Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Complementar Municipal n.º 20, de 31 de dezembro de 2002, do Município de Peruíbe e dos Decretos n. 2.784, de 29 de agosto de 2006, n. 2.550, de 15 de julho de 2005 e n. 2.534, de 02 de junho de 2005, que regulamentam a referida lei. Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Delegação ao Poder Executivo para edição de decreto disciplinando os elementos objetivos do tributo (base de cálculo e alíquota), definidos nos Decretos acima mencionados. Constatação de Inconstitucionalidade: arts. 5º e § 1º, 111, 144 e 163, I, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 

 

 

                O Procurador-Geral de Justiça, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n.º 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com base nos elementos de convicção constantes do incluso protocolado (PGJ n.º 126.901/11), vem, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Complementar n.º 20, de 31 de dezembro de 2002, do Município de Peruíbe e, por dependência ou arrastamento, dos Decretos n. 2.784, de 29 de agosto de 2006, n. 2.550, de 15 de julho de 2005 e n. 2.534, de 02 de junho de 2005, que regulamentam referida lei, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:

 

1- DA LEGISLAÇÃO IMPUGNADA

 

         Assim dispõem a Lei referida e os citados Decretos:

 

 

            LEI COMPLEMENTAR Nº 020/02           

 

 

         Institui a contribuição de iluminação pública-CIP para o custeio dos serviços de iluminação pública prestados aos contribuintes nas vias e logradouros públicos.

 

Art. 1 - Fica instituída a Contribuição de Iluminação Pública – CIP, para o custeio dos serviços de iluminação pública prestados nas vias e logradouros públicos.

 

Parágrafo Único- Entende-se por iluminação pública aquela que esteja direta e regularmente ligada à rede de distribuição de energia elétrica e que sirva às vias e logradouros públicos.

 

Art. 2º - A contribuição incidirá sobre a prestação do serviço de iluminação pública, efetuada pelo Município no âmbito de seu território urbano.

 

Art. 3º - Contribuinte é o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor, a qualquer título, de unidade imobiliária servida por iluminação pública.

 

 

Art. 4º - A base de cálculo da Contribuição é o resultado do rateio do custo dos serviços de iluminação das vias e logradouros públicos pelos contribuintes, em função do número de unidades imobiliárias servidas pelo sistema por iluminação pública.

 

§ 1º – O valor do rateio da contribuição, apurado com base no custeio anual do serviço de iluminação das vias e logradouros públicos, observará a distinção entre contribuintes de natureza industrial, comercial, residencial, serviços públicos e poder público e será pago em 12 (doze) parcelas mensais fixadas em ato do Poder Executivo.

 

§ 2º - O custeio de serviço de iluminação pública compreende:

 

a) despesas com energia consumida pelos serviços de iluminação pública;

 

b) despesas com administração, operações, manutenção, eficiência e ampliação do sistema de iluminação pública;

 

Art. 5º - É facultada a cobrança da Contribuição na fatura de consumo de energia elétrica, emitida pela empresa concessionária ou permissionária local condicionada à celebração de contrato ou convênio.

 

Parágrafo único- O Poder Executivo fica autorizado a celebrar contrato ou convênio com a empresa concessionária ou permissionária de energia local, para promover a arrecadação da Contribuição de Iluminação Pública-CIP.

 

Art. 6º - Aplicam-se à Contribuição, no que couber, as Normas do Código Tributário Nacional e legislação tributária do Município, inclusive aquelas relativas a infrações e penalidades.

           

Art. 7º - Fica criado o Fundo Municipal da Iluminação Pública, administrado pelo Departamento Municipal da Fazenda, para onde deverão ser carreados todos os recursos decorrentes da arrecadação da nova contribuição, permitindo assim, com a transparência necessária, o precisar exatamente o valor arrecadado e a utilização dos recursos da contribuição de iluminação pública.

 

Art. 8º - Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do dia 1º (primeiro) de janeiro de 2003.

 

Art. 9º - Esta Lei Complementar será regulamentada no prazo de 30 (trinta) dias a partir da data de sua publicação.

