EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado n. 123.003/2010

 

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 617, de 20 de outubro de 2010 e, por arrastamento, do artigo 64 e, ainda, por dependência, dos artigos 65, 66 e 72, todos da Lei Complementar n. 580, de 19 de dezembro de 2008, do Município de Atibaia.

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Legislação que altera o Código de Urbanismo e Meio Ambiente da Estância de Atibaia. Falta de participação da comunidade no trâmite do projeto de lei e possibilidade de exclusão de restrições pelo Poder Executivo por intermédio de soluções especiais. Violação à separação dos Poderes e aos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade. Violação dos arts. 5º, §1º, 111, 180, II, 181 e 191, da Constituição Bandeirante.

 

         

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n. 617, de 20 de outubro de 2010 e, por arrastamento, do art. 64 e, ainda, por dependência, dos arts. 65, 66 e 72, da Lei Complementar n. 580, de 19 de dezembro de 2008, ambas do Município de Atibaia, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I - OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

 

1.            A Lei Complementar n. 617, de 20 de outubro de 2010, altera dispositivos da Lei Complementar n. 580, de 19 de dezembro de 2008 (Código de Urbanismo e Meio Ambiente da Estância de Atibaia), e padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, tanto no aspecto formal (vício no processo legislativo) quanto material.

 

2.            Eis o teor do diploma legal acima mencionado:

 

Art. 1º Ficam alterados os Artigos 58 e 59 da Lei Complementar nº 580/2008, que passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 58 O Município considerará os instrumentos particulares de normatividade urbanística e ambiental como supletivos da legislação municipal e concorrentes com as restrições zonais incidentes sobre os respectivos empreendimentos, prevalecendo sempre os dispositivos mais restritivos constantes seja dos instrumentos particulares, seja deste Código.

§ 1º – Não poderão ser objeto de aprovação para fins de licenciamento os projetos de empreendimentos cujos instrumentos particulares de normatividade urbanística e ambiental contenham teores de restrição inferiores aos estabelecidos em legislação federal, estadual e municipal, em especial àqueles das Zonas onde se situe o empreendimento em questão.

§ 2º – A existência de restrições em instrumentos particulares de normatividade urbanística e ambiental que impeçam o desdobro de lotes não implica a impossibilidade de edificação de condomínio de casas ou edifícios de apartamentos, quando a realização de tais tipos de empreendimentos na Zona em questão for admitida por este Código.

§ 3º – A normatividade particular urbanística e ambiental, que é supletiva da legislação municipal, valerá enquanto não exista norma municipal posterior específica que autorize a sua supressão ou alteração.

§ 4º – Não havendo lei municipal posterior que a autorize, a supressão ou alteração de qualquer normatividade particular urbanística e ambiental deverá atender às seguintes condições:

I – realização de acordo entre o empreendedor e os proprietários de lotes no empreendimento;

II – emissão de parecer técnico favorável da Municipalidade.

§ 5º – Na hipótese do parágrafo anterior, sem prejuízo da manifestação prevista no Inciso II, a anuência do empreendedor exigida no Inciso I poderá ser suprida por acordo entre os proprietários das unidades atingidas nos casos de encerramento de atividades da empresa empreendedora ou de sua inércia quando legalmente notificada sobre a necessidade de manifestar-se sobre o acordo, obedecidas as seguintes condições:

I – anuência da totalidade dos proprietários de unidades, no caso de supressão total ou parcial das restrições ou de inserção de novas restrições;

II – anuência da totalidade dos proprietários de unidades atingidas no caso de supressão total ou parcial das restrições que incidam em somente parte do empreendimento;

III – anuência de dois terços dos proprietários de unidades, no caso de alteração das restrições.

§ 6º – A anuência dos proprietários de unidades a que se referem os incisos do parágrafo anterior poderá ser dada pela Associação de Moradores, desde que essa Associação abranja todos os proprietários do empreendimento, esteja legalmente constituída, que tal competência conste de seu estatuto e, ainda, esteja devidamente autorizada em Assembléia específica para este fim, na qual haja a anuência da maioria de seus associados quanto à alteração proposta.

