Excelentíssimo Senhor
Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.
O Procurador-Geral de Justiça, no exercício da atribuição prevista
no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n.º 734, de 26 de novembro
de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade
com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal,
e nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São
Paulo, com base nos elementos de convicção constantes do incluso protocolado
(PGJ n.º 132.880/07), vem, perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Complementar n.º
69, de 27 de dezembro de 2002 (modificada pela Lei Complementar
nº 89, de 28 de novembro
de 2003 e pela Lei Complementar nº 123/06) e regulamentada pelo Decreto nº
5.186, de 08 de maio de 2003, todas do Município de Itaquaquecetuba, pelas
razões e fundamentos a seguir expostos:
1.- Assim dispõem as Leis referidas e o citado Decreto :
LEI COMPLEMENTAR Nº 69/02
“Institui a contribuição para o custeio do serviço de
iluminação pública”
“Artigo 1.º - Fica instituída
a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública a ser cobrada de
todos os beneficiários do serviço, nos termos da Emenda Constitucional nº 39.
Artigo 2º - Os
contribuintes da contribuição são os proprietários, os detentores do domínio
útil e os possuidores a qualquer título, de quaisquer imóveis situados em área
atingida pelos serviços de iluminação pública.
Art. 3º - A
critério da Administração Municipal, a contribuição poderá ser cobrada
individualmente ou em conjunto com a fatura de consumo de energia elétrica ou
com o documento de arrecadação do Imposto predial e Territorial Urbano.
Parágrafo único- No
caso de ser lançada a contribuição juntamente com outra cobrança,
obrigatoriamente deverão constar os seus elementos indicativos.
Artigo 4º - Os
vencimentos e os períodos da arrecadação da contribuição serão fixados por
decreto regulamentar.
Artigo 5º - O
valor da contribuição será aferido tomando-se por base o valor despendido para
a prestação do serviço, rateado pelo consumo de energia elétrica no imóvel ou
em função da testada de cada imóvel, na forma da tabela anexa quando couber.
§1º - Quando o
imóvel for condomínio, cada unidade corresponderá a testada do imóvel.
§2º - Havendo
servidão de passagem para acesso ao imóvel, será levada em conta a testada da
passagem.
Artigo 6º - Fica autorizada
a Prefeitura a celebrar com a concessionária distribuidora de energia contrato
para que
esta efetive a cobrança
da contribuição na fatura do consumo de energia elétrica no imóvel.
Artigo 7º - O não pagamento da contribuição nos prazos fixados, sujeitará
o contribuinte a todos os acréscimos fixados para o não pagamento dos tributos
municipais.
Parágrafo Único- No caso da cobrança da contribuição se dar
pela concessionária, será aplicada apenas uma multa de 2% (dois por cento) do seu
valor, desde que o pagamento se dê dentro do nosso exercício; caso não seja,
será aplicada a prescrição do caput.
Artigo 8º- Esta
Lei Complementar será regulamentada por decreto no prazo de até 180 (cento e
oitenta) dias.
Artigo 9º - A
presente Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, mas terá
eficácia a partir do dia 1º de janeiro de 2003”.
DECRETO N. 5204/03
“ Regulamenta
os Artigos 4º e 5º , da Lei Complementar n° 69, de 27 de dezembro de 2002”.
Artigo 1º - Este Decreto
regulamenta os Artigos 4º e 5º , da Lei Complementar nº 69, de 27 de dezembro
de 2002, que instituiu a contribuição para custeio do serviço de iluminação
pública.
Artigo 2º - O valor da contribuição
será aferido tomando-se por base o valor despendido no mês de maio de 2003,
para a prestação do serviço de iluminação nos logradouros, dividido pelo total
de kwh consumido no Município no mesmo período, e multiplicando-se o quociente
encontrado pelo consumo de energia elétrica individual de cada imóvel.
Parágrafo Único- O valor encontrado com a
equação acima será cobrado mês a mês, juntamente com a conta de energia
elétrica individual de cada imóvel.