 

Art. 10º - Revogam-se as disposições em contrário”.   

           

 

                        DECRETO  N. 2.784/06

 

 

                            Regulamenta a Lei Complementar Municipal n. 20, de 31 de dezembro de 2002 que “Institui a Contribuição de Iluminação Pública-CIP para o custeio dos serviços de Iluminação Pública prestados aos contribuintes nas vias e logradouros públicos”.

 

 

“Art. 1º - Ficam instituídas novas alíquotas relativas à Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública-CIP, conforme tabela anexa a este Decreto.

 

Art. 2º - O Poder Público Municipal manterá convênio com empresa concessionária de energia elétrica para realizar cobrança da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública.

           

Parágrafo único- A cobrança e o repasse dos valores concernentes à Contribuição serão procedidos nos termos do parágrafo único, do art. 5º, da LC n. 20 de 31 de dezembro de 2002.

 

Art. 3º - A Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública será recolhida através das faturas mensais de consumo de energia elétrica, emitidas pela empresa concessionária.   

 

Parágrafo Único – Os valores arrecadados pela empresa concessionária serão repassados, nos prazos fixados no convênio ou contrato, ao Fundo Municipal de Iluminação Pública, que providenciará sua destinação.

 

Art. 4º - A base de cálculo para a cobrança da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública, dos imóveis edificados e cadastrados junto à empresa concessionária, será o valor mensal do seu consumo total de energia elétrica, constantes das faturas emitida mensalmente.

 

§ 1º - As alíquotas de contribuição, conforme a tabela anexa, são diferenciadas tornando por  base a classe de consumidores e a quantidade de consumo medido em kwh (quilowatt-hora);

 

§ 2º - Ficam excluídos da base de cálculo da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública, valores de consumo que superarem os limites estabelecidos na tabela anexa;                       

 

§ 3º - A determinação da classe/categoria, constante da tabela anexa, observará as normas da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL ou entidade reguladora que vier a substituí-la; e

 

§ 4º - Os valores da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública não recebidos pela empresa concessionária, serão mantidos a disposição do Município para inscrição em dívida ativa.

 

Art. 5º - O atraso no pagamento da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação  Pública resultará em encargo de mora de 2% (dois por cento) de multa, juros de 1% (um por cento) pro rata tempore die e correção monetária.

 

Art. 6º - As despesas decorrentes da aplicação deste Decreto Municipal correrão por conta de verbas consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.

 

Art. 7º - Este Decreto entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2007, ocasião, que estará revogado o Decreto n. 2.550, de 15 de julho de 2005”.

 

 

DECRETO N. 2.550/05

 

                      

                   Regulamenta a Lei Complementar Municipal n. 20, de 31 de dezembro de 2002.

 

 Art. 1º - Ficam instituídas as alíquotas relativas à Contribuição para Iluminação Pública – CIP, conforme tabela anexa a este Decreto Municipal, regulamentando o art. 9º da Lei Complementar Municipal n. 20 de 31 de dezembro de 2002.

 

 Art. 2º - O Município conveniará ou contratará com empresas concessionárias dos serviços de iluminação pública no Município a forma de cobrança e repasse dos recursos relativos a Contribuição para Iluminação Pública- CIP, nos termos do caput e parágrafo único do art. 5º da Lei Complementar n. 20.

 

Art. 3º - A Contribuição de Iluminação Pública-CIP será recolhida através das faturas mensais de consumo de energia elétrica, emitidas pelas empresas concessionárias dos serviços de iluminação pública no Município, respeitados, visto parágrafo único do art. 5º da Lei Complementar n. 20, os termos do contrato ou convênio que vier a ser firmado.

 

Parágrafo único – Os valores arrecadados pelas empresas concessionárias dos serviços de iluminação pública serão repassados, nos prazos fixados nos convênios ou contratos, ao Fundo Municipal de Iluminação Pública, regulamentado pelo Decreto Municipal n. 2.535, de 02 de junho de 2005, que providenciará sua destinação.

