Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº129.712/07

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal 4.430, de 15 de maio de 2007, de Sumaré.

 

 

 

 

Ementa: 1)Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Criação de órgão na administração (Banco de Voluntários). Previsão de obrigações, emprego de pessoal, material, e providências a cargo do Poder Executivo. Violação da reserva de iniciativa (art.24 §2º n.2 c.c. 144 da Constituição Estadual). 2)Criação de despesas sem previsão da correspondente fonte de receita (art.25 c.c. o 144 da Carta Estadual). 3)Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (art.116 VI da Lei Complementar Estadual nº734/93 - Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo -; art.125 §2º e 129 IV da Constituição Federal; art.74 VI e art.90 III da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº129.712/07) vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Municipal 4.430, de 15 de maio de 2007, de Sumaré, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

1)Do ato normativo impugnado.

 

         A Lei Municipal 4.430, de 15 de maio de 2007, de Sumaré, que “institui na cidade de Sumaré o Banco de Voluntários e dá outras providências”, fruto de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:

 

“Art.1º. Fica criado e instituído na cidade de Sumaré o Banco de Voluntários.

 

Art.2º. São objetivos básicos do Banco de Voluntários:

 

I – cadastrar os voluntários, entre outros, por área de atuação e período de disponibilidade;

 

II – cadastrar as demandas das entidades civis de fins não-lucrativos, organizações governamentais, associações não governamentais interessados no trabalho voluntariado;

 

III – incrementar, divulgar e incentivar o exercício do trabalho voluntário na sociedade;

 

IV – emitir, com validade anual, certificado ao voluntário de sua participação nos trabalhos das entidades cadastradas, indicando o período e sua área de atuação.

 

Art.3º. O Cadastro de Banco de voluntários será formalizado e mantido pela Secretaria Municipal de Ação Social.

 

Art.4º. O Poder Executivo Municipal disponibilizará espaço próprio em sua página na Internet para consultas pelas entidades e interessados no trabalho voluntário.

 

Art.5º. O trabalho voluntário não será remunerado, nem acarretará qualquer vínculo com o Poder Público ou entidades parceiras, e será considerado de relevante interesse social.

 

Parágrafo único. Poderá a entidade ou Poder Público beneficiário do trabalho voluntário colocar à disposição do voluntariado o fornecimento de vale transporte e auxílio para as refeições.

 

Art.6º. O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de 60 dias de sua publicação.

 

Art.7º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.”

 

                Entretanto, o ato normativo é verticalmente incompatível com a Constituição Paulista, como será visto a seguir.

 

2)Vício formal: reserva de iniciativa para criação de órgão.

 

         A Lei Municipal 4.430, de 15 de maio de 2007, de Sumaré, de iniciativa parlamentar, ao criar órgão na administração pública municipal, violou a reserva de iniciativa prevista no art.24 §2º n.2 da Constituição Bandeirante, aplicável aos Municípios por força do art.144 da referida Carta Estadual.

 

         Anote-se, a propósito da reserva de iniciativa na hipótese, que mencionado dispositivo da Constituição Estadual reproduz a previsão contida no art.61 §1º II e da Constituição Federal.

 

         Não bastasse isso, a lei cria obrigações para a administração municipal, como v.g.: (a) para a Secretaria Municipal de Ação Social, de formalizar e manter o cadastro; (b) para o Poder Público Municipal, de disponibilizar espaço na Internet para o funcionamento do Banco de Voluntários; (c) ainda para o Poder Público Municipal, disponibilizar vale-transporte e auxílio-refeição para os voluntários.

 

         O E. STF vem reiteradamente reconhecendo a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que criam órgãos administrativos. Confira-se:

 

"Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue - COFISAN, órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CR/88). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-07, DJ de 8-6-07).

 

         No mesmo sentido, ainda no E. STF, os seguintes precedentes: ADI 2.808, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 24-8-06, DJ de 17-11-06; ADI 603, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-8-06, DJ de 6-10-06; ADI 1.144, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-8-06, DJ de 8-9-06; ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-02, DJ de 7-6-02.

 

         Anote-se, também, que esse E. Tribunal de Justiça de São Paulo vem, reiteradamente, reconhecendo a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que criam órgãos, alteram a estrutura, ou conferem novas atribuições à administração, como se infere da ementa a seguir transcrita:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei n° 10.802/06 do Município de Ribeirão Preto, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a "Criação de Fundos e Ações de Combate a Enchentes", determinando a constituição de "associação" para gerir os fundos de investimentos e implementar as ações inerentes aos objetivos da Lei – afronta ao princípio de independência e harmonia dos poderes - processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública estadual matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo local, em face da cláusula de reserva inscrita no artigo 61, § Io, II "e", da CF – ação procedente. (TJSP, Órgão Especial, ADI 145.244-0/1, j. 05.09.2007, rel. des. Ruy Camilo).

 

         Aliás, esse E. Tribunal tem sucessivamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis municipais que violam a reserva de iniciativa do Chefe do Executivo, como se verifica nos seguintes julgados: ADI 134.410-0/4, j. 05.03.2008, rel. des. Viana Santos; ADI 153.152-0/5-00, j. 05.03.2008, rel. des. Aloísio de Toledo César; ADI 150.974-0/4, j. 20.02.2008, rel. des. Viana Santos.

 

         Válida a esse propósito a advertência feita por Hely Lopes Meirelles, para quem “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

3)Vício material: criação de despesa sem correspondente fonte de receita.

 

         Anote-se também que a lei ora impugnada não indica a correspondente fonte de receita para fazer frente às despesas que dela decorrerão.

 

         Em tais situações, esse E. Tribunal tem reconhecido a inconstitucionalidade dos diplomas que incidem em vício dessa natureza, em função da violação ao disposto no art.25 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art.144 da referida Carta Estadual (Confiram-se os julgados proferidos nas ADIs. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

 

4)Da Liminar.

 

         Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

 

         A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece integralmente de inconstitucionalidade.

 

         O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo questionado, subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas e imposição de obrigações à Municipalidade, que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese provável de procedência da ação direta.

 

         É nítida a ocorrência do risco do fato consumado, e da dificílima – para não dizer improvável - reparação dos danos que serão causados ao erário.

 

         A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

 

         Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo questionado, cuja inconstitucionalidade é palpável, evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

 

         De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

 

         Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei Municipal 4.430, de 15 de maio de 2007, de Sumaré.

 

5)Conclusão e pedido.

 

         Diante do exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade dos preceitos já mencionados. Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que seja ao final julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal 4.430, de 15 de maio de 2007, de Sumaré.

 

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Sumaré, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

 

         Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 25 de abril de 2008.

 

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça