Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O Procurador-Geral de
Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso
VI, da Lei Complementar Estadual n.º 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto
nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei Maior, e arts. 74, inciso VI, e
90, inciso III, da Constituição Estadual, com base nos elementos de convicção
existentes no incluso protocolado (PGJ n.º 129.663/07), vem perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
com
pedido de liminar,
do inciso XV do art. 35, da Lei Orgânica do Município de Olímpia, pelos motivos
e fundamentos a seguir expostos:
O inciso XV do art. 35 da Lei Orgânica do Município de
Olímpia estabelece que Cabe à Câmara, com
sanção do Prefeito, dispor sobre as matérias de competência do Município,
ressalvadas aquelas especificadas no art. 36 e especialmente:
“XV – dar denominações a próprios, vias e logradouros
públicos, inclusive de pessoas vivas que mereçam e justifiquem a homenagem”.
Não se duvida que a
denominação de logradouros públicos municipais é matéria de interesse local (art. 30, I, da
Constituição Federal), dispondo, assim, os Municípios de ampla competência para
regulamentá-la, pois foram dotados de autonomia administrativa e legislativa.
Cumpre acrescentar, não haver na Constituição em vigor reserva dessa matéria em
favor de qualquer dos Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que
dela se ocupem só pode ser geral ou concorrente.
Contudo, é necessário
distinguir as seguintes situações:
(a) a edição de regras que disponham genérica e abstratamente sobre
a denominação de logradouros públicos, ou alterações na nomenclatura já
existente, caso em que a iniciativa é concorrente;
(b) o ato de atribuir nomes a logradouros públicos, segundo as
regras legais que disciplinam essa atividade, que é da competência privativa do
Executivo.
No Brasil, como se sabe, o
governo municipal é de funções divididas, incumbindo à Câmara as legislativas e
ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação
administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades
político-administrativas. Nesta sinergia de funções é que residem a
independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao
governo municipal (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal
Brasileiro”, Malheiros, 8.ª ed., p. 427 e 508).
Em sua função normal e
predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas,
gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica, bem
diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de atos
concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos
particulares ocorrentes. (ob. cit., p. 429).
Assim, no exercício de sua
função legislativa, a Câmara está autorizada a editar normas gerais, abstratas
e coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a denominação das vias e
logradouros públicos, como, por exemplo: proibir que se atribua o nome de
pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá ser composto por mais de três
palavras, exigir o uso de vocábulos da língua portuguesa, etc. (Cf. ADILSON
DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do Governo
do Estado de São Paulo, 2/103).
A nomenclatura de
logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização urbana, tem por finalidade precípua a orientação da
população (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico Brasileiro”,
Malheiros, 2.ª ed., p. 285). De fato, se não houvesse sinalização, a
identificação e a localização dos logradouros públicos seria tarefa quase
impossível, principalmente nos grandes centros urbanos, como é o caso da cidade
de São Paulo. Diferente é a finalidade da denominação de próprios, em que não
se visa a orientar a população, mas simplesmente homenagear pessoas ou fatos
históricos.
Contudo, a despeito de tal
distinção, nada obsta que o nome dado a determinado logradouro público cumpra
não só a função de permitir sua identificação e exata localização, mas sirva
também para homenagear pessoas ou fatos históricos, segundo os critérios
previamente fixados em lei editada para regulamentar essa matéria.
Definidas essas premissas
básicas, tem-se no caso sob exame que a Lei Orgânica do Município de Olímpia,
em seu art. 35, XV, ao dispor que cabe à
Câmara dar denominações a próprios, vias e logradouros públicos, inclusive de
pessoas vivas que mereçam e justifiquem a homenagem, é inconstitucional ao
permitir à Câmara legislar de forma concreta e específica sobre questão que é
de competência do Prefeito Municipal.
Na verdade, da forma como
está, o inciso XV do art. 35 da Lei Orgânica municipal autoriza a Câmara a
praticar ato concreto de administração, por meio de lei apenas em sentido formal, que não encerra o conteúdo de uma
norma abstrata ou teórica, instituída em caráter permanente e de generalidade.
Ou seja, a Câmara pode, por
meio dessa aparente lei, cuja edição está autorizada pelo inciso XV do art. 35,
compelir o Prefeito a atender tal determinação, invadindo sua esfera de poder.
As leis formais não se mostram regras jurídicas, mas simples atos administrativos dos poderes
legislativos.
Na ordem constitucional
vigente, que incorporou o postulado da separação de funções, a fim de limitar o
poder estatal, na consagrada fórmula desenvolvida pelo célebre filósofo
Montesquieu, não existe a menor possibilidade de a administração municipal ser
exercida pela Câmara, por meio de leis, pois a Constituição é clara ao atribuir
ao Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários
Municipais, a direção superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e
praticar os atos de administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47,
XIV).
Bem por isso, aliás, ELIVAL
DA SILVA RAMOS adverte que: “Sob a vigência de Constituições que agasalham
o princípio da separação de Poderes, no entanto, não é lícito ao Parlamento
editar, a seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e individualizante. A regra
é a de que as leis devem corresponder ao exercício da função legislativa. A
edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que, embora fluindo das
fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de generalidade e
abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma direta, a uma ou
várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta caráter excepcional.
Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto Constitucional, sob pena
de inconstitucionalidade substancial.” (“A Inconstitucionalidade das Leis -
Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194)
Nesse contexto, a aprovação
de lei, pela Câmara, que atribui nome a logradouro ou prédio público só pode
ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional da independência e
harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).
A propósito, ao examinar
assunto correlato no julgamento da Repr. n.º 1.117-SP, o insigne Ministro FRANCISCO
REZEK deixou registrado no seu respeitável Voto que:
“No contexto dos debates que
esta matéria provocou na origem, e que envolveram os três poderes do Estado,
vez por outra afloram equívocos conceituais de certa monta, qual o entendimento
da prerrogativa de dar nome à sede forense como atributo da propriedade
imobiliária, ou a visão do poder Executivo como titular do domínio dos bens
públicos afetos a seus próprios serviços, tanto quanto aos da Legislatura e aos
da Justiça.
Tudo isso posto de lado,
porque desnecessário ao completo esquema da questão de inconstitucionalidade
que aqui se discute, reponta claro o argumento do Presidente da Assembléia
Legislativa de São Paulo: parece-lhe que a competência para dar nome a logradouros
públicos, porque não disciplinada na lei fundamental, há de sê-lo em lei
ordinária; e que entre aqueles não há por que distinguir os de uso especial da
Justiça dos vinculados aos demais poderes, ou entregues ao uso comum do povo.
Aquela primeira idéia se viu desenvolver com esmero pelos fundadores da
federação norte-americana, e, dessa e de outras fontes, foi sabidamente
assimilada pelo direito público brasileiro: tudo quanto a Carta não diz por si
mesma, di-lo-á não o Governo, nem tampouco a Justiça, mas o Congresso,
compositor, por excelência, da ordem jurídica que a lei fundamental encabeça,
sem poder exaurir.
Essa regra eminente traz,
porém, consigo, duas presunções tácitas, a ditar-lhe o exato contorno. A
primeira é a de que esse espaço a ser preenchido pela produção congressional
reclame substância normativa, vestida da abstração e da generalidade que lhe
são próprias. A segunda, indissociável da precedente, é a de que o vasto
domínio dos poderes implícitos do Congresso não pretenda estender-se sobre área
reservada pela lei fundamental às prerrogativas do Executivo e do Judiciário,
com todos os desdobramentos necessários a que se não lhes afronta a
independência.”
Guardadas as devidas
proporções, o que a Lei Orgânica do Município de Olímpia estabelece, em face da
ausência de previsão constitucional expressa, é a sua competência plena para
atribuir denominação a logradouros ou prédios públicos municipais, o que,
porém, como registrado precedentemente, constitui ato concreto de
administração, parte integrante do serviço público de sinalização urbana,
cujo responsável é o Prefeito.
Não há, porém,
considerando-se os argumentos acima reproduzidos, como incluir no rol dos
poderes implícitos da Câmara a competência para editar leis formais,
desvestidas dos atributos de generalidade e abstração, tampouco estender esses
poderes sobre área de atuação exclusiva do Poder Executivo, a quem compete a
administração dos bens públicos e a prestação de serviços públicos municipais,
constituindo o ato de atribuir nomes a logradouros ou prédios públicos mero
corolário do poder de administrar.
Sobre o tema, esse E.
Tribunal de Justiça já decidiu:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Municipal que impõe ao
Chefe do Poder Executivo nome de rua – Vício de iniciativa – Invasão de esfera
privativa deste – Ação procedente” (Adin nº 115.877.0/5, Rel. Dês. Laerte
Nordi, j. em 20/7/2005).
Em suma, a Câmara não pode
arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos concretos de
administração. E a nomenclatura de logradouros e próprios públicos - que
constitui atividade relacionada ao serviço público municipal de sinalização e
identificação - enquadra-se exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a
conclusão de que a lei em epígrafe é manifestamente incompatível com o
princípio da separação dos poderes.
Por tais razões, aguardo
seja declarada a inconstitucionalidade do inciso XV do art. 35 da Lei Orgânica
do Município de Olímpia, por afronta aos arts. 5.º, 37 e 47, inciso II da
Constituição Paulista, cuja observância é obrigatória pelos Municípios, ex
vi do art. 144 dessa mesma Carta Política.
Nessa linha, apresenta plena verossimilhança
a alegação de inconstitucionalidade, conforme precedente do próprio Egrégio
Tribunal de Justiça de São Paulo.
O fummus boni iuris decorre da demonstrada incompatibilidade
vertical entre o inciso XV do art. 35, da Lei Orgânica do Município de Olímpia
e a Constituição do Estado, sendo que o requisito do periculum in mora
consiste na possibilidade de a lei ensejar a prática de atos jurídicos
contrários ao interesse público, como, aliás, já ocorreu no município de
Olímpia, quando o nome de munícipes, ligados a partidos políticos, foram
utilizados para a denominação de próprios da administração municipal.
Diante do exposto,
requeiro a Vossa Excelência seja determinado o processamento desta AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE, concedendo-se
liminar para suspensão dos efeitos do inciso XV do art. 35, da Lei Orgânica do
Município de Olímpia,
colhendo-se as informações pertinentes a serem prestadas pela Câmara dos
Vereadores e pelo Prefeito Municipal de Ituverava, sobre as quais
manifestar-me-ei oportunamente, vindo a final ser declarada a
inconstitucionalidade da lei em questão e adotadas as providências atinentes à sua suspensão definitiva do ordenamento
jurídico.
São Paulo, 29 de abril
de 2008.
FERNANDO
GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral
de Justiça