§ 7º – A elaboração e apresentação dos projetos particulares para realização de empreendimentos se darão segundo as normas e padrões exigidos pelos órgãos públicos no âmbito federal, estadual ou municipal, cabendo aos mesmos a análise e aprovação dos projetos, ficando vedado análises das associações de bairro, condomínio ou similares, mesmo que estas estejam previstas na matrícula do Cartório de Registro de Imóveis ou Contrato Padrão.

Art. 59 Para os fins deste Código, valerão como instrumentos particulares de normatividade urbanística e ambiental os regulamentos próprios de empreendimentos de urbanização e de edificação:

I – cujas restrições constem do contrato padrão dos empreendimentos, nos termos do item VII do Art. 26 da Lei Federal nº 6.766/79, devidamente arquivado no Cartório de Registro de Imóveis e averbado na matrícula de cada imóvel;

II – que integrem os projetos de empreendimentos regularmente apreciados, aprovados e licenciados pelo Executivo municipal, devendo a existência de tais restrições ser mencionada no Alvará de Licença para realização do empreendimento.”

 

Art. 2º Na eventualidade de existência de edificação cuja construção foi licenciada ou cujo pedido de licença foi protocolado em data anterior à vigência desta Lei Complementar sem que o regulamento particular tenha sido apresentado à Administração Municipal em conjunto com o projeto, constando apenas do contrato padrão do empreendimento de parcelamento do solo, ficam tais restrições consideradas suprimidas e sem efeito, de modo a regularizar a edificação em questão junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

 

Art. 3º Ficam suprimidos por esta Lei Complementar os regulamentos particulares dos empreendimentos de parcelamento do solo licenciados antes de 30 de outubro de 1996.

 

Art. 4º Fica alterado o Artigo 64 da Lei Complementar nº 580/2008, que passa a vigorar com a seguinte redação:“Art. 64 Em caráter excepcional, e mediante solicitação de consideração de solução especial, poderá ser admitida a exclusão de restrições específicas constantes deste Código.

§ 1º Caracterizam a excepcionalidade requerida para a aplicação do disposto no caput deste Artigo uma ou mais das seguintes condições relativas ao uso pretendido:

I – dimensões e configuração físico-ambiental do terreno em que será implantado que permitam, simultaneamente:

a) a habilitação de espaços para ampliação e ajustes da infraestrutura pública que serve ao imóvel, de forma a atenuar os impactos urbanísticos causados pelo uso pretendido e a manter, ou melhorar, na Zona, o nível de atendimento propiciado por aquela infraestrutura;

b) a implantação de elementos paisagísticos adequados e suficientes para propiciar o isolamento do uso pretendido em relação ao seu entorno;

II – inexistência de alternativas para a localização pretendida, no caso de usos correspondentes a elementos integrantes de infraestrutura em rede;

III – manifestação de concordância com o deferimento da consideração da solução especial pleiteada, expressa em documento subscrito por no mínimo 70% (setenta por cento) dos proprietários e locatários, residentes ou que exerçam atividade econômica nos imóveis existentes na área compreendida pela Zona.

§ 2º Só poderão ser acolhidos, para efeito de consideração de solução especial de que trata o caput deste Artigo:

I - projetos de empreendimentos enquadrados como E.3b - Infraestrutura no Anexo 02 deste Código;

II - projetos de empreendimentos enquadrados como E.4 - Edificação no Anexo 02 que integrem os seguintes usos discriminados no Anexo 04 deste Código:

a) os usos Residenciais RES 06 a RES 10;

b) os usos Comerciais/Serviços COS 04 a COS 10;

c) os usos Industriais IND 07 a IND 10;

d) os usos Especiais ESP 32, ESP 37 e ESP 39 a 41;

III - projetos de empreendimentos de edificação

enquadrados como E.4 no Anexo 02 deste Código que integrem os usos Comerciais/Serviços COS 01 a COS 03 e os usos Industriais IND 01 a IND 06 quando localizados nas Zonas Exclusivamente Econômicas EE1 e EE2.

