EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 126.962/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça. Ato normativo que “institui, no âmbito do Município de Franca, o Programa ‘Internet para todos’ e dá outras providências”. Projeto de lei de Vereador. Violação da Constituição do Estado, artigos 5º; 37; 47, II e XIV; e 144 (vício de iniciativa); e 25 (criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca, que “institui, no âmbito do Município de Franca, o Programa ‘Internet para todos’ e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

LEI Nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006.

Institui no âmbito do Município de Franca o Programa “Internet para todos” e dá outras providências.

SIDNEI FRANCO DA ROCHA, Prefeito Municipal de Franca, Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições legais,

FAZ SABER que a Câmara Municipal APROVOU e ele PROMULGA a seguinte LEI:

Art. 1º. – Fica instituído no âmbito do Município de Franca, o Programa “Internet para todos”.

Parágrafo único – O programa destina-se à inclusão digital dos moradores de bairros periféricos, garantindo-lhes acesso gratuito à Internet conforme as normas de acesso e utilização definidas pelo Executivo Municipal.

Art. 2º. – Sem prejuízo do que for disposto pelo Poder Executivo, o acesso gratuito ao provedor far-se-á mediante comprovação, pelo contribuinte, do adimplemento das obrigações referentes ao Imposto Predial e Territorial Urbano do imóvel em que se instalará a conexão.

Art. 3º. – A Administração Municipal poderá firmar convênios com governos nas esferas federal, estadual e municipal, empresas privadas, organizações não governamentais, escolas e universidades que queiram patrocinar o provedor.

Art. 4º. – As despesas com a execução da presente Lei, correrão por conta de dotações próprias do orçamento, suplementadas se necessário.

Art. 5º. – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Prefeitura Municipal de Franca, aos 11 de dezembro de 2006.

 

SIDNEI FRANCO DA ROCHA

Prefeito

 

 Essa lei, entretanto, que deriva de projeto de autoria do Vereador RUI ENGRÁCIA GARCIA CALUZ, contraria os seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 5º; 37; 47, II e XIV; e 144 (vício de iniciativa); e 25 (criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos).

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A Procuradoria-Geral de Justiça acolheu representação formulada pelo Dr. PAULO CÉSAR CORRÊA BORGES, 1º Promotor de Justiça de Franca, pela qual se apontou a inconstitucionalidade do ato normativo em análise.

Colhe-se dela que o ilustre Vereador RUI ENGRÁCIA GARCIA CALUZ, certamente imbuído dos mais nobres propósitos, concebeu projeto de lei para instituir no Município de Franca programa de governo intitulado “Internet para todos”, querendo fomentar a inclusão digital.

O Edil entendeu que, uma vez aprovada a lei, estaria oferecendo aos munícipes de baixa renda acesso à tecnologia de informação e comunicação (TCI), numa autêntica ação afirmativa ou discriminação positiva, que reputou legítima e consentânea com o art. 30 da Constituição Federal (fls. 7/10).  

Em que pese esse desiderato, não passou despercebido ao subscritor da representação que, passados mais de 3 (três) anos da promulgação da lei, o programa criado não foi implementado.

Concitado a se manifestar sobre a questão, o Prefeito Municipal, pela sua Procuradoria, relacionou problemas de ordem prática para a execução do programa e apontou a inconstitucionalidade da lei impugnada, concordando com o ajuizamento da ADIN (fls. 68).

Extrai-se de sua manifestação:

“Não é demais lembrar que a implantação de um programa de governo demanda a disponibilização de recursos humanos com habilitação na área.

Se isso não bastasse, para que o programa tivesse sua implantação iniciada, necessário ainda a montagem de um sistema de comunicação em rede capaz de disponibilizar o acesso à internet. Tudo isso impõe a necessidade de contratação não só de técnicos especializados, mas também de equipamentos e serviços de comunicação necessários ao funcionamento do serviço.

Ora, como é cediço, somente o Poder Executivo, no exercício de sua função constitucional, é que tem plenas condições de analisar, planejar e, se for o caso, decidir sobre as prioridades no serviço público em conformidade com as necessidades da população e, dentro das prioridades, eleger se a internet deve se sobrepor ou não às demais necessidades emergentes da comunidade” (fls. 64)

Razão assiste ao Alcaide.

Com base nos elementos colhidos, é possível concluir que a Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca, é, de fato, inconstitucional, à luz dos dispositivos da Constituição do Estado acima destacados.

Dito ato normativo cria programa e, em conseqüência dele, obrigações para a Administração Municipal, fixando-lhe condutas (cf. arts. 1º, 2º e 3º).

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em análise, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Como ensinou Hely Lopes Meirelles:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 708, 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação desse programa traz ônus ao Erário.

O Município haverá de adquirir hardware e software para viabilizar o acesso à internet pelos beneficiários, contratar provedores e pessoal especializado, do que decorre o aumento dos encargos do orçamento (art. 176, I, CE).

Nota-se, contudo, que a lei não contém qualquer elemento indicativo dos recursos que serão onerados, sendo insuficiente a previsão genérica contida no art. 4º.

Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade dessas leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade das normas aqui apontadas.

3. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 2 de janeiro de 2010.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

jesp


 

Protocolado nº 126.962/2009

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 6.757, de 11 de dezembro de 2006, do Município de Franca, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                    São Paulo, 05 de janeiro de 2010.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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