EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado n : 130.025/08
Assunto: Inconstitucionalidade dos artigos 5º, 6º, 7º e 12 da Lei Municipal n. 4.319, de 29 de dezembro de 2006, do Município de Sumaré.
Ementa. 1) Artigos 5º , 6º , 7º e 12, da Lei Municipal
n. 4.319/2006, do Município de Sumaré, que “Autoriza o Poder Executivo a
conceder aos servidores públicos municipais, cesta básica em pecúnia, na forma
especificada, e dá outras providências.
2) Diploma que não observa o princípio da licitação. 3) Inconstitucionalidade constatada. 4) Ação
Direta visando à declaração de inconstitucionalidade da norma legal impugnada.
O PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício
da atribuição prevista no artigo
116, inciso VI, da Lei Complementar n.º 734, de 26 de
novembro de 1993, e em conformidade com o disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da
Constituição da República e artigo 74, inciso VI, e 90, inciso III, da
Constituição Estadual, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado (PGJ nº 130.025/08), vem,
respeitosamente, promover perante esse
Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, postulando
a inconstitucionalidade dos arts. 5º , 6º ,
7º e 12 da Lei n. 4.319, de 29 de
dezembro de 2006, do Município de Sumaré, pelos
motivos de fato e de direito que passa a expor .
A Lei Municipal n. 4.319, de 29 de
dezembro de 2006, do Município de Sumaré,
“autoriza o Poder executivo a conceder aos servidores públicos
municipais, cestas básicas em pecúnia, na forma que especifica e dá outras
providências”.
Os
dispositivos legais impugnados da referida Lei,
apresentam a seguinte redação:
(.....)
“Art. 5º - Nos termos do convênio a ser firmado, com a
Associação dos Servidores Municipais de Sumaré, fica a entidade autorizada a
efetuar a aquisição e a entrega em produtos alimentícios, no valor do
correspondente ao estabelecido no art. 1º, aos servidores que requerem o
benefício da cesta-básica in natura, que optarem por esta forma de recebimento,
bem como fornecer através de convênio cartão de compras para a aquisição de
produtos alimentícios, no valor correspondente ao benefício.
§1º - Aos Patrulheiros do Instituto de Promoção do
Menor de Sumaré, que prestem serviços na
Prefeitura Municipal, no Departamento de Água e Esgotos e na Câmara Municipal,
o benefício será sempre de forma in natura.
§2º - Deverá a entidade prestar contas semestralmente à
Administração Municipal, da marca, preços e itens que compõem a cesta básica.
§3º - A autorização de que trata o caput do artigo é
extensiva ao DAE e Câmara Municipal.
Art. 6º - Fica o Poder Executivo a celebrar convênio com a
Associação dos Servidores Municipais de Sumaré, tendo por objeto a
implementação de medidas que possibilitem aos servidores públicos municipais
facilidades para a aquisição de bens e utilização de serviços.
Parágrafo único- O convênio será celebrado nos termos da
minuta anexa, que da autorizado a firmar termos aditivos destinados a adequar
sua execução ou ampliar, restringir ou modificar parcialmente seus objetivos.
Art. 7º - Para os fins previstos nesta lei, fica o Poder
Executivo autorizado, mediante a celebração do convênio de que trata o artigo
anterior:
I-
a proceder aos descontos em folha de pagamento, desde que previamente
autorizado pelos servidores interessados, dos valores correspondentes a gastos
por ele efetuados, através da Associação dos Servidores Municipais de Sumaré,
com a aquisição de bens e serviços.
II- a repassar a Associação dos Servidores Municipais de
Sumaré os valores descontados nos contra-cheques dos servidores, sempre
precedente da respectiva autorização, que será sempre em duas vias de igual
teor, ficando uma delas na Secretaria de Administração e outra na Associação
dos Servidores Municipais de Sumaré.
III- fica a Associação dos Servidores Municipais de Sumaré
autorizada a efetuar a aquisição e a entrega de produtos alimentícios, a
garantir o objetivo do benefício, que é a ajuda na alimentação familiar, na
forma de cesta-básica, aos servidores que optarem por esta forma de
recebimento, sempre no valor correspondente
ao estabelecido nesta lei, e os respectivos reajustes.
(.....)
Art. 12- O Poder Executivo no prazo de 60 dias a contar da
data da publicação desta lei, celebrará convênio com a entidade e baixará os
atos necessários à plena regulamentação desta lei”.
Referidos dispositivos legais, como se
verá, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
em especial com as seguintes disposições:
“Art. 111 – A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.
Art. 117 – Ressalvados os casos
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o
qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei
Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.”
A Constituição
em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso
sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e
garantindo-lhe plena autonomia, como se nota da exegese dos arts. 1.º, 18, 29,
30 e 34, VI, “c” da Constituição Federal.
Na definição de
José Afonso da Silva, autonomia é a capacidade ou poder de gerir os próprios
negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior, que no caso é a
Constituição. Verifica-se, pois, que
essa autonomia consagrada ao Município não tem caráter absoluto e soberano, ao
contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos
pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo.
A autonomia
municipal assenta-se em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização,
mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela
eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c)
autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre
áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d)
auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços
de interesse local.
Nessas quatro capacidades,
encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de
auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer
leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa
(administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia
financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas
rendas, que é uma característica da auto-administração), conforme o mesmo
autor.
Por força da
autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são
livres para administrar seus próprios interesses, segundo suas conveniências
locais. Mas a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus
próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras
fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por
lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado;
e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais e estaduais
pertinentes.
Todavia,
verifica-se neste caso que a Câmara de Vereadores de Sumaré aprovou o texto
normativo, sancionado pelo Prefeito, autorizando mediante a celebração de
convênio a transferência do dever de aquisição das cestas básicas à Associação
dos Servidores Municipais de Sumaré, sem
a devida licitação, como lhe era exigido segundo a regra inscrita no art. 117,
da Constituição do Estado de São Paulo.
Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, lembrando o conceito de José Roberto Dromi define licitação
“como o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da
função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às
condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem
propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a
celebração de contrato”. É comum na
Administração Pública a contratação com terceiros. Consoante leciona Marçal
Justen Filho, citando Cirne Lima, “o fim, - e não a vontade -, domina todas as
formas de administração”.
Independentemente
da nomenclatura que se queira atribuir ao ajuste celebrado
entre a administração municipal e
o Associação dos Servidores Municipais de Sumaré, particular no caso em exame, não há dúvidas de
que incidem as regras do direito público nessa relação jurídica. Esse dever,
porém, foi flagrantemente descumprido nesse caso.
A falta de
licitação é apenas um, entre outros vícios materiais encontrados nos
dispositivos legais ora questionados. Aliás, sobre o tema Marçal Justen Filho
afirma: “Deve tomar-se em vista, como ponto de partida, a previsão
constitucional de que todas as contratações administrativas serão precedidas de
licitação, ressalvadas as exceções indicadas
Referidos
artigos malferiram, ainda, os princípios da igualdade, da impessoalidade e da
moralidade, ao permitir que a Associação dos Servidores Municipais de Sumaré
fosse contemplada mediante celebração de convênio com a autorização para
efetuar a aquisição e a entrega em produtos alimentícios, no valor estabelecido
no art. 1º da Lei n. 4.319/06, aos servidores que requererem o benefício da
cesta básica in natura, que optarem
por esta forma de recebimento, bem como fornecer através de convênio cartão de
compras para aquisição de produtos alimentícios, no valor correspondente ao
benefício. É de conhecimento geral que o Poder Público age em nome do Estado,
não podendo favorecer quem quer que seja, sob pena de invalidade dos atos que
produzir. Para a doutrina, o princípio da impessoalidade ou da finalidade
“exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública”, de modo que “o
administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no
interesse próprio ou de terceiros.”
Em
conseqüência, não só a impessoalidade foi quebrada, mas também a isonomia, pois
o favorecimento da mencionada Associação em detrimento de outros importa no
descumprimento dos mais comezinhos princípios constitucionais, que é o de
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sobre isso, José
Afonso da Silva leciona: “Há duas formas de cometer essa inconstitucionalidade.
Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos,
discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em
igual situação. Neste caso, não se estendeu às pessoas ou grupos discriminados
o mesmo tratamento dado aos outros. O ato é inconstitucional, sem dúvida,
porque feriu o princípio da isonomia”.
O desprezo à
ordem jurídica institucional gera violação ao princípio da moralidade, pois não
se pode permitir que a administração pública aja sem isenção e ao arrepio da
ordem constitucional.
Portanto, o
agente público, incluído aquele que detém mandato eletivo está preso à
observação das normas e princípios constitucionais, como previsto no art. 111,
da Carta Estadual.
E, no caso em
exame isso não ocorreu. Ao permitir que o Município de Sumaré autorizasse
mediante celebração de convênio a Associação dos Servidores Municipais de
Sumaré a efetuar a aquisição e a entrega em produtos alimentícios, no valor do
correspondente ao estabelecido no art. 1º da Lei n. 4.319/2006, aos servidores
que requererem o benefício da cesta básica in
natura, que optarem por esta forma de recebimento, bem como fornecer
através de convênio cartão de compras para aquisição de produtos alimentícios,
no valor correspondente ao benefício, o legislador local afrontou os mais
comezinhos princípios administrativos, quais sejam, o da impessoalidade, da
igualdade, da moralidade e o da Licitação.
Assim,
afigura-se irrecusável que os dispositivos legais em exame são verticalmente
incompatível com os arts. 111 e 117 da Constituição do Estado de São Paulo,
preceitos esses que são de observância obrigatória pelos Municípios, por força
do disposto no art. 144 dessa mesma Carta, impondo-se, por conseguinte, a sua
exclusão do ordenamento constitucional em vigor.
Nestes termos,
requeiro seja determinado o processamento da presente ação, colhendo-se
informações pertinentes do Prefeito e da Câmara de Vereadores de Sumaré, sobre
as quais me manifestarei no momento processual oportuno, vindo, no final, a ser
reconhecida e proclamada a inconstitucionalidade dos arts. 5º , 6º , 7º e 12 da
Lei n. 4.319, de 29 de dezembro de 2006, do Município de Sumaré, adotando-se,
após, as providências necessárias à suspensão definitiva dos efeitos de sua
execução.
Requer-se ainda
seja citado o Procurador-Geral do Estado, para manifestar-se sobre o ato
normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 18 de março de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
vlcb
Protocolado nº 130.025/08 - MP
Interessado: Promotoria
de Justiça de Sumaré
Assunto: Inconstitucionalidade
dos artigos 5º, 6º, 7º e 12 da Lei Municipal n. 4.319, de 29 de dezembro
de 2006, do Município de Sumaré.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos artigos 5º, 6º, 7º e 12 da Lei Municipal n. 4.319, de 29 de dezembro de 2006, do Município de Sumaré, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 18 de março de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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