§ 3º Em todos os casos, deverão ser atendidas as seguintes exigências:

I – em relação aos índices e demais restrições urbanísticas:

a) índices urbanísticos em valores inferiores aos máximos se superiores aos mínimos fixados no Código;

b) recuos em relação às divisas do lote com extensão mínima de 1,8 (um vírgula oito) vezes a extensão do recuo mínimo admitido para a Zona em que se situar o empreendimento;

c) Taxa de Permeabilidade de valor superior à mínima estabelecida para a Zona;

II – em relação à infraestrutura:

a) toda a infraestrutura de abastecimento de água,

esgotamento sanitário e drenagem necessária para atendimento do empreendimento, se não existente, deverá ser provida pelo próprio empreendedor;

b) deverá ser prevista a utilização de energia alternativa para usos diversos pelas unidades imobiliárias habilitadas, com emprego, em especial, de sistema de captação de energia solar para aquecimento de água;

c) deverá ser previsto o reuso de águas servidas, excluídas as de esgotamento sanitário, para operações que não requeiram

água potável, bem como a provisão de cisternas de acumulação de águas

pluviais para uso em operações de limpeza geral, irrigação e climatização de ambientes;

d) provisão de instalações para recepção, espera e encaminhamento a veículos de transporte do lixo reciclável, segundo categorias;

III - quanto às instalações:

a) vedação ao emprego e instalação de aparelhagem de condicionamento de ar que não a prevista de forma centralizada para o conjunto do empreendimento;

b) previsão de fiações subterrâneas na parte interna do empreendimento, ou de solução de fiação que não interfira com a arborização e a paisagem em geral;

IV - quanto aos elementos urbanísticos e arquitetônicos:

a) vedação ao uso de soluções de iluminação e ventilação por poços e áreas confinadas;

b) emprego de materiais e soluções de pavimentação, nas áreas descobertas contidas nas divisas do empreendimento, permeáveis à infiltração de águas pluviais, em toda a sua extensão;

c) provisão generalizada de condições de circulação e acesso a todas as áreas e equipamentos do empreendimento a portadores de necessidades especiais;

V - quanto à circulação e estacionamento de veículos:

a) a espera e manobras de veículos para acesso e saída do empreendimento devem ocorrer dentro das suas divisas;

b) provisão de vagas para estacionamento de veículos de visitantes em proporção superior à dos mínimos exigidos neste Código;

c) vagas para estacionamento desprovidas de cobertura sempre protegidas por espécies arbóreas;

d) em caso de necessidade de reorientação de tráfego, a solução deverá ser provida pelo empreendedor;

VI - quanto ao paisagismo:

a) uso de espécies arbóreas de médio e grande portes para todas as áreas verdes e para sombreamento dos espaços de estacionamento descoberto de veículos;

b) arborização com espécies de médio e grande portes de todas as calçadas circundantes das divisas do empreendimento;

c) uso preferencial de espécies nativas da região de Atibaia nas áreas verdes previstas;

d) uso preferencial de sebes nas vedações de divisa da área do empreendimento com emprego de muramentos apenas no caso de instalações de segurança;

VII – prevenção de impactos ambientais:

a) previsão e emprego de regras de manejo e operação adequadas e suficientes para a manutenção da incolumidade e da qualidade dos sítios e assentamentos eventualmente afetados;

b) o Estudo Prévio de impacto de Vizinhança (EPIVIZ) deverá integrar o projeto.

§ 4º Nos casos de usos Comerciais/Serviços e industriais, serão obrigatórios, adicionalmente às exigências relacionadas no § 3º:

a) a observância de horários especiais de funcionamento e níveis de ruído, a serem regulamentados;

b) o emprego de elementos de isolamento acústico, térmico, ou antivibratórios, segundo as características específicas do empreendimento ou da atividade;

c) o emprego de elementos de eliminação de emanações gasosas, odores, e outras formas de contaminação atmosférica, de acordo com as características específicas do empreendimento ou da atividade;

d) o monitoramento permanente das operações eventualmente previstas de equipamentos e instalações associadas, de modo a manter, ao longo do tempo, as condições que permitiram a expedição das licenças de localização e de funcionamento.

§ 5º Não serão apreciadas as solicitações de consideração de solução especial que envolvam:

I - a localização de usos residenciais nas Zonas Exclusivamente Econômicas EE1 e EE2;

II - a exclusão de restrições e critérios para “usos permissíveis”, conforme Art. 29, § 4º.”

 

Art. 5º Fica alterado o Anexo 01 da Lei Complementar nº 580/2008, no que diz respeito a “Casas Geminadas” e “Fila de Casas”, que passam a ter a seguinte definição:

Casas Geminadas - Edificação com duas unidades residenciais com paredes externas total ou parcialmente contíguas ou comuns, cada uma das quais com acesso independente ao mesmo logradouro, constituindo, no seu aspecto externo, uma unidade arquitetônica”.

Fila de Casas – Edificação a partir de 03 (três)

unidades residenciais com paredes externas total ou parcialmente contíguas ou comuns, cada uma das quais com acesso independente ao logradouro, constituindo, no seu aspecto externo, uma unidade arquitetônica”.

 

Art. 6º Fica alterado o Anexo 04 da Lei Complementar nº 580/2008, incluindo o empreendimento E.2.3.1.1 – amembramento, com porte superior a 20.000m², em todas as subcategorias de uso residencial, desde que associado a um empreendimento de parcelamento do solo.

 

Art. 7º Ficam alterados, na altura do km 44 da Rodovia Fernão Dias (BR-381), os limites das zonas ZR 3 – Zona Predominantemente Residencial e EE1 – Zona Exclusivamente Econômica constantes do Anexo 07 da Lei Complementar nº 580/2008, que passam a vigorar conforme o traçado definido no Mapa 1 anexo desta Lei Complementar.

 

Art. 8º Fica alterado o Anexo 08 da Lei Complementar nº 580/2008, excluindo a Nota 10 e alterando as Notas 01, 11 e 12, com a inclusão do empreendimento “E.2.3.1.5” na primeira e a exclusão do empreendimento “E.2.3.1.5” nas duas últimas.

 

Art. 9º Ficam alterados os Anexos 09, 13, 15 e 23 da Lei Complementar nº 580/2008, que passam a vigorar conforme Anexos de mesmo número integrantes desta Lei Complementar.

 

Art. 10 Fica alterado o Anexo 16 da Lei Complementar nº 580/2008 da seguinte forma:

I – a letra “f”, constante do Critério Independente de Localização Aplicável a Empreendimento 08 – CILE 08 para empreendimentos E.4 - Edificação, relativa a Estacionamentos e Garagens, passa a vigorar com a seguinte redação:

“f) acessos:

f.1) vedados rebaixos, ao longo do meio fio, com mais de 7,50m (sete virgula cinquenta metros);

f.2) distância mínima entre dois rebaixos consecutivos de 5,00m (cinco metros).”

II - Tabela 16.5 passa a vigorar na forma da Tabela de mesmo número que integra a presente Lei Complementar.

Art. 11 Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 12 Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, a Lei Complementar nº 610, de 11 de junho de 2010”.

 

 

 

3.            A análise do projeto da Lei Complementar n. 617/10 denota que não houve, no processo legislativo, a oitiva e participação das entidades da comunidade, conforme informação da Câmara Municipal da Estância de Atibaia (fl. 1.286):

 

“De acordo com pesquisa realizada, durante o período de tramitação nesta Casa do Projeto de Lei Complementar nº 020/10 – protocolado pelo Executivo nesta Casa no dia 23 de agosto de 2010, nada consta em nossos arquivos que registram a realização de reuniões com entidades comunitárias especificamente para o debate a respeito do projeto em questão.”

 

4.     A Lei Complementar n. 617/10 alterou o art. 64 da Lei Complementar n. 580/08, cuja redação original é a seguir transcrita. Cabe ponderar que, apesar dessa modificação, a própria redação primitiva desse artigo 64 padecia de inconstitucionalidade, vício que atingia, por dependência, os arts. 65, 66 e 72, que são conexos ao permitir a exclusão de restrições.  In verbis:

 

“Art. 64 O interessado na realização empreendimento ou localização e exercício de atividade poderá pleitear a exclusão de restrições específicas constantes deste Código, com base na submissão à apreciação da autoridade municipal de soluções especiais que possam, sem prejuízo do pretendido com a imposição da restrição, ou com vantagens em relação a esta, ser acolhidas para efeito da expedição da competente autorização ou licença.

