EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 126.595/10

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, na redação original e na que foi dada pelas Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008, do Município de Itatiba.

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Legislação do parcelamento do solo urbano e de outras alternativas de urbanização para o território do Município de Itatiba. Falta de participação da comunidade no trâmite do projeto de lei. Inconstitucionalidade. Arts. 180, II e 191, Constituição Estadual.

 

         

 

 

          O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, na redação original e na que foi dada pelas Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008, do Município de Itatiba, pelos fundamentos a seguir expostos.

I - O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

1.                 A Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, dispõe sobre o parcelamento do solo e outras alternativas de urbanização para o território do Município de Itatiba, tendo experimentado parciais e tópicas modificações com o advento das Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008.

2.                 A mencionada lei, na redação primitiva ou na vigente, padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

3.                 Com efeito, a análise do trâmite do projeto de lei que resultou na edição da Lei n. 3.761/04, bem como dos referentes às Leis n. 3.855/05, n. 3.948/06 e n. 4.134/08 que a modificaram, revela a inobservância da prévia oitiva das entidades da comunidade.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

4.                 O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

5.                 A lei local impugnada (em sua redação original e na vigente) contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

(...)

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

6.                 Tais dispositivos resultaram violados. A Constituição Paulista exige que a disciplina do parcelamento do solo urbano e de matéria referente à urbanização, em sua elaboração e modificação, seja precedida de estudos técnicos e de oitiva da comunidade, de maneira a impedir revisões pontuais que molestem o desenvolvimento sustentável, a função social da cidade, o interesse público, o planejamento urbano, o bem-estar dos habitantes e a qualidade de vida nas comunas.

7.                 A Constituição Federal, no art. 30, VIII, prevê a competência dos Municípios para promover o “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”, e no art. 29, XII, preconiza a “cooperação das associações representativas no planejamento municipal”, reforçando a necessidade de abertura à participação popular prévia no processo legislativo das leis de cunho urbanístico.

8.                 Nesse diapasão, este Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu anteriormente pela imprescindibilidade do planejamento precedido de oitiva da comunidade e de estudos técnicos na produção da legislação urbanística:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

 

“Ação direta de inconstitucionalidade - Leis n° 1.305 de 5 de setembro de 2001; 1.340 de 27 de fevereiro de 2002 e 1.336 de 19 de fevereiro de 2002 que dispõe sobre a transformação de área rural em área urbana - Ausência de estudos técnicos, oitiva da comunidade e Plano Diretor à época da aprovação das leis - Clara intenção de majoração de arrecadação municipal - Violação ao princípio da democracia participativa e artigos 111, 144, 152, l, II e III ,180, II, V, 181, 191 e 196 da Constituição Estadual – Ação procedente” (TJSP, ADI 147.253-0/7-00, Órgão Especial, v.u., 20-02-2008).

9.                 Essas premissa foram louvadas pelo eminente Desembargador Samuel Junior em declaração de voto vencedor em julgamento proferido recentemente por esse colendo Órgão Especial, cuja ementa assim está redigida:

 

ação direta de inconstitucionalidade lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.

‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).

10.               Assim sendo, foram violados os preceitos que asseguram a democracia participativa, previstos no inciso II do art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual (que decorrem do inciso XII do art. 29 da Constituição Federal), e que alcançam a elaboração das leis urbanísticas (uso e ocupação do solo, parcelamento do solo etc.) antes e durante seu processo legislativo, até o estágio final de produção da lei.

11.               A ausência de participação comunitária não configura apenas um desprezo aos ditames da Constituição do Estado de São Paulo, mas, antes de tudo, fere princípio fundamental do Estado Democrático de Direito presente no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal.

12.               Ora, a falta de planejamento prévio pela supressão da participação comunitária e dos estudos técnicos obrigatórios, caracteriza a ocorrência de vício insanável no processo legislativo, conduzindo, destarte, ao reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, na redação original e na que foi dada pelas Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008, do Município de Itatiba.

III – Pedido liminar

13.               À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. De fato, a possibilidade de execução do parcelamento do solo construções com base na lei local impugnada tem o sério risco de gerar situação de insegurança jurídica, dado que o esteio dos correlatos e subjacentes atos administrativos é norma cujo processo produtivo é marcado pela ilegitimidade.

14.               Consulta o interesse público impedir que a execução da lei projete dano à ordem urbanística, assim como aos próprios loteadores e adquirentes de lotes ou glebas, pois, caso contrário, poderá haver comprometimento irremediável da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável da comuna.

15.               Ancorado nestas razões, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, na redação original e na que foi dada pelas Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008, do Município de Itatiba.

IV – Pedido

16.               Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, na redação original e na que foi dada pelas Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008, do Município de Itatiba.

17.               Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Itatiba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                    Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 20 de dezembro de 2010.

 

 

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 126.595/10

Interessado:  Promotoria de Justiça de Itatiba

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, na redação original e na que foi dada pelas Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008, do Município de Itatiba.

 

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 3.761, de 14 de setembro de 2004, na redação original e na que foi dada pelas Leis n. 3.855, de 27 de dezembro de 2005, n. 3.948, de 27 de dezembro de 2006, e n. 4.134, de 23 de dezembro de 2008, do Município de Itatiba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                    São Paulo, 20 de dezembro de 2010.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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