EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 124.860/11
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 5.577, de 24 de abril de 2001, do Município de Presidente Prudente.
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei nº 5.577, de 24 de abril de 2011, do Município de Presidente Prudente, que “proíbe, em todo o território municipal, quer urbano ou rural, a instalação de Presídios, casas para Reformatório de menores, Presídios Provisórios, Centro de Ressocialização e similares”. Princípio federativo. Competências estaduais. Direito penitenciário. Segurança pública. Matérias afetas aos Estados-membros. Interesse local. Inexistência. Princípio da proibição do excesso. Violação dos arts. 1º, 5º, 47, II e XIV, 139 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. Inconstitucionalidade reconhecida.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 5.577, de 24 de abril de 2001, do Município de Presidente Prudente, pelos fundamentos a seguir expostos.
I – DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
A Lei n. 5.577, de 24 de abril de 2001, do Município de Presidente Prudente, que “proíbe, em todo o território municipal, quer urbano ou rural, a instalação de Presídios, Casas para Reformatório de menores, Presídios Provisórios, Centro de Ressocialização e similares”, apresenta a seguinte redação:
“ Art. 1º - Fica o Executivo
Municipal proibido, em todo o território municipal, quer urbano ou rural, de
instalar ou celebrar convênios para instalação de Presídios, Casas para
Reformatórios de menores, Presídios Provisórios, centro de Ressocialização e
similares.
Art. 2º - Ficam a secretaria
Municipal de Obras e Secretaria Municipal de planejamento, proibidas de
autorizar e aprovar qualquer projeto técnico ou expedir alvará para construção
do que trata o artigo 1º desta lei.
Art. 3º - Esta lei entrará em vigor
na data de sua publicação”.
II – DA
FUNDAMENTAÇÃO.
A
norma impugnada é inconstitucional por malferir os artigos 1.º 5º, 47, II e XIV,
139 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo, este último a repetir – de
modo sintético – o conteúdo dos artigos 21, XII, ‘a’ e 22, IV, da Constituição
da República, expressão do princípio
federativo. De fato, assim dispõem
as referidas normas constitucionais:
“Art. 1º - O Estado de São Paulo, integrante da
República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas
pela Constituição Federal.
Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47- Compete privativamente ao Governador, além de
outras atribuições previstas:
II- exercer, com auxílio dos Secretários de Estado, a
direção superior da administração estadual;
XIV- praticar os demais atos de administração, nos
limites da competência do Executivo;
Art. 139 - A Segurança Pública, dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.”
Os
parâmetros da Constituição da República referidos pela Constituição do Estado
são os seguintes:
“Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos (...)
Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário,
econômico e urbanístico (...)”
REINHOLD ZIPPELIUS, sobre a estrutura do Estado
Federal, escreveu:
"O Estado
Federal é pois também uma reunião de Estados, mas organizada de tal maneira que
o seu conjunto constitui igualmente um Estado em si mesmo. Esse conjunto das
respectivas competências estatais no Estado Federal acha-se de tal modo
distribuído entre os órgãos do Estado Federal e os dos diferentes países que o
constituem, que o problema da hierarquia dessas competências fica sempre como
que suspenso e
O mesmo autor, relativamente à distribuição de
competências entre os entes federados, ensina:
“A competência
de um Estado para determinar as competências subordinadas, tambem pode ser
exercida comummente por uma pluralidade de órgãos estaduais. As competências
internas, sobretudo, podem estar de tal modo repartidas pelos órgãos superiores
do Estado, que exista entre elas um sistema de contraprtova e equilíbrio
(Divisão dos poderes, § 20 I), dentro do qual os poderes isolados não podem ser
entendidos como se fossem absolutos, mas meramente como factores que se
encontram numa coordenação jurídica e funcional entre eles. E pode suceder num Estado
federal que a questão da soberania fique por resolver entre a federação e os
federados; que subsista uma dualidade de centros de decisão tal que o conjunto
das competências venha a ser exercido em parte pelos Estados federados e noutra
parte pelos ógãos do Estado federal (IV)” (ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria
geral do estado. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian. Trad. da 3ª ed. de
António Cabral de Moncada, 1971, pág. 61).