 

Art. 65 As soluções referidas nos Art. 64 versarão sempre sobre aspectos técnicos ou operacionais, incluindo-se os seguintes, dentre outros:

 

(...)

 

Art. 66 A não observância da solução especial aprovada e autorizada ou licenciada pela Administração, quando da realização do empreendimento, da localização ou do exercício da atividade objeto do pedido, implicará a cassação da autorização ou da licença, nos termos do Art. 78 deste Código.

 

(...)

 

Art. 72 Os pedidos que envolvam soluções especiais, nos termos do Capítulo II deste Título IX, serão apreciados conjuntamente pela unidade competente da Administração e pelas competentes Câmaras Técnicas do CONCIDATI.

 

(...)”

 

II - Os parâmetros da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

a) Ausência de participação comunitária no processo legislativo

 

5.         No tocante à inconformidade na construção legislativa, a análise do trâmite do projeto de lei que resultou na edição da Lei Complementar n. 617/10 revela a inobservância da prévia oitiva das entidades da comunidade no seu processo legislativo. A elaboração da referida lei contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

 

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

6.            A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

 

“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

 

(...)

 

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

 

(...)

 

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

 

7.            Tais dispositivos resultaram violados. A Constituição Bandeirante exige que a disciplina referente à urbanização, em sua elaboração e modificação, seja precedida de estudos técnicos e de participação comunitária, de maneira a impedir revisões pontuais que molestem o desenvolvimento sustentável, a função social da cidade, o interesse público, o planejamento urbano, o bem-estar dos habitantes e a qualidade de vida nas comunas.

 

8.            A Constituição Federal, no art. 30, VIII, prevê a competência dos Municípios para promover o “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”, e no art. 29, XII, preconiza a “cooperação das associações representativas no planejamento municipal”, reforçando a necessidade de abertura à participação popular prévia no processo legislativo das leis de cunho urbanístico.

 

9.            Nesse diapasão, este Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu anteriormente pela imprescindibilidade do planejamento precedido de oitiva da população interessada na produção da legislação urbanística:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

 

10.          Essas premissas foram louvadas pelo eminente Desembargador Samuel Junior em declaração de voto vencedor em julgamento proferido recentemente por esse colendo Órgão Especial, cuja ementa assim está redigida:

 

ação direta de inconstitucionalidade lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.

‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).

 

11.          Sendo assim, foram violadas normas que asseguram a democracia participativa, previstas no inciso II do art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual (que decorrem do inciso XII do art. 29 da Constituição Federal), e que alcançam a elaboração das normas relativas ao desenvolvimento urbano (uso e ocupação do solo, parcelamento do solo etc.) antes e durante seu processo legislativo, até o estágio final de produção da lei.

 

12.          A ausência de inserção da comunidade nas questões urbanísticas não configura apenas um desprezo aos ditames da Constituição do Estado de São Paulo, mas, antes de tudo, fere princípio fundamental do Estado Democrático de Direito presente no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal.

 

13.          Ora, a falta da participação comunitária na formação de lei que regula o desenvolvimento urbano caracteriza vício insanável no processo legislativo, conduzindo, destarte, ao reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 617, de 20 de outubro de 2010, do Município de Atibaia.

 

b) Ofensa à separação dos Poderes e aos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade.

 

14.          Além do vício formal, a lei impugnada suporta, ainda, incompatibilidade material, já que seu art. 4º, ao alterar a redação do art. 64 da Lei Complementar n. 580, de 19 de dezembro de 2008 (Código Urbanístico e do Meio Ambiente de Atibaia), ofende as normas descritas no art. 2º da Constituição Federal e nos arts. 5º, § 1º; 181, “caput”, e 111, da Constituição Paulista.

 

15.          Cuida o art. 181 da Constituição do Estado de São Paulo da reserva legal concernente a matéria urbanística, isso com o fim de garantir maior proteção ao meio ambiente e ao bem-estar da população que o habita. Anota-se:

  

·       “Art. 181 Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes” (grifo nosso).

 

16.          Não resta dúvida de que o dispositivo reproduzido consagra o adágio da reserva legislativa, desdobramento do princípio da legalidade.                    