Artigo 3º - As despesas
decorrentes com a execução do presente Decreto, correrão à conta das dotações
próprias do orçamento, suplementadas se necessário.
Artigo 4º - Este Decreto entrará em
vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário e em
especial o Decreto n. 5186, de 08 de maio de 2003.
LEI COMPLEMENTAR Nº 28/03
“Dá nova redação ao Artigo 5º da Lei
Complementar nº 69, de 27 de dezembro de 2002, que instituiu a Contribuição
para o Custeio do Serviço de Iluminação - CIP , e dá outras providências”.
“Artigo 5º - O
valor da contribuição, para fins de custeio do serviço de iluminação pública no
município, é o determinado pelo Anexo I, que incorpora a tarifa de cobrança da
Empresa Fornecedora de Energia, e que fica fazendo parte integrante desta Lei
Complementar.
Parágrafo Único-
Ficam isentos da contribuição os contribuintes vinculados ás unidades
Consumidoras classificadas como “tarifa social de baixa renda” pelo critério da
Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (N.R.).
Artigo 2º - A
isenção referida no Art. 1º , acima, será compensado pela arrecadação de
Imposto Predial e Territorial Urbano prevista com o cadastramento de 3 (três)
imóveis, na forma do Anexo II, que faz parte integrante desta Lei Complementar.
Artigo 3º - Esta
Lei Complementar entrará em vigor em 1º de janeiro de 2004, revogadas as disposições
em contrário.
Parágrafo
Único – O serviço previsto no caput deste artigo compreende o consumo de
energia destinada à iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos, e a
instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública.
LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06
“ Dispõe sobre a
alteração do art. 6º da Lei Complementar n. 69, de 27 de dezembro de 2002 e
altera o seu Anexo I”.
Artigo
1º - O art. 6º da Lei Complementar n. 69, de 27 de dezembro de 2002,
passa a vigorar com a seguinte redação:
“Artigo 6º - Fica
autorizado o Executivo a elaborar com a concessionária distribuidora da energia
contrato, com correção pelo índice IGPM da fundação Getúlio Vargas ou outro que
venha a substituí-lo, para que esta efetive a cobrança da contribuição na
fatura de consumo de energia elétrica no imóvel”.
Artigo 2º - O
anexo I da Lei Complementar n. 69, de 27 de dezembro de 2002, passa a vigorar
com a redação do Anexo desta Lei Complementar.
Artigo 3º - As
despesas decorrentes da execução da presente Lei Complementar correrão a conta
da dotação própria do orçamento.
Artigo 4º - Esta
Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
ANEXO I
CLASSE DOS CONTRIBUINTES: (Conforme Art. 20 da Resolução nº 456, de 20 de novembro de 2000 da
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA-ANEEL-) |
VALOR MENSAL DA CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DO
SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA- CIP + tarifa de cobrança (R$ 0,25) |
COMERCIAL (BAIXA TENSÃO-BT) |
R$................3,73 |
COMERCIAL (MÉDIA E ALTA TENSÃO-ELAG) |
R$................323,81 |
CONSUMO PRÓPRIO DA EMPRESA FORNECEDORA DE ENERGIA |
R$................45,25 |
INDUSTRIAL (BAIXA TENSÃO-BT) |
R$.................9,05 |
INDUSTRIAL (MÉDIA E ALTA TENSÃO-ELAG) |
R$.................497,51 |
PODER PÚBLICO (BAIXA TENSÃO – BT |
R$.................15,23 |
PODER PÚBLICO (MÉDIA E ALTA TENSÃO-ELAG) |
R$....................481,75 |
RESIDENCIAL |
R$...................1,10 |
RURAL (BAIXA TENSÃO-BT) |
R$...................7,36 |
RURAL (MÉDIA E ALTA TENSÃO –ELAG) |
R$...................342,25 |
SERVIÇO PÚBLICO (BAIXA TENSÃO-BT) |
R$...................26,05 |
SERVIÇO PÚBLICO (MÉDIA E ALTA TENSÃO-ELAG) |
R$...................3.321,25 |
A legislação municipal acima reproduzida - como
será visto a seguir - é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado
de São Paulo, mais precisamente com os seus arts. 5º, 111, 144, 160, § 1º e
163, incisos I e II, que dispõem o seguinte:
"Art.