 

Art. 4º - A base de cálculo da Contribuição de Iluminação Pública – CIP, para os imóveis edificados e cadastrados junto às empresas concessionárias dos serviços de iluminação pública do Município, é o valor mensal do seu consumo total de energia elétrica, constantes das faturas mensais emitidas.

 

§ 1º - As alíquotas de contribuição, conforme a tabela anexa, são diferenciadas tornando por  base a classe de consumidores e a quantidade de consumo medido em kwh (quilowatt-hora);

 

§ 2º - Ficam excluídos da base de cálculo da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública, valores de consumo que superarem os limites estabelecidos na tabela anexa;                       

 

§ 3º - A determinação da classe/categoria, constante da tabela anexa, observará as normas da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL ou entidade reguladora que vier a substituí-la; e

 

§ 4º - Os valores da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública - CIP não recebidos pela empresa concessionária, serão mantidos a disposição do Município para inscrição em dívida ativa, nos termos da legislação vigente.

 

Art. 5º - O atraso no pagamento da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação  Pública resultará em encargo de mora de 2% (dois por cento) de multa, juros de 1% (um por cento) pro rata tempore die e correção monetária.

 

Art. 6º - As despesas decorrentes da aplicação deste Decreto Municipal correrão por conta de verbas consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.

 

Art. 7º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogado o Decreto Municipal n. 2.534, de 02 de junho de 2005”.

 

 

 

DECRETO N. 2.534/05

 

                   Regulamenta a Lei Complementar n. 2.534, de 02 de junho de 2005.

 

“ Art. 1º - Ficam instituídas as alíquotas relativas à Contribuição para Iluminação Pública – CIP, conforme tabela anexa a este Decreto Municipal, regulamentando o art. 9º da Lei Complementar Municipal n. 20 de 31 de dezembro de 2002.

 

Art. 2º - A contribuição será recolhida através de fatura mensal de consumo de energia elétrica, emitida pela empresa concessionária ou permissionária dos serviços de iluminação pública, respeitados, visto parágrafo único do art. 5º da Lei Complementar n. 20/2002, os termos do contrato ou convênio que vier a ser firmado.

 

Parágrafo único- Os valores arrecadados pela empresa concessionária dos serviços de iluminação pública serão repassados imediata e integralmente ao Fundo Municipal de Iluminação Pública que providenciará sua destinação, sendo vedada a retenção na fonte de quaisquer créditos que venha a possuir a concessionária junto a esta Prefeitura.

 

Art. 3º - As despesas decorrentes da aplicação deste decreto correrão por conta de verbas consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.

 

Art. 4º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

 

 

         A legislação municipal anteriormente reproduzida - como será visto a seguir - é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, mais precisamente com os seus arts. 5º, 111, 144,  e 163, inciso I, que dispõem o seguinte:

        

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

 

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

 

           

Art. 163 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:

           

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”

 

                     Na ordem constitucional em vigor, os Municípios integram a federação e têm assegurada sua autonomia, atendidos os princípios estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado (CF., art. 29, caput). Basicamente, essa autonomia se revela pelas competências outorgadas a tais entes federativos para legislarem sobre assuntos de interesse local; suplementarem a legislação federal e a estadual no que couber; “instituírem e arrecadarem os tributos que lhes são próprios (CF., art. 30, inciso III), além de outras.

 

                   É bem de ver, porém, que a competência tributária dos entes públicos municipais - consubstanciada na capacidade de instituir tributos - encontra limites nas normas da Constituição Federal atinentes ao Sistema Tributário Nacional (CF., art. 145 e segs.), que envolvem princípios incontornáveis, dentre os quais as regras matrizes dos tributos.

 

                   De fato, mesmo admitindo-se que a Constituição em vigor não criou tributos, é certo que, além de discriminar competências, ela traçou a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem ser instituídos pelas entidades estatais. Assim sendo, ao conferir às pessoas políticas competência para a instituição de “impostos, taxas e contribuições”, a Constituição da República no seu art. 145 classifica juridicamente os tributos, traçando o modelo de cada um deles e vinculando ao legislador ordinário.

 

                   Sobre o tema, ROQUE ANTONIO CARRAZZA formulou as seguintes considerações:

 

 A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital)  enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.” (Cf. “Curso de Direito Constitucional Tributário”, RT, 4.ª ed., p. 257).

 

 

                Nesse mesmo sentido é a orientação que emerge da mais elevada Corte Judiciária de nosso País, (‘verbis’): “O fundamento do poder de tributar (...) reside no dever jurídico de essencial e estrita fidelidade dos entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Constituição da República”. (v. Despacho proferido pelo Ministro-Presidente CELSO DE MELLO, Informativo n.º 125), sendo, portanto, inconstitucional qualquer tributo criado fora desses limites.        

 

                  Vistos esses aspectos, tem-se no caso sob exame que a Lei Complementar Municipal n. 20/02, regulamentada pelos Decretos já referidos, embora tenha instituído a Contribuição de Iluminação Pública – CIP para o custeio dos serviços de iluminação pública prestados aos contribuintes nas vias e logradouros públicos do Município de Peruíbe, deixou de tratar dos elementos objetivos quantitativos do tributo –  base de cálculo e alíquota – outorgando autêntica delegação legislativa ao Poder Executivo absolutamente vedada em geral, e, em especial, em matéria tributária, sujeita à reserva legal.

 

                   Ora, conferir a ato normativo ulterior do Chefe do Poder Executivo a tarefa de definição da base de cálculo e da instituição da alíquota do tributo ofende o art. 163, I, da Constituição Estadual (que reproduz o art. 150, I, da Constituição Federal). Pois, somente lei pode criar ou majorar tributo, expressão inclusiva da definição de seus elementos objetivos (como base de cálculo e alíquota) e subjetivos. Tratando-se de limite negativo à intervenção estatal na propriedade e na liberdade, é inadmissível seu tratamento por outro ato normativo senão lei em sentido formal,  vedada qualquer delegação, em razão do princípio da separação de poderes, cuja expressão na Constituição Estadual proíbe delegação legislativa (art. 5º e § 1º), preceitos aplicáveis aos Municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual.

 

                   Nesse sentido, a lição de Roque Antônio Carrazza afirma que:

 

“o patrimônio dos contribuintes só pode ser atingido nos casos e modos previstos na lei, que deve ser geral e abstrata, igual para todos e irretroativa (art. 150, III, 'a', da CF), não confiscatória (art. 150, IV, da CF) etc. O tributo, pois, deve nascer da lei (editada, por óbvio, pela pessoa política competente). Tal lei deve conter todos os elementos e supostos da norma jurídica tributária (hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas bases de cálculo e alíquotas), não se discutindo, de forma alguma, a delegação, ao Poder Executivo, da faculdade de defini-los, ainda que em parte. Remarcamos ser da exclusividade da lei, não só a determinação da hipótese de incidência do tributo, como, também, de seus elementos quantitativos (base de cálculo e alíquota). É evidente, portanto, que o Executivo não poderá apontar - nem mesmo por delegação legislativa - nenhum aspecto essencial da norma jurídica tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Não discrepa desta linha Paulo de Barros Carvalho: 'Assinale-se que à lei instituidora do gravame é vedado deferir atribuições legais a normas de inferior hierarquia, devendo, ela mesma dar  a plenitude da regra matriz motivo por que é inconstitucional, certa prática, cediça no ordenamento brasileiro,  e consistente na delegação de poderes para que órgãos administrativos  completem o perfil dos tributos. E o que acontece com diplomas normativos que autorizam certos órgãos da Administração  Pública federal a expedirem normas que dão acabamento à figura tributária concebida pelo legislador ordinário. Mesmo nos casos em que a Constituição dá ao Executivo federal a prerrogativa de manipular o sistema de alíquotas, como no  caso do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), tudo se faz dentro de limites que a lei especifica'. Irrefutável, deste modo, o entendimento acerca da invalidade da  delegação de poderes à Administração para que venha a dispor sobre qualquer dos elementos da regra-matriz tributária,  tarefa esta circunscrita à lei instituidora do gravame. (...) O princípio da legalidade alcança todos os tributos, abrangendo, pois, os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria. Também a ele não se subtraem os empréstimos compulsórios, impostos extraordinários, as contribuições parafiscais e as contribuições a que alude o art. 149, da Constituição Federal, que, com serem tributos, podem, a nosso ver, ser reconduzidos, dependendo de suas hipóteses de incidência, a uma destas três modalidades” (Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros,  16ª ed., p. 217).

 

                   Com requintada precisão dogmática, Hugo de Brito Machado expõe que função exclusiva da lei:

 

“é estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago. Assim, a lei instituidora do tributo há de conter: (a) a descrição do fato tributável; (b) a definição da base de cálculo e da alíquota ou outro critério a ser utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; (c) o critério para identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; (d) o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade” (Curso de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, 2002, 20ª ed. p. 41).

 

                   Destarte, a lei local impugnada é inteiramente inconstitucional. Nenhuma valia tem um diploma tributário que institui tributo, mas, não fixa seus elementos quantitativos (alíquota e base de cálculo), ou outros elementos da exigência tributária.

 

                     Neste sentido, explica Oswaldo Luiz Palu que:

 

“será total ou parcial a inconstitucionalidade conforme atinja todo um ato normativo ou apenas parte dele, seja uma norma em relação a um conjunto delas, ou parte de uma norma em relação a ela mesma. Aqui vige o princípio da conservação dos atos jurídicos, de inegável caráter utilitário. Também a inconstitucionalidade negativa ou por omissão pode ser parcial quando, v.g., a falta de cumprimento pelo órgão público encarregado de certo ato for apenas de alguns aspectos determinados pela Constituição e não omissão absoluta, como ocorreria na hipótese da outra categoria (inconstitucionalidade negativa total). Naquela existem normas insuficientes, entretanto, ao atendimento do determinado constitucionalmente; nesta, autêntico vazio normativo a respeito (black hole). Ocorre, às vezes, que a inconstitucionalidade parcial transmuda-se em inconstitucionalidade total. Suponha-se o caso de um ato normativo que, em consequência da declaração de inconstitucionalidade parcial de seu texto, deixe o restante sem qualquer significado. O critério da dependência aplica-se, aqui, para nulificar todo o ato. No mesmo sentido, se uma norma, que faz parte de uma regulamentação geral sobre determinado assunto dando-lhe substrato jurídico, for declarada inconstitucional, os demais também serão nulificados (critério da interdependência)” (Controle de Constitucionalidade – conceitos, sistemas e efeitos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., p.  75).

 

                   Estas mesmas premissas valem para demonstração da inconstitucionalidade do Decreto em vigor e dos anteriores que foram revogados.

 

                  Com a definição dos elementos objetivos quantitativos do tributo  base de cálculo e alíquotas - houve franca violação ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), pois, como já mencionado anteriormente as matérias são sujeitas à reserva de lei, configurando, concorrentemente, afronta à legalidade tributária especificamente prevista nos arts. 111 e 163, I, da Constituição Paulista.

                 

                  Observe-se, também, que não se trata de mera regulamentação da lei, mas de nítido ato normativo complementar à lei, com autonomia para sobrevivência mesmo em face de sua derrogação.

 

                  Tais normas são passíveis de fiscalização abstrata de constitucionalidade nesta sede porquanto são atos normativos de caráter abstrato, genérico, impessoal e indeterminado, nos termos da jurisprudência (RTJ 143/510).

 

                  Neste sentido:

 

“é admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

 

 

                   Embora revogados os decretos anteriores ao vigente Decreto n. 2.784, de 29 de agosto de 2006, os mesmos igualmente devem ser declarados inconstitucionais, nos termos acima delineados, a fim de se evitar sua repristinação.

 

                   É imperiosa essa necessidade:

 

“FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM TESE E EFEITO REPRISTINATÓRIO. - A declaração de inconstitucionalidade ‘in abstracto’, considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 - RTJ 194/504-505 - ADI 2.867/ES, v.g.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores. Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória. A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional. Doutrina. Precedentes (ADI 2.215-MC/PE,     Rel.   Min.      CELSO     DE          MELLO,

‘Informativo/STF’ nº 224, v.g.). - Considerações em torno da questão da eficácia repristinatória indesejada e da necessidade de impugnar os atos normativos, que, embora revogados, exteriorizem os mesmos vícios de inconstitucionalidade que inquinam a legislação revogadora. - Ação direta que impugna, não apenas a Lei estadual nº 1.123/2000, mas, também, os diplomas legislativos que, versando matéria idêntica (serviços lotéricos), foram por ela revogados. Necessidade, em tal hipótese, de impugnação de todo o complexo normativo. Correta formulação, na espécie, de pedidos sucessivos de declaração de inconstitucionalidade tanto do diploma ab-rogatório quanto das normas por ele revogadas, porque também eivadas do vício da ilegitimidade constitucional. Reconhecimento da inconstitucionalidade desses diplomas legislativos, não obstante já revogados” (STF, ADI 3.148-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 13-12-2006, m.v., DJ 28-09-2007, p. 26).

 

 

                   2) PEDIDO LIMINAR

 

                   Face ao exposto, requer, inicialmente, a concessão de medida liminar, à vista da cumulativa satisfação dos requisitos legais concernentes ao fumus boni juris e ao periculum in mora, para a suspensão da eficácia das normas impugnadas até o final julgamento da respectiva ação direta de inconstitucionalidade.

 

                  Está presente a situação de risco peculiar de tributação ilegítima, em que há um permanente estado de ameaça gerado pela potencialidade de ato administrativo fiscal dirigido ao contribuinte, devendo se evitar o pagamento de tributo inconstitucional que atinge milhares de pessoas e cuja repetição do indébito exigirá a atomização de longas e dispendiosas demandas para sobrepujar o solve et repete. Em suma: há justo receio de lesão ao direito que tem o contribuinte de não pagar uma dívida tributária cuja fonte normativa foi moldada em total afronta às normas constitucionais.

 

                   De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (ADI-MC 125, Rel. Min. Celso de Mello, 15-02-1990, DJ 04-05-1990, p. 3.693; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJ 25-09-1992, p. 16.182).

 

                   Tais afirmações se ajustam com precisão aos casos, como o presente, cuja matéria em discussão é tributária. Com efeito, as limitações constitucionais ao poder estatal de tributar têm manifesta relevância, e é inegável que convém ao bem comum assegurar o efetivo império de seus princípios.

 

                   Como se sabe, “o exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional, que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes”. Bem por isso, “os princípios constitucionais tributários (...), sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal” (STF, ADI-MC 712-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 07-10-1992).

 

                   3) DO PEDIDO  

 

                   Face ao exposto, requer, ao final, que seja julgada procedente a presente ação para declaração da inconstitucionalidade integral da Lei Complementar n.º 20, de 31 de dezembro de 2002, do Município de Peruíbe e por dependência ou arrastamento dos Decretos n. 2.784, de 29 de agosto de 2006, n. 2.550, de 15 de julho de 2005 e n. 2.534, de 02 de junho de 2005, que regulamentam referida lei.

 

                   Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Peruíbe, bem como, posteriormente, citado  o   Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os  atos normativos impugnados, protestando por nova vista para manifestação final.

                           São Paulo, 22 de março de 2012.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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Protocolado n. 126.901/11

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n.º 20, de 31 de dezembro de 2002, do Município de Peruíbe e dos Decretos n. 2.784, de 29 de agosto de 2006, n. 2.550, de 15 de julho de 2005 e n. 2.534, de 02 de junho de 2005, que regulamentam referida lei.

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da  Lei Complementar Municipal n.º 20, de 31 de dezembro de 2002, do Município de Peruíbe e dos Decretos n. 2.784, de 29 de agosto de 2006, n. 2.550, de 15 de julho de 2005 e n. 2.534, de 02 de junho de 2005, que regulamentam referida lei, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 22 de março de 2012.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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