 

17.          Ocorre que a Lei Complementar n. 617/10, em seu art. 4º, que, em tese, modifica o art. 64 da Lei Complementar n. 580/08, consente que a autoridade municipal, através de “solução especial”, exclua restrições previstas no Código de Urbanismo e Meio Ambiente da Estância de Atibaia, concedendo autorizações e licenças a quem assim pleitear.  

 

18.          Vale aqui a transcrição do art. 64 da Lei Complementar n. 580/08, com redação dada pelo art. 4º da Lei Complementar n. 617/10:

 

“Art. 64 Em caráter excepcional, e mediante solicitação de consideração de solução especial, poderá ser admitida a exclusão de restrições específicas constantes deste Código.

 

(...)”

                   

19.          As modificações do regimento urbanístico, por meio de atos administrativos, fundados em normas abstratas e com critérios puramente subjetivos, praticados ao alvedrio do Poder Público, permitem arbítrios e desvios, assim como o surgimento de empreendimentos que trazem surpresas ao meio ambiente urbanístico saudável, refletindo diretamente no bem-estar da população. 

 

20.      Com efeito, o comando legislativo rebatido, ao possibilitar a supressão de limitações legais, defere ao Executivo poderes ilimitados para assentir qualquer alteração na legislação urbanística, o que em verdade a torna  desprovida de qualquer utilidade.

 

21.       A matéria, por sua relevância, é regida pelo artigo 182, “caput”, da Constituição Federal: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

 

22.          Dessa feita, resta demonstrado que permissões subjetivas contribuem com a desorganização urbana de um município, expondo a riscos a qualidade de vida de seus habitantes, já que sujeitos à constante insegurança em relação a seus direitos e, até mesmo, seus deveres, diante de uma legislação que viabiliza a inobservância de todos os limites que deveriam disciplinar a política de desenvolvimento urbano.

 

23.          O esquema normativo questionado fornece à autoridade municipal ampla e excessiva discricionariedade, permitindo-lhe conceder autorizações e licenças, por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse público primário, que não se amoldam às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que é permeável a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade.

 

24.          Bem se vê que, ao prever as denominadas “soluções especiais”, permitindo que o Executivo altere lei relativa ao uso e ocupação do solo, o dispositivo contestado atribui-lhe poder ilegítimo, subtraindo competência constitucional do Legislativo.

 

25.          Ressalta o art. 5º, “caput”, da Constituição Paulista, que Executivo, Legislativo e Judiciário atuam de forma independente e harmônica, regra, aliás, que também consta do art. 2º da Constituição Federal. Contudo, a Constituição Estadual vai além, ao proibir a delegação de atribuições entre os Poderes, com a seguinte redação:

 

“Art. 5º São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”

 

§ 1°- É vedado a qualquer do Poderes delegar atribuições

 

(...)”

 

26.          A respeito da separação dos Poderes, reproduz-se a lição colhida no voto do Desembargador José Osório, proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 045.352-0/5-00 julgada por esse Egrégio Tribunal de Justiça:

 

“Não é só a desarmonia entre os Poderes que afeta o princípio da independência dos Poderes.

Também o excesso de harmonia afeta gravemente esse princípio e gera com frequência ligações perigosas entre Câmara e Prefeito, pondo em risco o princípio fundamental do regime constitucional.

Por isso mesmo, as constituições modernas tornaram expresso o que antes era implícito: a vedação da delegação de atribuições de um Poder para outro, seja expressa seja camuflada”.   

 

27.          Ainda no mesmo julgado, vislumbra-se desfecho que, mutatis mutandis, bem delineia a questão jurídica e explica, através de caso semelhante (“Operação Interligada”), toda a problemática trazida pelas “soluções especiais” autorizadas pela legislação em comento:

 

“Diante do contesto trazido pela lei municipal seria plenamente viável alteração de índices urbanísticos e características de uso e ocupação do solo, com a edição de novos parâmetros modificadores da lei, mediante ‘Operação Interligada’, que a seu turno é apreciada por órgão da prefeitura Municipal.

