas.
A prescrição de que os Municípios devem observar os
princípios constitucionais estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da
Constituição Paulista. A art. 29 caput
da CR/88 prevê que “O Município
reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de
dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a
promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e
os seguintes preceitos (g.n.).”
Relevante
anotar que quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des.
Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese no sentido da possibilidade
de declaração de inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio
da repartição de competências estabelecido pela Constituição Federal. É relevante
trazer excerto de voto do i. Desembargador Walter de Almeida Guilherme,
imprescindível para a elucidação da questão:
“(...) Ora, um
dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o
princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios
Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
Sendo a
organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da
República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a
distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a
conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na
Constituição Federal.
Assim, quando o
referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os
princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei
municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a
esfera de competência legislativa da União, não estão obedecendo ao princípio
federativo, e, pois, afrontando estão o art. 144 da Constituição do Estado
(...)” (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da
ADI 130.227.0/0-00).
Há leis federais que tratam da tipificação de crimes
de responsabilidade praticados por Prefeitos e Vereadores, bem como do
respectivo processo e julgamento.
A Lei nº 1079/50, recepcionada pela Constituição da
República, define quais são as infrações, e disciplina o processo e julgamento,
nos casos de crimes de responsabilidade (infrações político-administrativas)
cometidos pelo Presidente da República e Ministros de Estado, Ministros do
Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, Governadores e
Secretários de Estado.
De outro lado, como já referido, é o Decreto-lei nº 201/67
que define e regula o processo atinente aos crimes de responsabilidade
cometidos por Prefeitos Municipais e por Vereadores.
Destarte, ostentam vício de inconstitucionalidade, por
violação ao princípio federativo – não observância das regras associadas à
repartição constitucional de competências - normas contidas na legislação
municipal (Lei Orgânica e Regimento Interno da Câmara) que conceituam infrações
político-administrativas, e regulam o respectivo processo e julgamento.
Apenas como reforço, cumpre colacionar recente julgado
do E. STF que, mutatis mutandis,
serve de parâmetro para o caso em exame:
"A expressão ‘e julgar’, que consta do inciso XX do
artigo 40, e o inciso II do § 1º do artigo 73 da Constituição catarinense
consubstancia normas processuais a serem observadas no julgamento da prática de
crimes de responsabilidade. Matéria cuja competência legislativa é da União.
Precedentes. Lei federal n. 1.079/50, que disciplina o processamento dos crimes
de responsabilidade. Recebimento, pela Constituição vigente, do disposto no
artigo 78, que atribui a um Tribunal Especial a competência para julgar o
Governador. Precedentes. Inconstitucionalidade formal dos preceitos que dispõem
sobre processo e julgamento dos crimes de responsabilidade, matéria de
competência legislativa da União. A CB/88 elevou o prazo de inabilitação de 5
(cinco) para 8 (oito) anos em relação às autoridades apontadas. Artigo 2º da
Lei n. 1.079 revogado, no que contraria a Constituição do Brasil. A
Constituição não cuidou da matéria no que respeita às autoridades estaduais. O
disposto no artigo 78 da Lei n. 1.079 permanece hígido — o prazo de
inabilitação das autoridades estaduais não foi alterado. O Estado-Membro carece
de competência legislativa para majorar o prazo de cinco anos — artigos 22,
inciso I, e parágrafo único do artigo 85 da CB/88, que tratam de matéria cuja
competência para legislar é da União. O Regimento da Assembléia Legislativa
catarinense foi integralmente revogado. Prejuízo da ação no que se refere à
impugnação do trecho ‘do qual fará chegar uma via ao substituto constitucional
do Governador para que assuma o poder, no dia em que entre em vigor a decisão
da Assembléia’, constante do § 4º do artigo 232." (ADI 1.628, Rel. Min.
Eros Grau, julgamento em 10-8-06, DJ de 24-11-06)”.
Saliente-se
que a posição aqui sustentada encontra amparo em precedentes desse E. Tribunal
de Justiça. É o caso do julgado relatado pelo Exmo Des. Mohamed Amaro (ADIN
106.343-0/8-00, Ilha Solteira, Julgado em 23.06.2004), de cuja ementa pode-se
extrair o seguinte excerto:
“(...)
Os princípios
básicos que regem a responsabilização do Chefe do Executivo por crime de
responsabilidade consagram que somente a União – no exercício de sua
competência privativa para legislar sobre direito penal e processual – poderá
definir as figuras típicas correspondentes a crimes de responsabilidade, bem
como suas normas para o respectivo processo e julgamento, restando, pois,
afastada qualquer previsão da lei orgânica municipal, regimento interno, ou
resolução legislativa, diversa do estabelecido na legislação federal
pertinente.
Aos municípios,
apenas cabe observar as normas decorrentes do Decreto-lei 201/67 – que foi
recepcionado pela nova ordem constitucional, como, expressamente, admitido pelo
Supremo Tribunal Federal.
O
ESTABELECIMENTO DE NORMAS DE PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES DE
RESPONSABILIDADE – PORTANTO, SIGNIFICANDO INFRAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA - É
DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO, POR FORÇA DO QUE DIPÕEM OS ARTIGOS 85,
PARÁGRAFO ÚNICO, E 22, INCISO I, AMBOS DA CARTA MAGNA.
Precedentes
jurisprudenciais.
(...)”
Em
síntese, os dispositivos impugnados são verticalmente incompatíveis com o art. 144
da Constituição do Estado de São Paulo.
3)Pedido.
Diante
do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade dos dispositivos antes transcritos da Lei Orgânica Municipal de Araçariguama
(art. 48, 49, 50, 51, e art. 90, 91, 92 e 93), bem como, por arrastamento,
do Regimento Interno da Câmara Municipal
de Araçariguama (art. 331, 332, 333, 334, 335, e art. 357, 358, 359 e 360).
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Araçariguama, bem
como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 10 de março de
2009.
Fernando
Grella Vieira
Procurador-Geral
de Justiça
rbl
Protocolado nº 122.297/08 - MP
Interessado: Procuradoria-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo
Assunto: Inconstitucionalidade
de dispositivos da Lei Orgânica
Municipal de Araçariguama, e do Regimento Interno da Câmara Municipal de
Araçariguama (crimes de responsabilidade e respectivo processo e julgamento)
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face de dispositivos da Lei Orgânica Municipal de Araçariguama, e do Regimento Interno da Câmara Municipal de Araçariguama, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 10 de março de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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