5º - São Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 111 – A administração
pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado,
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.
Art. 144 – Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por
Lei Orgânica, atendidos
os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(Art. 160) - .........
§
1.º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à
administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses
objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da
lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Art. 163 – Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei
que o estabeleça;
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que
se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de
ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
Na
ordem constitucional em vigor, os Municípios integram a federação e têm
assegurada sua autonomia, atendidos
os princípios estabelecidos na Carta Magna e na
Constituição do
respectivo Estado (CF., art. 29, caput). Basicamente, essa autonomia se revela pelas competências
outorgadas a tais entes federativos para legislarem sobre assuntos de interesse
local; suplementarem a legislação federal e a estadual no que couber; “instituírem e arrecadarem os tributos
que lhes são próprios”
(CF., art. 30, inciso III), além de outras.
É bem de ver, porém, que a competência tributária
dos entes públicos municipais - consubstanciada na capacidade de instituir
tributos - encontra limites nas normas da Constituição Federal ([1])
atinentes ao Sistema Tributário Nacional (CF., art. 145 e segs.), que envolvem
princípios incontornáveis, dentre os quais as
regras matrizes dos tributos.
De fato, mesmo admitindo-se que a Constituição em
vigor não criou tributos, é certo que, além de discriminar competências, ela
traçou a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem
ser instituídos pelas entidades estatais. Assim sendo, ao conferir às pessoas
políticas competência para a instituição de “impostos, taxas
e contribuições”, a Constituição da
República no seu art. 145 classifica juridicamente os tributos, traçando o
modelo de cada um deles e vinculando ao legislador ordinário.
Sobre o tema, ROQUE
ANTONIO CARRAZZA formulou as
seguintes considerações:
“A Constituição, ao discriminar
as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo
implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma
padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação.
Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo
possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota
possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o
legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma
padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador
(federal, estadual, municipal ou distrital)
enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.”
(Cf. “Curso de Direito Constitucional Tributário”, RT, 4.ª ed., p. 257).
Nesse mesmo sentido é a
orientação que emerge da mais elevada Corte Judiciária de nosso país, ‘verbis’: “O fundamento do poder de
tributar (...) reside no dever jurídico de essencial e estrita fidelidade dos
entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Constituição da República.
(v. Despacho proferido pelo Ministro-Presidente CELSO DE MELLO, Informativo n.º 125), sendo, portanto,
inconstitucional qualquer tributo criado fora desses limites”.
Vistos
esses aspectos, tem-se no caso sob exame que – ante o permissivo do art. 149-A
da Constituição Federal - a Câmara Municipal de Itaquaquecetuba editou a Lei Complementar
n.º 69, de 27 de dezembro de 2002 (modificada pela lei Complementar nº 89, de
28 de novembro de 2003 e pela Lei Complementar nº 123/06) e regulamentada pelo
Decreto nº 5.186, de 08 de maio de 2003, todas do Município de Itaquaquecetuba,
instituindo a cobrança de contribuição para o custeio do serviço de iluminação
pública, cujo fato gerador é “o consumo de energia elétrica por pessoa
natural ou jurídica, mediante ligação regular de energia elétrica no território
do município”
A
propósito, cumpre recordar que anteriormente à edição da EC n.º 39/02, que
possibilitou a cobrança dessa
espécie tributária,
inúmeros Municípios criaram e implantaram a taxa de iluminação pública,
declarada inconstitucional pelo Excelso Pretório (RREE 231.764-RJ e 233.332-RJ,
Rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. em
10/03/1999), por referir-se a serviço inespecífico e indivisível.
Não
obstante a promulgação da EC n.º 39/02, quando autorizou a cobrança de
contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, a Lei Complementar
n.º 69/02 contrariou frontalmente a Constituição, fugindo do modelo por ela
traçado, ao permitir diferenciação de alíquotas em função da classe de
consumidores (residencial, rural, industrial, comercial e outros).
Com efeito, o Anexo I da lei em questão,
estabeleceu dispôs no seu art. 5º que “as alíquotas de contribuição são
diferenciadas conforme a classe de
consumidores (residencial, rural, industrial, comercial e outros).
Verifica-se, assim, que as alíquotas previstas na
presente lei são definidas pela classe de consumidores: RESIDENCIAL
; RURAL ; COMERCIAL; INDUSTRIAL e OUTROS
.
Entretanto, por sua natureza peculiar, a contribuição para o custeio da iluminação
pública não condiz com o regime de “alíquotas diferenciadas”, tal como
previsto na legislação municipal ora discutida, mormente pela ausência de
autorização constitucional expressa. Isso significa dizer que essa modalidade
de tributo não pode variar na razão da presumível capacidade contributiva do
sujeito passivo da obrigação tributária.
O critério adotado pela mencionada lei se revela demasiadamente absurdo e não se presta à efetiva realização da
justiça tributária, incompatibilizando-se com o postulado básico da
capacidade contributiva. O fato de estabelecer alíquotas maiores para quem consome mais energia não se presta à
realização da justiça fiscal.
Na realidade, o critério legalmente eleito - a classe
de consumidores - não se presta a avaliar a real capacidade econômica do
contribuinte. Para que seja alcançada a isonomia tributária, por meio de
avaliação da capacidade econômica do contribuinte, é indispensável a
consideração de outros dados, como os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte, conforme expresso na regra constitucional.
Ademais, a espécie normativa
em questão também malfere o princípio da
legalidade e, por conseguinte, o princípio da separação de poderes.
Sobre o conteúdo
do princípio da legalidade tributária Roque Antonio Carrazza afirma[2]:
"...o patrimônio dos
contribuintes só pode ser atingido nos
casos e modos previstos na lei, que deve ser geral e abstrata, igual para todos e irretroativa (art. 150, III, 'a', da CF),
não confiscatória (art. 150, IV, da CF) etc. O tributo, pois, deve nascer da
lei (editada, por óbvio, pela pessoa política competente). Tal lei deve conter todos os
elementos e supostos da norma jurídica tributária (hipótese de
incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas bases de cálculo e alíquotas),
não se discutindo, de forma alguma, a
delegação, ao Poder Executivo, da faculdade de defini-los, ainda que
flagrante inconstitucionalidade. Não discrepa desta linha Paulo de Barros
Carvalho: 'Assinale-se que à lei
instituidora do gravame é vedado deferir atribuições legais a normas de
inferior hierarquia, devendo, ela mesma dar
a plenitude da regra matriz motivo
por que é inconstitucional, certa prática, cediça no ordenamento brasileiro, e consistente na delegação de poderes para
que órgãos administrativos completem o
perfil dos tributos. E o que acontece com diplomas normativos que autorizam
certos órgãos da Administração Pública
federal a expedirem normas que dão acabamento à figura tributária concebida
pelo legislador ordinário. Mesmo nos casos em que a Constituição dá ao
Executivo federal a prerrogativa de manipular o sistema de alíquotas, como
no caso do Imposto Sobre Produtos
Industrializados (IPI), tudo se faz dentro de limites que a lei
especifica'. Irrefutável, deste
modo, o entendimento acerca da invalidade da
delegação de poderes à Administração para que venha a dispor sobre
qualquer dos elementos da regra-matriz tributária, tarefa esta circunscrita à lei instituidora
do gravame. (...) O princípio da
legalidade alcança todos os tributos, abrangendo, pois, os impostos, as
taxas e a contribuição de melhoria. Também a ele não se subtraem os empréstimos compulsórios, impostos
extraordinários, as contribuições parafiscais
e as
contribuições a que alude o art. 149, da Constituição Federal, que, com serem
tributos, podem, a nosso ver, ser reconduzidos, dependendo de suas hipóteses de
incidência, a uma destas três modalidades."
Somente a lei pode criar ou majorar um tributo, e, criar um tributo, conforme
pontifica Hugo de Brito Machado:
"...é estabelecer todos os
elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve
ser pago. Assim, a lei instituidora do tributo há de conter: (a) a descrição do
fato tributável; (b) a definição da
base de cálculo e da alíquota ou outro critério a ser utilizado para o
estabelecimento do valor do tributo; (c) o critério para identificação do sujeito passivo da obrigação
tributária; (d) o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso
da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade." [3]
Aliás, a razão de ser do nascimento, histórico,
dos parlamentos, é justamente a matéria tributária, conforme consta no r. voto
do Ministro Celso de Mello, em tema
correlato, qual seja, da
impossibilidade da criação de tributos
por Medida Provisória[4]:
"...A fórmula do government
by consent reflete a própria
essência do regime democrático, cujos postulados fundamentais, ao repousarem no
consenso dos governados, repelem qualquer ensaio que possa conduzir ao
prevalecimento da vontade unilateral de qualquer dos detentores do poder
estatal.Cabe advertir, por isso mesmo, que a utilização excessiva das medidas
provisórias minimiza, perigosamente, a importância político-institucional do
Poder Legislativo, pois suprime a possibilidade de prévia discussão parlamentar
de matérias que devem estar ordinariamente sujeitas ao poder decisório do
Congresso Nacional. Presente esse
contexto, entendo que a criação de novos tributos e a majoração de tributos já
existentes constituem matérias inteiramente sujeitas ao domínio normativo da
lei em sentido formal, regendo-se, em seu processo de positivação, pelo princípio da reserva de parlamento (J. J. GOMES CANOTILHO, "Direito
Constitucional e Teoria da Constituição", p. 636, item n. 4, 1998,
Almedina), vedada, em conseqüência, a possibilidade de ingerência normativa do
Chefe do Poder Executivo
no tratamento unilateral de uma
questão,
que, historicamente, por razões de
garantia política dos cidadãos e de segurança jurídica dos contribuintes, sempre se reservou, nos regimes
democráticos, à apreciação soberana dos corpos parlamentares ('no
taxation without representation')."
Com efeito, uma vez
transferido do Legislativo para o Executivo a tarefa de fixar, definitivamente,
as alíquotas do tributo criado pela legislação objeto da presente impugnação restou
descumprido o princípio da separação entre os poderes.
Para finalizar, observo que o
art. 6.º da Lei Complementar n.º 123/06 – ao prever que a correção do valor da Contribuição para
o Custeio do serviço de Iluminação Pública, seja pelo Índice IGPM da Fundação
Getúlio Vargas --, é incompatível com a autonomia financeira
dos Municípios, que vem expressamente consagrada no art. 144 da Constituição do
Estado de São Paulo, dado que, por força dessa regra, a atualização do valor da
contribuição destinada ao custeio do serviço de iluminação pública dispensa a
deliberação dos Poderes locais, porquanto foi vinculada ao referido
índice para o reajuste da energia
elétrica, quando deveria levar em conta a variação dos custos do serviço de
iluminação pública, do qual a energia elétrica é apenas um dos componentes.
Em
conclusão, o ato normativo em epígrafe é materialmente inconstitucional
porque: (a) a cobrança da CIP, nos
moldes em que está sendo feita se baseia exclusivamente à atividade do imóvel
contribuinte (residencial, industrial, comercial e outros), independentemente
de se averiguar outros elementos para a correta averiguação da capacidade dos
contribuintes, afigurando-se, portanto, ofensivo à razoabilidade e à isonomia e
(b)
a vinculação da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública-
CIP ao índice IGPM da Fundação Getúlio Vargas ofende a autonomia municipal.
