Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 136.951/09
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do Município de Caconde.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do Município de Caconde. Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano. Falta de participação comunitária. Violação dos arts. 180, I, II e V; e 191, da Constituição Estadual.
O Procurador-Geral de Justiça, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONA-LIDADE da Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do Município de Caconde, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
A Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do Município de Caconde (fls. 78/79), dispõe da seguinte forma:
“Art. 1°- Fica declarada como zona urbana a área
marginal ao reservatório da Represa de Caconde (Usina Caconde), nos limites
deste Município, na extensão de 200 (duzentos) metros, partindo da cota máxima
de inundação do reservatório.
Art. 2° - Fica declarada como "Área de
Preservação Permanente" os 100 (cem) primeiros metros, de que trata o
artigo anterior, a partir do reservatório, podendo a exploração para fins de
comércio, turismo e lazer abranger, no máximo, 10% (dez por cento) da área
total declarada zona urbana.
Art. 3° - Respeitados os imóveis e os empreendimentos
já estabelecidos, quaisquer outros projetos, e edificações ou similares a serem
implantados nessa área, deverão ser previamente aprovados pela Prefeitura de
Caconde, ficando obrigados os proprietários estabelecidos anteriormente a esta
lei fazerem prova desta situação, quando necessário, mediante apresentação de
comprovante de pagamento de impostos e taxas, bem como de documentos de propriedade
ou posse.
Art. 4° - Na área de preservação permanente, onde não
estiver arborizada, os proprietários deverão arborizá-la com árvores nativas e
frutíferas e manter a vegetação rasteira.
Art. 5° - Todas as obras de infra-estrutura básica,
tais como rede de abastecimento de água, malha viária, rede de esgoto e de
energia elétrica, iluminação pública e coleta interna de resíduos sólidos, que
se fizerem necessários, serão de responsabilidade dos proprietários e
empreendedores, que as executarão no prazo previsto no projeto, ou que for fixado pela Prefeitura.
Art. 6° - Aos infratores incursos especialmente nos
artigos 2º (segundo) e 3º (terceiro) desta Lei, serão aplicadas as mesmas
penalidades previstas na legislação federal, estadual e municipal, que tratam
das áreas de proteção permanente sem prejuízo das demais sansões.
Art. 7° - Fica o Executivo Municipal autorizado a
delegar poderes, firmar convênios ou parcerias para a efetiva fiscalização e
cumprimento desta lei."
A lei, no entanto, padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado, na medida em que a aprovação do projeto que lhe deu origem se deu sem que o processo legislativo tenha primado pela indispensável oitiva da comunidade, nem foram comprovados estudos técnicos e planejamento precedentes.
Foi instaurado inquérito civil (fls.18/20), no qual se constatou que o projeto de lei foi concebido sem elementos técnicos indicativos de seu prévio planejamento e da prévia participação da comunidade. Ora, a apresentação do projeto de lei deveria implicar a convocação de reuniões públicas. Porém, não obstante as diversas determinações legais nesse sentido (adiante demonstradas), tal não se verificou.
II – O parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
O dispositivo legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos, ante a previsão dos artigos 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:
“Art. 144. Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:
“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o
Estado e os Municípios assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II - a participação das respectivas entidades
comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano,
programas e projetos que lhes sejam concernentes;
III - a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e
cultural;
V - a observância
das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Art.
191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da
coletividade, a preservação,
conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural,
artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em
harmonia com o desenvolvimento social e econômico.
Tais dispositivos resultaram violados.
A Constituição Paulista exige que a disciplina urbanística da propriedade –
inclusive o uso e ocupação do solo do Município – tenha compatibilidade com o
plano diretor, assim como sua elaboração e modificação seja precedida de
estudos técnicos e da oitiva da comunidade, de maneira a impedir revisões
pontuais que molestam o desenvolvimento sustentável, a função social da cidade,
o interesse público, o planejamento urbano, o bem-estar dos habitantes e a
qualidade de vida nas comunas. Note-se, por exemplo, que a lei local impugnada em
seu art. 3º (fls.72) permite a "regularização" de construções
irregulares, periclitando a qualidade de vida e a harmonia na ocupação dos
espaços urbanos.
A
ausência de participação comunitária não configura apenas um desprezo aos
ditames da Constituição do Estado de São Paulo e do Plano Diretor do Município,
mas, antes de tudo, fere princípio fundamental do Estado Democrático de
Direito:
“Art. 1º. (...)
Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Não é ocioso obtemperar que a própria Constituição Federal,
entre as normas de observância obrigatória dos municípios, destaca a
“cooperação das associações representativas no planejamento municipal”, em seu
art. 29, XII.
Por
isso, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001) ao
regulamentar a execução da política urbana prevista nos arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, mais uma vez reforça a exigência de mecanismo de
participação popular em matérias urbanísticas, inclusive a legislação de uso e
ocupação do solo urbano (arts. 2º, II e III,
Nesse
diapasão, este Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu anteriormente pela
imprescindibilidade do planejamento precedido de oitiva da comunidade na
produção da legislação urbanística:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n.
2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de
área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180,
II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das
entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência
ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto
não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o
projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada
procedente. (TJSP, ADIN 169.508.0/5, Comarca de São Paulo, Rel. Des. Aloísio de
Toledo César, j. 18.02.2009)”
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n°
9327/2001, do Município de Ribeirão Preto, que dá nova redação ao artigo Iº da
Lei n° 9.054/2000, regulamentando a implantação de atividades urbanas em áreas
de concessão de extração mineral - Espécie normativa que contém norma de
zoneamento - Diploma legal, de origem parlamentar, que permite a permanência de
empresas de exploração de jazidas minerais já existentes mesmo em áreas
situadas no perímetro urbano ou de expansão urbana (fls. 26) - Ausência de
prévio planejamento para justificar a modificação da regra que exige distância
mínima de quinhentos metros entre as empresas de exploração e as atividades
urbanas (fls. 27) - Iniciativa reservada do Chefe do Executivo - Necessidade de
oitiva da comunidade em matéria urbanística - Violação dos arts. 5º, 180, II e
181 da Constituição Estadual - Procedência da ação. (TJSP, ADIN 118.709.0/1,
Comarca de Ribeirão Preto, Rel. Des. Canguçu de Almeida, j. 30.11.2005)”
Ora, suprimida da comunidade a participação
constitucionalmente garantida no processo legislativo da norma em questão, até
mesmo desprezando manifestação formal daquela quanto ao seu interesse em
interceder democraticamente, verifica-se, extreme de dúvida, a
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de
2008, do Município de Caconde.
III – Pedido liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora, pois as alterações de zoneamento ensejam a
expedição de autorizações para construir pela Administração.
Para
ilustrar o perigo da demora, destacam-se as modificações trazidas em área
destinada "exploração para fins de comércio, turismo e lazer"
(art.2º), de modo que a lei impugnada dá margem a danos irreversíveis aos
cidadãos envolvidos, comprometendo irremediavelmente a qualidade de vida e o
desenvolvimento sustentável da comuna, razão pela qual se requer a concessão de
liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta
ação, da Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do Município de
Caconde.
IV – Pedido
Face
ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para
que, ao final, seja julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da
Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do Município de Caconde.
19. Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
São Paulo, 20 de janeiro de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
fjyd
Protocolado nº 136.951/2009
Interessado: Promotoria de Justiça de Caconde
Assunto:
Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do
Município de Caconde.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Municipal nº 2.362, de 13 de novembro de 2008, do Município de Caconde, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Ciência ao interessado e à douta Promotoria de Justiça de Caconde, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 20 de janeiro de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
fjyd