EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 128.963/08
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 12.968, de 29 de abril de 2008, do Estado de São Paulo.
Ementa: Lei Estadual nº 12.968, de 29 de abril de 2008, de iniciativa parlamentar que estabelece condições para o registro de estabelecimentos que atuam no comércio ou na fundição de jóias usadas e impõe penalidades; Matéria afeta à Administração Pública; Exclusividade de iniciativa do Governador do Estado de São Paulo; Ação Direita visando à declaração de inconstitucionalidade da legislação impugnada.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Estadual n. 12.968, de 29 de abril de 2008, do Estado de São Paulo, pelos fundamentos a seguir expostos.
I – DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
A Lei Estadual nº 12.968, de 29 de abril de 2008, “dispõe sobre o registro de estabelecimentos que atuam no comércio ou na fundição de jóias usadas”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Os estabelecimentos que atuam no comércio ou
na fundição de jóias usadas ficam obrigados a registrar-se no órgão competente
da Secretaria de Segurança Pública, e a adotar os procedimentos que permitam
comprovar a regularidade das operações realizadas mediante fiscalização dos
agentes do Poder Público.
Art. 2º - O pedido de
registro de que trata esta lei deverá ser instruído com os seguintes
documentos:
I-
Cópia
autenticada do contrato social e do registro do estabelecimento da Junta
Comercial;
II-
relação
nominal dos responsáveis pelo estabelecimento e de seus empregados, instruída
com fotografias, comprovantes de endereços residenciais e atestados de
antecedentes;
III-
comprovante
de recolhimento de taxa prevista para o registro.
Art. 3º - Ocorrendo alteração da sociedade
comercial ou do quadro de empregados desta, o fato deverá ser comunicado à
Autoria Policial competente no prazo de 48 (quarenta e oito) horas,
completando-se a documentação referida no art. 2º, quanto aos novos elementos.
Art. 4º - Não serão deferidos registros a
pessoas que possuam condenação anterior transitada em julgado pela prática de
crime de receptação, previsto no art. 180 do Código Penal Brasileiro.
Art. 5º - Sem prejuízo das sanções criminais
cabíveis, as infrações desta lei serão passíveis das seguintes penalidades:
I-
fechamento
do estabelecimento comercial que não possuir o registro devido, mediante auto
de lacração expedido pela Autoridade Policial competente.
II-
Multa de 100 (cem) a 1000 9mil) Unidades
Fiscais do Estado de São Paulo – UFESP;
III-
Cassação
do registro;
IV-
Proibição
de novo registro para o estabelecimento que for apenado com a cassação;
Art. 6º - O Poder Executivo regulamentará
esta lei no prazo de 60 (sessenta) dias;
Art. 7º - Esta lei entra em vigor na data de
sua publicação, revogando-se a Lei. 8.520, de 29 de dezembro de
II – DO DIREITO
Há que se dizer que houve afronta aos artigos 5.º, 25, 47, inc. II , do Estado de São Paulo a saber:
"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art.25- Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento d despesa pública será sancionado sem que dele conte a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.
Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual”.
Em que pese o elevado propósito da lei impugnada, a mesma originou-se de projeto de autoria de Deputado Estadual, o que se constitui clara ofensa à Constituição, pois somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, como a exigência de registro dos estabelecimentos que atuam no comércio ou na fundição de jóias usadas, perante órgão competente da Secretaria de Segurança Pública registro e a imposição de penalidades - art. 5º, da lei em análise).
Isto porque, a segurança pública está abrangida no conceito de “organização administrativa”, que, na esfera estatal é atribuição privativa do Governador do Estado.
O
gerenciamento da prestação de serviços públicos no Estado é competência do
Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios
para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública.
A legislação em exame determinou ao Executivo
de que maneira deverá se conduzir no exercício do poder de polícia quando
defrontar-se com estabelecimento comercial que explore o comércio ou a fundição
de jóias usadas. Trata-se, evidentemente, de matéria referente à administração
pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Governador do Estado, que
atuará nesse campo com absoluta independência. A hipótese é de administração
ordinária, que se encontra fora do âmbito de atuação do Legislativo, seja para
fins de autorização, seja para a imposição de regras e aplicação de penalidades.
Importante destacar, que o poder de polícia administrativo deve ser
exercido pela Administração toda vez que o exercício da atividade individual
atuar em prejuízo da coletividade. Assim, o Executivo dispõe de meios até mesmo
coercitivos, se o caso, para coibir tais abusos.
Não se
pode aceitar, porém que o Legislativo, a pretexto de regulamentar esse
poder-dever da Administração interfira no exercício dessa atribuição.
Sobre o
tema, Hely Lopes Meirelles afirmou: “O objeto do poder de polícia
administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a
coletividade ou pôr em risco a defesa nacional, exigindo, por isso mesmo,
regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público. Com esse propósito a
Administração pode condicionar o exercício de direitos individuais, pode
delimitar a execução de atividades, como pode restringir o uso de bens que
afetem a coletividade em geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ou
se oponham aos objetivos permanentes da Nação.” (Direito Municipal cit., p.
336).
Com efeito, as regras de fixação de competência
para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da
separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à
organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando
as relações recíprocas entre esses
mesmos órgãos (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em “Do Processo
Legislativo”, ed. Saraiva, pp. 111/112).
E o
processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma
repetida da Constituição Federal) prevê que, na criação de leis que tratem
da criação de funções na administração direta ou na atribuição de tarefas às
Secretarias Municipais, a iniciativa é privativa do chefe do Poder Executivo.
Isso porque, sendo a matéria referente à administração pública, é importante que
a ele se reserve a iniciativa de leis que tratem dessa matéria. Para Manoel
Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em
resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas
à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (ob. cit., p.
204).
Desatendida
essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a
inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa. Sobre isso, ensinou Hely
Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo
para esses projetos, votar e
aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por
inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura
que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar
prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode
delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (em “Direito Municipal
Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs. 544/545).
Invadiu-se claramente a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Governador do Estado de São Paulo, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.
Desta feita, ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes.
Como já proclamou esse Egrégio Plenário:
“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; entre outros.
De outra parte, a criação de novas tarefas a órgãos e servidores públicos implica inevitáveis despesas.
Em virtude de afronta, pois, aos arts. 5º, 25, 47, II, todos da Constituição do Estado, manifesto-me no sentido de ser julgada procedente esta Ação
III – CONCLUSÃO E
PEDIDO
Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 12.968, de 29 de abril de 2008, do Estado de São Paulo, que “dispõe sobre o registro de estabelecimentos que atuam no comércio ou na fundição de jóias usadas”.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Assembléia Legislativa e ao Governador do Estado de São Paulo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 24 de agosto de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
vlcb
Protocolado nº 128.963/08
Interessado: Associação
dos Joalheiros do Estado de São Paulo
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 12.968, de 29 de abril de 2008, do Estado de São Paulo.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Estadual n. 12.968, de 29 de abril de 2008, do Estado de São Paulo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 24 de agosto de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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