Diferentemente,
no particular, do federalismo alemão, que também inspirou os constituintes
pátrios, em que a ordem federal central edita leis sobre quase todos os temas,
mas quem as executa são os estados, no Brasil quem executa as leis advindas da
competência legislativa privativa é o próprio ente que a detém, salvo exceções
oriundas de convênios etc. Não pode utilizar-se o Município do precedente do
art. 30 da Constituição da República, que menciona o “interesse local”, ausente
na espécie ora examinada.
Para HELY LOPES MEIRELLES o tema é assim tratado:
“(...)
estabelecida essa premissa é que se deve partir em busca dos assuntos da
competência municipal, a fim de sclecionar os que são e os que não são de seu
interesse local, isto é, aqueles que predominantemente interessam à
atividade local. Seria fastidiosa -- e
inútil, por incompleta -- a apresentação
de um elenco casuístico de assuntos de interesse local do Município, porque a
atividade municipal, embora restrita ao território da Comuna, é multifária nos
seus aspectos e variável na sua apresentação, em cada localidade. Acresce,
ainda, notar a existência de matérias que se sujeitam simultaneamente à
regulamentação pelas três ordens estatais, dada sua repercussão no âmbito
federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito
e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras
gerais),: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública),
os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código
Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento,
circulação, sinalização etc.; regulamentos sanitários municipais). Isso porque
sobre cada faceta do assunto ha um interesse predominante de uma das
três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município a
ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local. Dentre
os assuntos vedados ao Município, por não se enquadrarem no conceito de interesse
local, é de se assinalar, a título
exemplificativo, a atividade jurídica, a segurança nacional, o serviço postal,
a energia em geral, a informática, o sistema monetário, a telecomunicação e outros mais, que, por sua própria natureza e
fins, transcendem o âmbito local” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 135, Malheiros, pág. 135).
Com
efeito, poderiam os autores da Constituição do Estado, no exercício do Poder
Constituinte Decorrente, repetir, enfadonhamente,
as normas de reprodução obrigatória
da Constituição da República, mas preferiram, acertadamente diga-se, fórmula
sintética do art. 144, determinando, como não poderia deixar de ser, que os
princípios estabelecidos na Constituição Federal (somente princípios, não
regras) devessem ser observados obrigatoriamente pelos Municípios. Não foi outra a saída encontrada pelos
Constituintes nacionais, por exemplo, com o art. 25 da Constituição da
República, a determinar que os Estados se organizem segundo os princípios
da Constituição da República, sem
explicitá-los, também enfadonhamente.
Veja-se
a correspondência do art. 25 da Carta Maior com o art. 144 da Constituição do
Estado de São Paulo (“Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos
na Constituição Federal e nesta Constituição”).
Há
que se indagar se alguém poderia dizer que, pelo fato de não ter, o art. 25 da
Constituição da República, repetido, um a um, os princípios que devem ser
observados pelos constituintes dos estados, não seriam estes aplicáveis às
Constituições dos Estados-membros. Ora, sabe-se que o princípio federativo,
adotado no art. 1.º da Constituição do Estado de São Paulo, é: “... a rigor, um
grande sistema de repartição de competências', sendo esta 'a chave da estrutura
do poder federal' ou 'a grande questão do federalismo', e ainda 'um problema
tipicamente do estado federal'.” (RAUL MACHADO HORTA E DURAND, citados por
FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDA).
