Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Protocolado nº134.388/08

Objeto: art.297 do Código Tributário Municipal de Tupã, com a redação dada pela Lei Complementar Municipal nº66, de 23/12/2004.

Ementa:

1)Ação direta de inconstitucionalidade. Taxa de Conservação de Vias e Logradouros Públicos. Art.297 do Código Tributário Municipal de Tupã, red. Lei Complementar Municipal nº66, de 23.12.2004.

2)Taxa que tem como hipótese de incidência serviço não específico e indivisível. Afronta ao art.160 II da Constituição do Estado, que reproduz o art.145 II da CR/88.

3)Efeito repristinatório. Declaração de inconstitucionalidade que provocará a revitalização da redação anterior do dispositivo, que padecia do mesmo vício. Necessidade de declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, do preceito revogado. Pedido sucessivo. Precedentes do E. STF.

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.125, §2º, e art.129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art.74, inciso VI, e art.90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº134.388/08, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art.297 do Código Tributário Municipal de Tupã, com a redação dada pela Lei Complementar Municipal nº66, de 23/12/2004, pelos fundamentos expostos a seguir.

 

1)Ato normativo impugnado.

 

         A Lei Municipal nº2087, de 20.12.1974, trata do Código Tributário Municipal de Tupã. Seu art.297 recebeu nova redação, por força da Lei Complementar nº66, de 23.12.2004, passando a dispor como segue:

 

“Art.297. A Taxa de Conservação de Vias e Logradouros Públicos tem como fato gerador a prestação ou utilização, efetiva ou potencial, dos serviços de desobstrução e desinfecção de galerias, terraplenagem, nivelamento, aplicação de herbicidas, assepsia e drenagem de águas estancadas, combate à erosão, conservação do passeio público, guias e sarjetas, manutenção e controle do curso das águas.”

 

         Entretanto, tal preceito normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional, como será demonstrado a seguir.

 

2)Fundamentação.

 

         A “Taxa de Conservação de Vias e Logradouros Públicos” é inconstitucional, pois afronta o art.160 II da Constituição Estadual (que reproduz o disposto no art.145 II da CR/88), e tem a seguinte redação:

 

“Art.160. Compete ao Estado instituir:

 

(...)

 

II – taxas em razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos de sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte, ou postos a sua disposição.”

 

            O dispositivo impugnado instituiu tributo cujo fato gerador é a prestação de serviço geral e indivisível, o que o torna incompatível com a sistemática constitucional tributária.

 

         Não se nega que foi outorgado aos Municípios autonomia, inclusive para fins de instituição e arrecadação de tributos, desde que atendidos os princípios constitucionais estabelecidos, que fixam limites ao exercício dessa competência constitucional (art.29 caput e art.30 III da CR/88).

 

         A Constituição da República, ao regular o sistema constitucional tributário, estabeleceu a denominada “regra matriz de incidência”. Embora não tenha ela própria criado tributos, indicou, de forma genérica, a norma padrão de incidência, ou seja, as hipóteses genericamente consideradas, das quais o legislador infraconstitucional de todas as esferas da Federação pode se valer para criar tributos.

 

         A competência das pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), para instituir e arrecadar tributos, deve se desenvolver dentro desses limites, sob pena de mostrar-se inconstitucional.

 

         É indispensável invocar, nesse passo, as considerações formuladas por Roque Antônio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário, 4ªed., Malheiros, 1993, p.257): “A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional”.

 

         Além disso, a respeito da hipótese de incidência das taxas anota Roque Antônio Carrazza que deve ser “uma prestação de serviço público diretamente referida a alguém”. São os serviços específicos, prestados uti singuli. “Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de água potável, de gás, de energia elétrica, etc. Estes sim podem ser custeados por meio de taxas de serviço” (op. cit., p.271/272).

 

         No mesmo sentido, anotou oportunamente Geraldo Ataliba (Hipótese de Incidência Tributária, 4ªed., São Paulo, RT, 1991, p. 128 e ss.) que a taxa é espécie de tributo vinculado, tendo em vista o critério jurídico do aspecto material do fato gerador, ou seja, a “hipótese de incidência”, devendo assim ser serviço especificamente ligado ao contribuinte.