Remanesce, no presente caso, a necessidade da
concessão de “MEDIDA LIMINAR”. Isso
porque, quando se trata do controle normativo abstrato, e uma vez verificada a
cumulativa satisfação dos pressupostos legais concernentes ao “fumus boni juris” e ao “periculum in mora”, o poder geral de
cautela autoriza a suspensão da eficácia dos atos normativos impugnados, até o
final julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.
A plausibilidade jurídica da tese exposta na
inicial é evidente, não admitindo maiores questionamentos, ante a adoção, por
lei, com vistas ao custeio do serviço de iluminação pública, de critério de cobrança
desarrazoado,
arbitrário e que é
ofensivo à isonomia, que manda tratar igualmente as situações iguais e
desigualmente as desiguais. Além disso, resta clara a ofensa à legalidade
tributária.
E, por outro lado, também está delineada a situação de risco, caracterizadora do ‘periculum in mora’, tanto mais porque “em matéria tributária há um permanente
estado de ameaça gerada pela potencialidade de ato administrativo fiscal
dirigido ao contribuinte” (STJ - 1ª Turma, j. 21.8.97, rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJU de 10.11.97,
p. 57.703). Assim, o contribuinte estará sendo compelido a pagar uma exação
cuja constitucionalidade é aqui contestada
– e certamente o fará por temor às conseqüências que a lei empresta ao
inadimplemento tributário -, salvo, é claro, se estiver amparado pela liminar
ora pleiteada.
Como a CIP atinge milhares de pessoas, a repetição
do indébito exigirá a multiplicação de longas e dispendiosas demandas. Ou seja,
estar-se-á sujeitando o contribuinte a uma situação semelhante à anacrônica
regra do solve et repete. Em suma: há justo receio de lesão ao
direito que tem o contribuinte de não pagar uma dívida tributária cuja fonte
normativa foi moldada em total afronta
às normas
constitucionais. De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de
risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no
contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério
relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do STF,
preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf.
ADIN-MC 125, j. 15.2.90, rel. Min. CELSO
DE MELLO; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540,
DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Tais afirmações se ajustam com precisão aos casos,
como o presente, cuja matéria em discussão é tributária. Com efeito, as limitações constitucionais ao poder
estatal de tributar têm manifesta relevância e é inegável que convém ao bem
comum assegurar o efetivo império de seus princípios. Como se sabe, “o
exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos
modelos jurídicos positivados no texto constitucional, que, de modo explícito
ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à
competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies
tributárias existentes”. Bem por isso, “os princípios constitucionais
tributários (...),
sobre representarem
importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão
fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo
ordenamento estatal”
(ADIN-MC 712-DF, rel. Min. CELSO DE
MELLO, j. em 7.10.92).
Nestes termos requeiro a concessão da medida liminar para que sejam suspensos os
efeitos dos atos normativos impugnados, bem como seja autorizado o
processamento da presente ação, colhendo-se as informações pertinentes do
Prefeito e da Câmara de Vereadores de Itaquaquecetuba, sobre as quais me
manifestarei oportunamente, vindo, a final, a ser declarada a
inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 69, de 27 de dezembro de 2002
(modificada pela lei Complementar nº 89, de 28 de novembro de 2003 e pela Lei
Complementar nº 123/06) e regulamentada pelo Decreto nº 5.186, de 08 de maio de
2003, todas do Município de Itaquaquecetuba, por afrontar os arts. 5º, 111,
144, 160, § 1.º, e 163, incisos I e II, da
Carta Paulista.
São Paulo, 06 de maio de 2008.
FERNANDO
GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA
[1]
Tais
normas são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios e foram
reproduzidas na Constituição do Estado de São Paulo (art. 159 e segs.)
[2] Curso de Direito
Constitucional Tributário, p. 217, 16.ª ed.,
Malheiros, São Paulo.
[3] Curso de Direito Tributário. 20a ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 41. grifos não constantes do original.
[4] Oswaldo Luiz Palu,
Controle de Constitucionalidade – conceitos, sistemas e efeitos, p. 247, 2.ª ed., RT, São Paulo.