Para KLAUS STERN: “
A
doutrina já resolveu a questão dos princípios que devem os Estados observar (o que obviamente aplica-se aos Municípios,
já agora por força do art. 144 da Constituição do Estado). Ao comentar sobre o conteúdo do art. 25 da
Constituição da República, a direcionar as competências dos Estados (como o
art. 144 da Constituição do Estado condiciona as competências dos Municípios),
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO refere-se à “existência das ‘regras de
preordenação institucional’, ‘regras de extensão normativa’ e ‘regras de
subordinação normativa’, inseridas na Constituição da República, vinculantes
para os demais entes políticos, nestes termos: “(...) Ainda cerceiam a autonomia dos
Estados regras de subordinação normativa. São estas as que, presentes na
própria Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes
federativos (União, Estados, Municípios), predefinem o conteúdo da legislação
que será editada por eles. E isto, ou orientando positivamente tal conteúdo
(mandando que siga determinada linha), ou negativamente (proibindo que adote
certas normas ou soluções). Exemplo de tais regras de subordinação
normativa é o que decorre do art.
37 da Constituição brasileira,
que preside à atuação da administração pública direta ou indireta. Da mesma
forma, o art. 39 da Constituição direciona diretamente a legislação dos Estados
(bem como do Distrito Federal e dos Municípios) quanto aos servidores públicos.
Observe-se que esta subordinação normativa pode ser direta ou indireta. Ela
é direta (e imediata) quando deflui, sem intermediário, da Constituição Federal
e obriga desde logo o legislador. É indireta (e mediata) quando se faz por meio
da legislação federal obrigatória para os Estados. Esta "subordinação
normativa indireta" ocorre no campo da competência legislativa concorrente
da União e dos Estados (bem como do Distrito Federal), que enuncia o art. 24 da
Constituição brasileira. Com efeito, este artigo confere à União a competência
de "estabelecer normas gerais" (art. 24, § 1.°). Conseqüentemente, a
estas normas gerais se subordinam as que os Estados editarem em vista de suas
peculiaridades (art. 24, §§ 2.°, 3.° e 4.°)” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1997, v. I, pág.
197).
Claro
que, apenas por não repetir explicitamente os princípios da Constituição da
República, não significa que os Municípios fiquem livres para -- em uma curiosa
situação então -- dispor de mais poderes constituintes que o Estado (já que não
se discute que, quando a este, seu Poder Constituinte Decorrente é limitado).
Trata-se
o artigo 144 da Constituição do Estado de norma
de repetição obrigatória, vale dizer:
“...as
normas centrais da Constituição Federal, tenham elas natureza de princípios
constitucionais, de princípios estabelecidos ou de normas de preordenação,
afetam a liberdade criadora do Poder Constituinte Estadual e acentuam o caráter
derivado desse poder. Como consequência da subordinação à Constituição Federal,
que é a matriz do ordenamento jurídico parcial dos Estados-membros, a atividade
do constituinte estadual se exaure, em grande parte, na elaboração de normas de
reprodução, mediante as quais faz o transporte da Constituição Federal para a
Constituição do Estado das normas centrais, especialmente as situadas no campo
das normas de preordenação A tarefa do
constituinte limita-se a inserir aquelas normas no ordenamento constitucional
do estado, por um processo de transplantação. A norma de reprodução não
é, para os fins da autonomia do Estado-membro, simples norma de imitação,
frequentemente encontrada na elaboração constitucional. As normas de imitação
exprimem a cópia de técnicas ou de institutos, por influência da sugestão exercida pelo modelo superior.
As normas de reprodução decorrem do caráter compulsório da norma
constitucional superior, enquanto a norma de imitação traduz a adesão voluntária
do constituinte a uma determinada disposição constitucional. (Raul Machado
Horta, Poder constituinte do estado-membro, RDP, 88/5).
A repartição de competências é a “chave de abóbada”
do sistema federal; conspurcada aquela
conspurca-se este. É o que ocorre
no caso dos autos, com a violação, pelo Município, de princípios
constitucionais.
Ademais,
malfere a proporcionalidade a lei local atacada. Entende-se que a proporcionalidade em sentido
lato (“Verhältnismäßigkeitprinzip”),
implica um controle em três fases: a) o primeiro é o da idoneidade, pela
qual os meios empregados devem ser idôneos a perseguir o fim fixado pela lei;
b) o segundo é a necessidade, ou seja, a Administração, entre várias escolhas
idôneas a alcançar o fim perseguido, deve escolher o que gera menor sacrifício
aos interesses em conflito, o juiz é chamado a verificar o terreno dos fatos; e
c) o terceiro, a proporcionalidade em sentido estrito que requer um balanceamento
entre os interesses em jogo, ou seja, entre as vantagens de buscar o fim
público em relação aos prejuízos causados aos interesses privados.
Através
desses padrões ou técnicas como a proibição de excesso
(=proporcionalidade), é possível constranger a Administração (e, de um modo
geral, os poderes públicos) a um plano menos indevassável. No que concerne ao
requisito da idoneidade e proporcionalidade em sentido estrito, a legislação
municipal não subsiste.
Ocorre
que, como se pode observar, a matéria sobre a qual se legislou naquele
Município relaciona-se diretamente com a segurança pública e com a instalação e
manutenção de centros de detenção provisória e casas destinadas à internação
provisória de adolescentes aos quais seja atribuída a prática de atos
infracionais – atividades que são da responsabilidade do Estado, por força de
expressa previsão constitucional (Constituição dos Estado, artigos 139 e 278,
inciso VI).
A
segurança pública é definida como o afastamento, por meio de organizações
próprias, de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, em
prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão (cf.
De Plácido e Silva, in “Vocabulário Jurídico”, volume IV, Editora Forense, Rio
de Janeiro, p.188).
Quanto
a esse primeiro aspecto, releva notar que a Constituição de 1988 não atribuiu
aos Municípios nenhuma responsabilidade no campo da segurança pública, apenas
admitindo a possibilidade de constituição de guardas municipais com a finalidade
específica de proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser
a lei (art. 144, parágrafo 8°).
Ao
tratar da organização da segurança pública, José Afonso da Silva preleciona
que:
“Há uma repartição de competências
nessa matéria entre a União e os Estados, de tal sorte que o princípio que rege
é o de que o problema da segurança pública
é de competência e responsabilidade de cada unidade da Federação, tendo em
vista as peculiaridades regionais e o fortalecimento do princípio federativo,
como, aliás, é da tradição do sistema brasileiro.
Quando a Constituição atribui às
policiais federais, competência na matéria, logo se vê que são atribuições em
campo e questões delimitadas e devida e estritamente enumeradas, de maneira
que, afastadas essas áreas especificadas, a segurança pública é de competência
da organização policial dos Estados, na forma prevista no art. 144, §§4º, 5º e
6º.
Cabe, pois, aos Estados organizar a
segurança pública. Tanto é de sua responsabilidade primária o exercício dessa
atividade que, se não a cumprir devidamente, poderá haver ocasião de
intervenção federal ’pôr termo a grave comprometimento da ordem pública’” (cf.
Curso de Direito Constitucional positivo, Malheiros, 8ª ed., p. 659).
A
competência atribuída ao Estado para organizar a segurança pública,
expressamente definida na Constituição, pressupõe necessariamente a outorga de
poderes para a implantação da política de defesa social, de modo a assegurar a
preservação da ordem pública e resguardar a integridade física e mental dos
custodiados.
No
que concerne à proteção à infância e adolescência, um dos aspectos nela inseridos
refere-se à construção de casas para internação de adolescentes aos quais seja
atribuída a prática de atos infracionais.
Trata-se,
em última análise, de uma especificação do dever relativo à segurança pública
(cf. Fernanda Leão Almeida e Martha Toledo Machado. “Privatização de medida
privativa de liberdade imposta a adolescente-inconstitucionalidade, tese apresentada
no 18º Congresso da Associação Brasileira de magistrados e Promotores da
Infância e Juventude, Gramado, RS,
Pela
teoria dos poderes implícitos (implied powers) – originada no voto de Marshall,
proferido no leading case Mc Culloch
versus Maryland, de 1819- quando o Governo recebe poderes no sentido de
cumprir certas finalidades estatais, dispõe também, implicitamente, dos meios
necessários de execução. Se o governante tem atribuição para praticar certos
atos, cabe-lhe igualmente exercer aquelas que possibilitem seu exercício (cf.
Caio Mário da Silva Pereira, em “Pareceres do consultor-Geral da República”,
volume 68, p.p 99/100).
Ora,
a implantação de uma política de segurança à criança e ao adolescente, nos
moldes existentes nos países mais desenvolvidos, depende efetivamente da construção
de casas destinadas ao recolhimento de adolescentes autores de atos
infracionais, pois que sem a definição de locais adequados para o cumprimento
das medidas sócio-educativas torna-se praticamente impossível ao Estado
exercitar a competência que lhe foi outorgada pela Constituição.
Nesse
caso, verifica-se que, a pretexto de tratar de assunto de interesse local (art.
30, inciso I), o Município de Presidente Prudente exorbitou e muito no
exercício de sua competência legislativa, cerceando a atuação do Estado de São
Paulo no campo da segurança pública, ao editar lei que proíbe a instalação de
centros de detenção provisória ou estabelecimentos congêneres, inclusive
correicionais para menores.
A
iniciativa do Município de Presidente Prudente deve ser tida por desarrazoada,
pois, além de não contribuir em nada para a resolução do problema relacionado à
prática de atos infracionais por adolescentes, deixou de levar em consideração
que: (a) a base territorial dos Estados é composta pela totalidade da área dos
Municípios e (b) o problema da superpopulação das unidades de internação de
adolescentes será agravado, com grave comprometimento da ordem pública.
Com
efeito, se a lei editada no Município de Presidente Prudente for tida em
conformidade com o ordenamento jurídico vigente, o que se admite apenas a
título de argumentação, os demais Municípios estariam autorizados a adotar
postura semelhante, mediante a proibição da instalação de estabelecimentos
destinados ao acolhimento de adolescentes e presos provisórios em seu
território, ficando o Estado de São Paulo impossibilitado de exercer a sua
competência no campo da segurança pública.
Há ainda a considerar que a lei em questão – derivada de projeto de iniciativa parlamentar – interfere no exercício de atividade tipicamente executiva do Prefeito, ao criar restrições ao uso do próprio municipal. Assim, a par dos preceitos constitucionais já indicados, vê-se também a nítida violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 5° da Constituição Paulista, e em outros termos no artigo 47, incisos II e XIV, da mesma Carta Política.
III - DA SUSPENSÃO
LIMINAR.
Tendo em vista a vigência da lei, autêntica usurpação de competência legislativa, a impedir a instalação de estabelecimentos prisionais, casas para reformatório de menores, centro de ressocialização e similares no município, necessária a liminar. Quando se trata do controle normativo abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos requisitos concernentes ao fumus boni juris e ao periculum in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão de eficácia da legislação impugnada, até o advento da decisão final.
A lei impedidora não pode se sobrepor às Constituições Estadual e Federal, causando nítido prejuízo à administração penitenciária do Estado de São Paulo, tema tão sensível quanto de difícil solução para todos.
Neste caso, os requisitos do perigo na demora e da fumaça do bom direito se fazem presentes, de modo que está translúcida a conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia da lei em questão. De resto, ainda que não houvesse singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
É o que se requer.
IV - PEDIDO FINAL
Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da lei aqui apontada.
Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei n° 5.577, de 24 de abril de 2001, do Município de Presidente Prudente, que “proíbe em todo o território municipal, quer urbano ou rural, a instalação de Presídios, Casas para Reformatório de menores, Presídios Provisórios, Centro de Ressocialização e similares”
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Presidente Prudente, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre a legislação impugnada.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 1º de fevereiro de 2012.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
vlcb
Protocolado nº 124.860/11
Interessado:
Promotoria de Justiça de Presidente Prudente
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 5.577, de 24 de abril de 2001, do Município de Presidente Prudente.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n° 5.577, de 24 de abril de 2001, do Município de Presidente Prudente, que “proíbe em todo o território municipal, quer urbano ou rural, a instalação de Presídios, Casas para Reformatório de menores, Presídios Provisórios, Centro de Ressocialização e similares”.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 1º de fevereiro de 2012.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
vlcb