 

         Nessa mesma linha de raciocínio, aduz Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, 6ªed., 3ª tir., São Paulo, Malheiros, 1993, p.141), que “quanto à divisibilidade, o conceito do Código Tributário Nacional está correto, pois caracteriza como divisíveis os serviços uti singuli, i. é, os de utilização individual e mensurável, que se contrapõem aos serviços uti universi, prestados indistintamente a todos os usuários, sem possibilidade de individualização e medição, muito embora possam beneficiar mais determinadas categorias do que outras. (...) Somente a conjugação desses dois requisitos – especificidade e divisibilidade – aliada à compulsoriedade do serviço, pode autorizar a imposição de taxa”.

 

         É pacífico, na doutrina, o entendimento de que só serviços específicos e divisíveis podem render ensejo à tributação por meio de taxas. Confira-se, entre outros: Luciano Amaro Neto, Direito Tributário Brasileiro, 13ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.33 e ss; Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 14ªed., Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p.403; Leandro Paulsen, Direito Tributário, 9ªed., Porto Alegre, 2007, p.48.

 

         Essa posição também é assente junto ao E. STF, no sentido de não se admitir a tributação, por meio de taxas, de serviços que não sejam específicos e divisíveis. Confiram-se os seguintes precedentes: RE 367.004-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 31-5-07, DJ de 22-6-07; ADI 2.424, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 1º-4-04, DJ de 18-6-04; ADI 948, Rel. Min. Francisco Rezek, julgamento em 9-11-95, DJ de 17-3-00; AI 245.539-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-12-99, DJ de 3-3-00; RE 249.070, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 19-10-99, DJ de 17-12-99; ADI 447, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-91, DJ de 5-3-93.

 

         Apenas a título de exemplificação, confira-se a ementa transcrita a seguir, pela qual o E. STF reconheceu a inconstitucionalidade da “Taxa de Limpeza Pública”, por vício similar ao verificado na Taxa impugnada na presente ação direta:

 

“EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA: MUNICÍPIO DE IPATINGA/MG. C.F., art. 145, II. CTN, art. 79, II e III. I. - As taxas de serviço devem ter como fato gerador serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Serviços específicos são aqueles que podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas; e divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos usuários. CTN, art. 79, II e III. II. - Taxa de Limpeza Pública: Município de Ipatinga/MG: o seu fato gerador apresenta conteúdo inespecífico e indivisível. III. - Agravo não provido.” (RE-AgR 366086/MG, REL. Min. CARLOS VELLOSO, j. 10/06/2003, 2ª T., DJ 01-08-2003 PP-00137, EMENT VOL-02117-45 PP-09708).

 

         Diversa não é a posição que vem sendo adotada por esse C. Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

         Quando do julgamento da ADI 151.685-0/2-00, rel. des. Damião Cogan, em 13.08.2008, por unanimidade foi reconhecida a inconstitucionalidade da taxa de conservação de vias e logradouros públicos instituída no Município de Tatuí, tendo o i. relator consignado em trecho de seu voto que:

 

“As atividades indicadas de conservação das vias e logradouros públicos devem ser realizadas através da receita pública obtida com os impostos, já que a Constituição da República não autoriza a instituição de taxa para o custeio de serviço público de utilização coletiva.”

 

            No mesmo sentido, a ementa transcrita a seguir:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 165 a 169, da Lei 803/03, do Município de Poloni. Institui taxa de conservação de vias e logradouros públicos- Remuneração de serviço público geral e indivisível voltados a toda a coletividade. Inadmissibilidade. Precedentes. Ofensa aos artigos da CE. Ação procedente.” (ADI 151.688-0/6, rel. des. Passos de Freitas, j. 11.06.2008, v.u.).

 

            Deste modo, suficientes são os fundamentos para o reconhecimento da inconstitucionalidade do tributo impugnado.

 

 3)Inconstitucionalidade por arrastamento de dispositivo repristinado.

 

         Na hipótese esperada de acolhimento desta ação direta, sendo declarada a inconstitucionalidade do art.297 do Código Tributário Municipal de Tupã, na redação que lhe foi conferida pela Lei Complementar Municipal nº66 de 23.12.2004, recobrará sua eficácia e vigência a redação anterior do dispositivo, que era a seguinte:

 

“Art.297. A taxa de limpeza e conservação de vias e logradouros públicos tem como fato gerador a prestação ou utilização, efetiva ou potencial, dos seguintes serviços:

 

I – varrição de ruas e logradouros públicos;

 

II – capinação, conservação ou manutenção da limpeza das vias públicas e logradouros públicos.”

 

            Como se sabe, o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei produzirá o efeito repristinatório com relação à norma que vigorava anteriormente à impugnada na ação direta.