Dessa feita, pela ‘Operação Interligada’ ter-se-ia a edição de normas individuais de direito urbanístico, vertentes aos índices e às características de uso e ocupação, como se possível fosse ao Poder Executivo editar norma de conduta individual em matéria de reserva legal, reserva legal esta expressamente definida no artigo 181, “caput”, da Constituição do Estado de São Paulo (...)

A referida ‘Operação Interligada’ possibilita o desvirtuamento especializado e contínuo de todo plano diretor, ante a possibilidade de alteração das características de uso e ocupação, não se olvidando que a majoração do índice urbanístico traz incômodos outros a qualquer região, diante da ausência de previsão no plano diretor, de tal arte que a higidez do meio ambiente, norte maior do direito urbanístico, estaria rompida, sendo este o móvel pelo qual o legislador instituiu a reserva legal na espécie.

A delegação de regramento individual, com amplos reflexos coletivos, sublinhe-se, cria função atípica do Poder Executivo, que subtrai competência cometida ao Poder Legislativo, afrontando a Constituição do Estado e as normas primárias que estruturam o Estado” (trecho extraído do voto do Desembargador Relator Designado Hermes Pinotti).

 

28.          Porquanto, em razão dessa invasão de atribuição do Executivo perante o Legislativo, o art. 4º da Lei Complementar n. 617/10 fere conceitos basilares do ordenamento jurídico, protegidos pelas Constituição Estadual, tais como os princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista:

 

“Art. 111 A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”.

 

29.          Ao deixar ao arbítrio da Municipalidade decisão relativa ao Direito Urbanístico, o dispositivo transgride o princípio da reserva legal, desdobramento do princípio da legalidade. Nessa esteira, não há dúvida de que o art. 181 da Constituição Paulista, assim como o art. 182 da Constituição Federal, adotou a lei como mecanismo de regulamentação da política urbanística.

 

30.          Ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro que, no Direito Positivo Brasileiro, o princípio da legalidade, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, com o seguinte conteúdo:  ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’, porquanto, “a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei” (Direito administrativo, 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 82).

 

31.               Com as disposições ora interpeladas, a Lei Complementar Municipal n. 580/08 outorgou ao Executivo instrumento sob a nominação de “soluções especiais”, com natureza estritamente subjetiva (norma abstrata/preceito vago), fato que viola também a moralidade administrativa, corolário da legalidade e impessoalidade, pois, com essa abertura, surgem análises díspares sobre o mesmo assunto, sem critérios objetivos, o que, indubitavelmente, resulta em decisões políticas com tendências personalistas.

 

32.          Consectário do próprio Estado de Direito é o dever da Administração de tratar todos os administrados sem discriminações, sejam estas benéficas ou não. Inexiste, na atividade governamental, espaço para favoritismos nem perseguições. Entusiasmos pessoais, políticos ou ideológicos não podem interferir na atuação administrativa (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 68), em homenagem aos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e moralidade.          

 

33.          Tal circunstância, como se vê, põe em risco a credibilidade administrativa na gerência da aplicação do zoneamento municipal. Por via de consequência, o interesse público permanece em “segundo plano”, diante das possibilidades de autorizações e licenças individuais geradas por dispositivos que disciplinam requisitos subjetivos para o tema.           

34.          Em última análise, as “soluções especiais” utilizadas pelo Poder Executivo na concessão de autorizações e licenças, afrontam os princípios da legalidade, da isonomia, da impessoalidade e da moralidade, já que o ato administrativo prevalece sobre dispositivos legais, possibilitando o desvio de finalidade e dando espaço a arbitrariedades e discriminações. 

 

c) O efeito repristinatório da Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

35.          Não obstante a rubrica da Lei Complementar n. 617/10 aludir modificação do art. 64 da Lei Complementar n. 580/08, basta singela comparação entre sua redação original e a disposição contida no art. 4º da Lei Complementar n. 617/10 para constatar que, em sua essência, nada restou alterado, especialmente no tocante às ofensas constitucionais.  

 

36.          Aqui, importante contrastar os referidos dispositivos, ressaltando os trechos nos quais sobressai o vício de conteúdo:

 

“Art. 64 O interessado na realização de empreendimento ou localização e exercício de atividade poderá pleitear a exclusão de restrições específicas constantes deste Código, com base na submissão à apreciação da autoridade municipal de soluções especiais que possam, sem prejuízo do pretendido com a imposição da restrição, ou com vantagens em relação a esta, ser escolhidas para efeito da expedição da competente autorização ou licença” (redação original da Lei Complementar n. 580/08) - grifo nosso.

