EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 134.316/2010

Assunto: Inconstitucionalidade das Leis n. 4.810, de 4 de outubro de 2004, 4.901, de 9 de setembro de 2005, 5.387, de 2 de setembro de 2009, todas do município de Jacareí

 

 

Ementa:

1. Lei n. 4.810, de 4 de outubro de 2004, que dispõe sobre a organização dos Conselhos Gestores nas Unidades de Saúde do Sistema Único de Saúde. Lei n. 4.901, de 9 de setembro de 2005, que alterou a Lei n. 4.810. Lei n. 5.387, de 2 de setembro de 2009, que também alterou a Lei n. 4.810.

2. Lei verticalmente incompatível com a regra da iniciativa reservada e com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

3. Inconstitucionalidade formal subjetiva pelo vício de iniciativa e pela ofensa ao Princípio da Separação e da Harmonia entre os Poderes.

4. Inconstitucionalidade por ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual, decorrente da falta de indicação de recursos.

5. Violação aos arts. 5º, 25, 47, II, XI, XIV e XIX, 111 e 144.

6. Ação direta ajuizada.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e no art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda no art. 74, inciso VI e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PT n. 50.536/09), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, em face da Lei n. 4.810, de 4 de outubro de 2004, da Lei n. 4.901, de 9 de setembro de 2005, e da Lei n. 5.387, de 2 de setembro de 2009, todas do Município de Jacareí, de iniciativa parlamentar, pelos fundamentos a seguir expostos.

Das leis impugnadas

A Lei n. 4.810, de 4 de outubro de 2004, que dispõe sobre a organização dos Conselhos Gestores nas Unidades de Saúde do Sistema Único de Saúde, na íntegra, está reproduzida a fls. 124/127 do protocolado.

Em síntese, a lei impugnada acaba por, efetivamente, criar os Conselhos Gestores nas Unidades Públicas de Saúde de Jacareí, dispondo sobre sua organização, composição, forma de indicação dos membros, tempo de mandado, eleição e outros (arts. 1º a 4º). Além disso, estabelece a competência dos Conselhos Gestores (art. 5º) e a forma de escolha dos membros (art. 6º).

A Lei n. 4.901, de 9 de setembro de 2005, também de iniciativa parlamentar, alterou a Lei n. 4.810/2004 no que diz respeito ao prazo de escolha dos membros dos Conselhos Gestores. Está reproduzida a fls. 143 do protocolado.

A Lei n. 5.387, de 2 de setembro de 2009, também alterou a Lei n. 4.810, modificando o prazo do mandato dos membros dos Conselhos. Está reproduzida a fls. 120 do protocolado.

 

Vício formal: reserva de iniciativa

Da violação ao princípio da separação de poderes

O Poder Legislativo Municipal não tem legitimidade para deflagrar processo legislativo para criar e organizar os Conselhos Gestores nas Unidades de Saúde do Sistema Único de Saúde do Município.

Trata-se, no caso, de atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo, de tal forma que o Poder Legislativo invadiu a sua esfera de competência, a quem cabe a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre tais matérias.

Por isso, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende ver declarada como inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um Poder sobre o outro.

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, que:

São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Por sua vez, o art. 47, incisos II, XIV e XVII, da Carta Constitucional paulista veicula princípio de observância obrigatória aos municípios:

Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

 

As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução do principio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos.

Ao Poder Legislativo, como se sabe, é vedada a administração da cidade, tarefa que incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', que tem na lei um dos seus mais relevantes instrumentos. O poder de iniciativa neste campo - administração da cidade - é do Executivo (melhor, do 'Governo'), participando o Poder Legislativo, quando assim determinar a Constituição, apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os atos. A hipótese é de administração ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Para Hely Lopes Meirelles , após dizer que “todo o patrimônio municipal fica sob a administração do prefeito”:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito.

Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração”.

A lei sindicada na presente ação, de iniciativa parlamentar, não contém proposição geral e abstrata e, bem analisada, representa ingerência nas prerrogativas do Prefeito Municipal ao vincular, de forma ilegal, a atuação de órgãos públicos municipais. De observar que há verdadeira instituição dos Conselhos Gestores por lei de iniciativa parlamentar.

Como já decidiu esse honrado Órgão Especial, em acórdão da lavra do eminente Desembargador MAURÍCIO FERREIRA LEITE, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n. 146.174.0/9-00 (Julgamento: 19/03/2008), em caso similar, há violação ao princípio da separação de poderes quando a lei de iniciativa parlamentar não possui caráter genérico e abstrato:

“AÇÃO DIRETA DE INCOSNTITÜCIONALIDADE - Lei Municipal n. 10.972/2006, de Ribeirão Preto - Legislação, de iniciativa parlamentar, que torna obrigatória a criação de um banco de dados informatizado a respeito dos casos de doenças respiratórias em todas as unidades de saúde do Município - Impossibilidade - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Exercício da função executiva ordinária não pressupõe qualquer autorização. Função legislativa da Câmara dos Vereadores possui caráter genérico e abstrato - Ofensa ao princípio da separação dos poderes - Inexistência, ademais, de indicação dos recursos orçamentários para implantação da medida - Ação direta julgada procedente, para declarara inconstitucionalidade da norma”.

Frise-se que, no presente caso, a lei não se limitou à generalidade, mas dispôs sobre a criação, organização, composição, forma de eleição, período do mandato e, inclusive, sobre a competência dos Conselhos Gestores. Assim agindo, o legislador municipal, de forma concreta e específica, implantou e determinou a atuação de órgãos municipais e, ainda, gerando despesas.

Válida a esse propósito a advertência feita por Hely Lopes Meirelles, para quem “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Vício material: criação de despesa sem correspondente fonte de receita.

Anote-se também que a lei ora impugnada não indica a correspondente fonte de receita para fazer frente às despesas que dela decorrerão.

Por isso, há evidente afronta ao art. 25 da Lei Maior Paulista:

Artigo 25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Em tais situações, esse E. Tribunal tem reconhecido a inconstitucionalidade dos diplomas que incidem em vício dessa natureza, em função da violação ao disposto no art. 25 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da referida Carta Estadual (Confiram-se os julgados proferidos nas ADIs. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

Da Liminar

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece integralmente de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo questionado, subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas e imposição de obrigações à Municipalidade, que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese provável de procedência da ação direta.

É nítida a ocorrência do risco do fato consumado, e da dificílima – para não dizer improvável - reparação dos danos que serão causados ao erário.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo questionado, cuja inconstitucionalidade é palpável, evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos dispositivos das Leis n. 4.810, de 4 de outubro de 2004, 4.901, de 9 de setembro de 2005, 5.387, de 2 de setembro de 2009, todas do município de Jacareí.

Do Pedido

Face ao exposto, requer-se:

a) o recebimento da inicial e o regular processamento da presente ação direta até final julgamento;

b) a colheita das informações necessárias do Excelentíssimo Presidente da Câmara Municipal e do Excelentíssimo Prefeito Municipal, sobre as quais protesta por manifestação oportuna;

c) a oitiva do douto Procurador-Geral do Estado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual;

d) ao final, seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade das Leis n. 4.810, de 4 de outubro de 2004, 4.901, de 9 de setembro de 2005, 5.387, de 2 de setembro de 2009, todas do município de Jacareí, por violação aos arts. 5º, 25, 47, II, XI, XIV e XIX, 111 e 144, todos da Constituição Paulista.

São Paulo, 3 de fevereiro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

/md

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 134.316/2010

Assunto: Inconstitucionalidade das Leis n. 4.810, de 4 de outubro de 2004, 4.901, de 9 de setembro de 2005, 5.387, de 2 de setembro de 2009, todas do município de Jacareí

Interessado: (...)

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                    São Paulo, 3 de fevereiro de 2011.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

/md