 

         Como anotou o Min. Celso de Mello, “A declaração de inconstitucionalidade "in abstracto", considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 - RTJ 194/504-505 - ADI 2.867/ES, v.g.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores. Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória. A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional”. (ADI 3148/TO, rel. Min. Celso de Mello, j.13/12/2006, Tribunal Pleno, DJe-112, DIVULG 27-09-2007, PUBLIC 28-09-2007, DJ 28-09-2007PP-00026, EMENT VOL-02291-02 PP-00249).

 

         Ocorre que, no caso em exame, a norma repristinada padece do mesmo vício que a norma que, como se espera, será declarada inconstitucional.

 

         É necessária, desse modo, a declaração da inconstitucionalidade, por arrastamento, do ato normativo repristinado, sob pena de ineficácia e inutilidade da procedência desta ação direta.

 

         Tal solução é possível, sempre que (a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade concreta, outros preceitos do mesmo diploma que não tenham sido impugnados, e (b) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vício.

 

         Para tanto desnecessário se mostraria pedido expresso do autor. Nem há suposto limite relacionado à estabilização da demanda (art.264 do CPC). Raciocínio contrário importaria trazer para o processo objetivo regras procedimentais do processo individual, que àquele não se aplicam, pela absoluta diversidade quanto à sua natureza e função.

 

         Essa solução tem sido reconhecida pacificamente pelo E. STF (v.g.: ADI 1144/RS, rel. Min. EROS GRAU, j.16/08/2006, T. Pleno; DJ 08-09-2006 PP-00033, EMENT VOL-02246-01 PP-00057, LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, p. 20-26; ADI 3255/PA, rel.Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j.22/06/2006, T. Pleno, DJe-157  DIVULG 06-12-2007, DJ 07-12-2007 PP-00018,  EMENT VOL-02302-01,  PP-00127; ADI 3645/PR, rel.  Min. ELLEN GRACIE, j. 31/05/2006, T. Pleno, DJ 01-09-2006 PP-00016, EMENT VOL-02245-02 PP-00371, LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, p. 75-91), não surgindo qualquer óbice em razão da não impugnação, na inicial, dos dispositivos repristinados.

 

         Note-se que a declaração da inconstitucionalidade de preceitos não mencionados expressamente pelo autor é viável em razão da natureza objetiva do processo de controle abstrato de normas, em que não se identificam réus ou partes contrárias, mas exclusivamente o interesse veiculado, pelo requerente, no sentido da preservação da segurança jurídica (cf. ADI-ED 2982/CE, rel. Min. GILMAR MENDES, j.02/08/2006, T. Pleno, DJ 22-09-2006 PP-00029, EMENT VOL-02248-01 PP-00171, LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 53-59).

 

          Entretanto, para que não reste qualquer dúvida, fica formulado expressamente o pedido sucessivo, no sentido de que, acolhida a ação direta, seja também reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo que será repristinado.

 

4)Conclusão e pedido.

 

         Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art.297 do Código Tributário Municipal de Tupã, com a redação dada pela Lei Complementar Municipal nº66, de 23/12/2004, bem como, sucessivamente, seja reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo que será repristinado, ou seja, o art.297 do Código Tributário Municipal de Tupã, em sua redação originária.

 

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Tupã, bem como ao Senhor Prefeito Municipal, e posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

 

         Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 15 de dezembro de 2008.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº134.388/08

Interessado: Promotoria de Justiça de Tupã

Objeto: art.297 do Código Tributário Municipal de Tupã, com a redação dada pela Lei Complementar Municipal nº66, de 23/12/2004.

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta, comunicando-se, por ofício, ao autor da representação.

2.     Deixo de impugnar os dispositivos do Código Tributário Municipal de Tupã que instituíram a “Taxa de Prevenção e Extinção de Incêndios” (art.244 IV e art.354-A), bem como a “Taxa de Coleta e Remoção de Lixo e Disposição Final” (art.299 e 300), tendo em vista que instituídos por legislação anterior à atual Carta Estadual, o que impede o controle concentrado, através do processo objetivo, mas não obsta o controle difuso.

3.     Saliento que esse tem sido o entendimento da doutrina (Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2ªed., São Paulo, RT, 2001, p.225; Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, 2ªed., São Paulo, RT, 2000, p.219 e ss.), bem como do E. STF (v.g. ADI nº2, rel. Min. Paulo Brossard, j. 6.02.92, DJ 21.11.97).

São Paulo, 15 de dezembro de 2008.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça