EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 125.960/10

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei nº 2.244/90, do Município de Sumaré.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo PGJ, dos arts. 294 a 302 da Lei nº 2.244, de 13 de dezembro de 1990, que “institui o Código Tributário do Município de Sumaré e dá outras providências”. Dispositivos que, ao criarem a Contribuição de Melhoria, divorciam-se da norma padrão de incidência tributária traçada pelo art. 160, inc. III, da Constituição Paulista. Base de cálculo que despreza o quantum da valorização imobiliária decorrente de obra pública. Impossibilidade. Precedentes do STF e do TJSP.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE dos arts. 294 a 302 da Lei nº 2.244, de 13 de dezembro de 1990, que “institui o Código Tributário do Município de Sumaré e dá outras providências”, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 2.244, de 13 de dezembro de 1990, que “institui o Código Tributário do Município de Sumaré e dá outras providências”, possui as seguintes disposições sobre a “contribuição de melhoria”:

TÍTULO III

DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA

CAPÍTULO I

DO FATO GERADOR E DA INCIDÊNCIA

Artigo 294 – A Contribuição de Melhoria tem como fato gerador a execução de obras públicas.

Artigo 295 – A Contribuição de Melhoria será devida pelos proprietários dos imóveis direta ou indiretamente beneficiados por quaisquer obras públicas executadas pelos órgãos da Administração direta ou indireta do Governo Municipal.

Artigo 296 – As obras públicas que justifiquem a cobrança da Contribuição de Melhoria enquadrar-se-ão em dois programas:

I – ordinário, quando referentes a obras preferenciais, de iniciativa da própria administração;

II – extraordinário, quando referente a obra de menor interesse geral, executada através de Plano Comunitário Municipal, nos termos da legislação específica.

CAPÍTULO II

DOS CONTRIBUINTES

Artigo 297 – A Contribuição de Melhoria será cobrada dos proprietários, dos titulares do domínio útil ou dos possuidores a qualquer título, de imóveis beneficiados por obra pública.

§ 1º - A obrigação do pagamento de contribuição de melhoria se transmite aos adquirentes e sucessores, a qualquer título, do imóvel.

§ 2º - Os bens indivisos serão considerados como pertencentes a um só proprietário.

Artigo 298 – O cálculo da Contribuição de Melhoria tem como limite total a despesa realizada, e sua base é o custo da obra.

§ 1º - O custo da obra será rateado pelos contribuintes de acordo com a testada do imóvel beneficiado direta ou indiretamente.

§ 2º - Na verificação do custo da obra serão computadas as despesas de estudos, projetos, fiscalização, desapropriações, administração, execução e financiamento, inclusive prêmios de reembolso e outros de praxe em financiamentos ou empréstimos.

§ 3º - O custo da obra terá a sua expressão monetária atualizada de acordo com a variação da UFMS.

§ 4º - A Administração decidirá sobre as obras públicas ou sistema de obras a serem ressarcidas mediante cobrança de Contribuição de Melhoria.

§ 5º - A Administração decidirá que proporção do valor da obra será recuperada através da cobrança da Contribuição de Melhoria.

§ 6º - A percentagem do custo da obra a ser cobrada como Contribuição de Melhoria será fixada tendo em vista a natureza da obra, os benefícios para os usuários, as atividades econômicas predominantes e o nível de desenvolvimento da região.

§ 7º - O custo do melhoramento a ser cobrado dos proprietários de imóveis de esquina, no caso de pavimentação asfáltica ou calçamento, será calculado proporcionalmente às suas testadas, prolongando-se até o limite da bissetriz do ângulo da via pavimentada ou da calçada, e reduzido de cinqüenta por cento (50%) de seu valor. (redação dada pela Lei nº 3.008/97)

CAPÍTULO IV

DA COBRANÇA

Artigo 299 – Para a cobrança da Contribuição de Melhoria, a administração deverá publicar edital contendo, entre outros, os seguintes elementos:

I – relação dos imóveis a serem beneficiados;

II – memorial descritivo do projeto;

III – orçamento total ou parcial do custo das obras;

IV – determinação da parcela do custo das obras a ser ressarcido pela Contribuição de Melhoria.

Parágrafo único – O disposto neste artigo aplica-se também aos casos de cobrança da Contribuição de Melhoria por obras públicas em execução, constantes de projetos ainda não concluídos.

Artigo 300 – Executada a obra de melhoramento na sua totalidade ou em parte suficiente para beneficiar determinados imóveis, de modo a justificar o início da cobrança da Contribuição de Melhoria, proceder-se-á ao lançamento referente a esses imóveis e à notificação dos proprietários.

Artigo 301 – A notificação de lançamento ao contribuinte deverá ser feita diretamente ou por edital e conterá:

I – o valor da Contribuição de Melhoria lançada;

II – a forma de pagamento, seu local e suas modalidades;

§ 1º - Dentro do prazo que lhe for concedido na notificação de lançamento, não inferior a 30 (trinta) dias, o contribuinte poderá apresentar, ao órgão lançador, impugnação por escrito.

§ 2º - Os requerimentos de impugnação, como também quaisquer recursos administrativos, não suspendem o início ou o prosseguimento das obras, nem terão efeito de obstar a administração na prática dos atos necessários ao lançamento e à cobrança da Contribuição de Melhoria.

CAPÍTULO V

DO PAGAMENTO

Artigo 302 – A Contribuição de Melhoria será paga de uma só vez ou em até 24 (vinte e quatro) parcelas iguais e mensais, atualizadas monetariamente, de acordo com a variação da UFMS.

§ 1º - A prestação mensal não poderá ser inferior a 3 (três) UFMS, vigentes por ocasião do lançamento.

§ 2º - No caso da Contribuição de Melhoria prevista no artigo 296, item II, o pagamento será feito em parcelas iguais, mensais, sucessivas e atualizadas, em até o mesmo número de parcelas do plano comunitário de origem, acrescido dos custos de administração da Prefeitura Municipal, fixados em 10% (dez por cento) do valor do débito, relativamente aos não anuentes e aos inadimplentes.

§ 3º - Excepcionalmente, o débito, em qualquer dos casos previstos no “caput” e parágrafo deste artigo, poderá ser pago em até 48 (quarenta e oito) parcelas, dependendo de requerimento no caso dos inadimplentes. (redação dada pela Lei nº 2.865/96)

Contudo, é possível afirmar que os dispositivos transcritos ofendem frontalmente o artigo 160, inc. III, da Constituição do Estado de São Paulo, assim redigido:

Artigo 160 - Compete ao Estado instituir:

(...)

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas;

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Na ordem constitucional em vigor, os Municípios integram a Federação e têm assegurada sua autonomia, atendidos os princípios estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado (art. 29, Constituição Federal). Essa autonomia se revela pelas competências outorgadas a tais entes federativos para legislarem sobre assuntos de interesse local; suplementarem a legislação federal e a estadual no que couber; instituírem e arrecadarem os tributos que lhes são próprios (art. 30, Constituição Federal), a par de outras.

É bem de ver, porém, que a competência tributária dos entes públicos municipais (consubstanciada na capacidade de instituir tributos) encontra limites nas normas da Constituição Federal atinentes ao Sistema Tributário Nacional, dispostas nos arts. 145 e seguintes (e reproduzidas nos arts. 159 e seguintes da Constituição Estadual), que envolvem princípios incontornáveis, dentre os quais as regras matrizes dos tributos.

Realmente, mesmo se admitindo que a Constituição em vigor não criou tributos, é certo que, além de discriminar competências, ela traçou a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem ser instituídos pelas entidades estatais. Assim, ao conferir às pessoas políticas competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições, a Constituição Federal, em seu art. 145, classifica juridicamente os tributos, traçando o modelo de cada um deles e vinculando ao legislador ordinário.

De acordo com o magistério de Roque Antonio Carrazza, “a Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional” (Curso de Direito Constitucional Tributário, 4.ª ed., p. 257).

Nesse mesmo sentido é a orientação que emerge da Corte Constitucional brasileira, acentuando que “o fundamento do poder de tributar (...) reside no dever jurídico de essencial e estrita fidelidade dos entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Constituição da República” (Min. Celso de Mello, Informativo STF nº. 125), sendo, portanto, inconstitucional qualquer tributo criado fora desses limites.

Assentadas essas premissas, vê-se que a Contribuição de Melhoria instituída no Município de Sumaré não se ajusta à moldura traçada pelo art. 160, inc. III, da Carta Paulista.

A Contribuição de Melhoria de que trata a Constituição Bandeirante – que, nesse passo, reproduz o disposto no art. 145, inc. III, da CF – pressupõe uma atuação estatal, que só pode consistir em obra pública que cause valorização imobiliária, isto é, aumente o valor de mercado dos imóveis localizados nas suas imediações.

Em que pese o laconismo da atual Constituição acerca do assunto, sem a valorização dos imóveis circunvizinhos, seus proprietários não podem sofrer validamente a exação. Do contrário, bastaria que houvesse uma obra pública para que os proprietários dos imóveis adjacentes fossem compelidos a pagar o tributo, o que, à evidência, não se sustenta em termos constitucionais.

Explica Carrazza:

Ora, na medida em que a Constituição autorizou a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a criarem impostos, taxas e contribuição de melhoria, segue-se, logicamente, que contribuição de melhoria não é nem imposto, nem taxa. É tributo diferente de imposto. Deve, em conseguinte, ter hipótese de incidência e base de cálculo diversas das do imposto.

Logo, a contribuição de melhoria não pode se confundir com nenhum imposto; nem mesmo com o IPTU ou com o ITR. Deve, sim, levar em conta a mais-valia do imóvel, causada pela obra pública.

A hipótese de incidência da contribuição de melhoria não é ser proprietário de imóvel urbano ou rural, mas a realização de obra pública que valoriza o imóvel urbano ou rural. Sua base de cálculo, longe de ser o valor do imóvel (urbano ou rural), é o quantum da valorização experimentada pelo imóvel em decorrência da obra a ele adjacente. Ou, se preferirmos, é o incremento valorativo que a obra pública propicia ao imóvel do contribuinte (Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 23ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 542, g.n.).

Na lei impugnada, a base de cálculo é o custo da obra (art. 298). O legislador, como se constata, olvidou da valorização imobiliária, que é a circunstância que autoriza a tributação por essa via.

O ato normativo contempla, até mesmo, a cobrança de Contribuição de Melhoria por obras inacabadas (art. 299, parágrafo único), ou seja, despreza, por inteiro, o proveito econômico auferido pelo contribuinte, o que torna inconstitucional a exação da forma como foi criada.

Nesse sentido, a jurisprudência do STF:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. FATO GERADOR: QUANTUM DA VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA. PRECEDENTES. 1. Esta Corte consolidou o entendimento no sentido de que a contribuição de melhoria incide sobre o quantum da valorização imobiliária. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido (AI 694836 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-13 PP-02459 LEXSTF v. 32, n. 373, 2010, p. 96-99).

E ainda as seguintes decisões monocráticas: RE 352.535, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 17.6.2003; RE 279.027, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 19.8.2005; RE 469.578, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.6.2006; RE 335.924, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 12.4.2005, entre outros.

Dessa orientação, não diverge o E. Tribunal de Justiça:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal que, ao instituir o programa comunitário de melhoramentos, estabeleceu, no parágrafo único do art. 13, que os contribuintes não aderentes ao Programa, deveriam arcar com o valor das obras, a título de tributo. Inconstitucionalidade desse dispositivo. O sistema brasileiro não contempla a cobrança de tributo que corresponda ao valor da obra pública, cujo custeio deve ser feito mediante a arrecadação normal dos impostos. Ação julgada procedente (ADIN nº 994.02.107702-4, rel. Des. Júlio Cesar Viseu Júnior, Data de registro: 11/09/2002).

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei n° 633/1998, do Município de Hortolândia - Criação de mecanismo de cooperação entre o Poder Público e a população para execução de obras e melhoramentos de interesse comunitário - Inconstitucionalidade - Caracterização - Obrigação criada que tem natureza tributária - Sistema tributário brasileiro não prevê tributo que corresponda ao valor de obra pública - Obras públicas que devem ser custeadas com o produto da arrecadação tributária - Contribuinte que não pode ser duplamente onerado - Contribuição de melhoria só pode resultar da valorização da propriedade do contribuinte em razão de obra pública - § 3 do art. 23 da cita lei - Inconstitucionalidade declarada pela maioria - Dispositivo que trata de inadmissível imposição aos munícipes, obrigando-os a contratarem a execução de obra - Afronta aos arts. 111,144, 159 caput e 160, incisos I a IV, todos da Constituição Estadual – Configuração - Ação procedente (ADIN nº 994.06.006428-0, rel. Des. Sousa Lima, Órgão Especial, Data do julgamento: 27/06/2007, Data de registro: 15/01/2008).

3. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos arts. 294 a 302 da Lei nº 2.244, de 13 de dezembro de 1990, que “institui o Código Tributário do Município de Sumaré e dá outras providências”.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 29 de Dezembro de 2010.

 

ÁLVARO AUGUSTO FONSECA DE ARRUDA

Procurador-Geral de Justiça

Em exercício

 

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Protocolado nº 125.960/10

Interessado: Prefeitura Municipal de Hortolândia

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei nº 2.244/90, do Município de Sumaré.

 

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face, parcialmente, da Lei nº 2.244/90, do Município de Sumaré, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 29 de Dezembro de 2010.

 

 

 

ÁLVARO AUGUSTO FONSECA DE ARRUDA

Procurador-Geral de Justiça

Em exercício

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