 

“Art. 64 Em caráter excepcional, e mediante solicitação de consideração de solução especial, poderá ser admitida a exclusão de restrições específicas constantes deste Código (texto alterado pela Lei Complementar n. 617/10) - grifo nosso.

 

 

37.          Em verdade, o art. 4º da Lei Complementar n. 617/10, em sua substância, apenas reproduz a norma contida na redação original do art. 64 da Lei Complementar n. 580/08, ou seja, persiste na lei revogadora a mácula exaustivamente comentada.

 

38.        Nesse contexto, é imprescindível análise do efeito repristinatório nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Como essa lei revogou o regime anterior, se acolhido o pedido da presente ação direta de inconstitucionalidade, será automaticamente restaurado por repristinação o disposto no art. 64 da Lei Complementar n. 580/08, em sua redação original.

 

39.        Ademais, segundo precedentes do Plenário do Pretório Excelso, é perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJ 08-09-2006, p. 16; ADI 3.645-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 09-06-2005, p. 04).

 

40.          A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.

 

41.          Restabelecidos os efeitos da lei revogada, dá-se o que se chama de efeito indesejado, já havendo assentado o Supremo Tribunal Federal que:

 

"A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer igualmente, já na inicial da ação direta, a declaração da

inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato normativo ressuscitado" (STF, ADI-MC 2.621-DF, Rei. Min. Celso de Mello, 01-08-2002).

 

42.          Assim, a declaração de inconstitucionalidade deve abranger, por arrastamento, a redação original do art. 64 da Lei Complementar n. 580/08.

 

43.  Por conseguinte, justificável que se reconheça, igualmente, a inconstitucionalidade por dependência dos arts. 65, 66 e 72, da referida Lei Municipal, acima transcritos, pois, em decorrência da inconstitucionalidade do art. 64, estarão estes, também, despidos de qualquer eficácia.

 

44.        Caso contrário, poder-se-ia instaurar situação mais gravosa que aquela que se busca combater, na conformidade das explicações da doutrina:

 

"se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da inconstitucionalidade 'conseqüente', ou por 'arrastamento' ou por 'atração'" (Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 13ª Edição, p. 208).

 

 

45.          Destarte, a declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, dos arts. 64, 65, 66 e 72 da Lei Complementar n. 580, 19 de dezembro de 2008, é medida de rigor, pois referidos dispositivos possibilitam a delegação inconstitucional de atribuições do Poder Legislativo ao Executivo.

 

III– Pedido liminar

 

46.          À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. De fato, a possibilidade de descarte dos preceitos de toda uma legislação que disciplina matéria urbanística, por meio de “soluções especiais” concedidas de forma livre pelo Executivo, com base na lei e nos artigos ora combatidos, tem o sério risco de gerar situação de insegurança jurídica em desfavor da comunidade, dos interessados e do poder público, dado que o esteio dos correlatos e subjacentes atos administrativos são normas eivadas de vício formal e material.   

         

47.          Necessário salvaguardar o interesse público, impedindo que a execução da lei projete dano à ordem urbanística, assim como ao bem-estar da população envolvida, caso contrário, poderá haver comprometimento irremediável da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável da comuna.

 

48.      Ancorado nestas razões, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar n. 617, de 20 de outubro de 2010 e, por arrastamento, do artigo 64 e, ainda,  por dependência a este, dos arts. 65, 66 e 72, todos da Lei Complementar n. 580, de 19 de dezembro de 2008, do Município de Atibaia.

IV – Pedido

 

49.          Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 617, de 20 de outubro de 2010 e, por arrastamento, do artigo 64 e, ainda, por dependência, dos art. 65, 66 e 72, todos da Lei Complementar n. 580, de 19 de dezembro de 2008, do Município de Atibaia.

 

50.          Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Atibaia, bem como, posteriormente, citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista para manifestação final.

 

                    Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 21 de março de 2011.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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