EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 141.344/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal 2.621, de 30 de março de 2010, e da Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, de Rio das Pedras

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal 2.621, de 30 de março de 2010, de Rio das Pedras, que “fixa os subsídios dos Secretários Municipais e dá outras providências”. Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, de Rio das Pedras, que “fixa o subsídio dos Vereadores e do Presidente da Câmara Municipal de Rio das Pedras”.

2)     Lei de iniciativa parlamentar que, a pretexto de fixar os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, e dos Secretários Municipais, nos termos do art. 29, V da CR/88, vai além. Diploma que trata do regime jurídico (subsídios, bem como direito a férias e 13º salário) de Procuradores Municipais, de Dirigentes de Autarquias, e de outros detentores de cargos públicos. Reserva de iniciativa, nessa matéria, do Chefe do Poder Executivo. Contrariedade ao art. 24, § 2º, n. 4 c.c. o art. 144, ambos da Constituição Paulista.

3)     Fixação dos subsídios dos Vereadores e do Presidente da Câmara Municipal. Previsão normativa de que os subsídios dos parlamentares serão atualizados na mesma data e nos mesmos índices em que for efetuada a revisão geral anual dos servidores municipais. Contrariedade à regra da legislatura na fixação dos subsídios dos vereadores (art. 29, V da CR). Violação de princípio estabelecido, cf. art. 144 da Constituição Paulista.

4)     Inconstitucionalidade reconhecida.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 141.344/2010, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de dispositivos da  Lei Municipal 2.621, de 30 de março de 2010, de Rio das Pedras, bem como da Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, de Rio das Pedras, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)DISPOSITIVOS IMPUGNADOS.

A propositura desta ação direta de inconstitucionalidade decorre de representação encaminhada à Procuradoria-Geral de Justiça, tendo como alvo a Lei Municipal 2.481, de 03 de dezembro de 2008, de Rio das Pedras, que “fixa o subsídio do Prefeito e do Vice-Prefeito do Município de Rio das Pedras” (cópia cf. fls. 204/205) bem como em relação à Lei Municipal 2.621, de 30 de março de 2010, de Rio das Pedras, que “fixa os subsídios dos Secretários Municipais e dá outras providências” (cópia cf. fls. 215/216).

Além disso, a representação noticiou a prática de atos alegadamente ilícitos, que poderiam configurar infrações penais ou atos de improbidade administrativa.

Quanto às repercussões criminais dos fatos noticiados, o expediente foi preliminarmente examinado pela Câmara Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos da Procuradoria de Justiça Criminal, nos termos do parecer de fls. 115/116 do expediente que acompanha a presente petição inicial.

Em relação à possibilidade de configuração de ato de improbidade administrativa e lesão ao patrimônio público, há notícia de que foram extraídas cópias para fins de apreciação por parte da Promotoria de Justiça de Rio das Pedras, cf. fls. 94 do Protocolado 150.534/2010 (apenso).

Além das providências na esfera criminal e na esfera da probidade administrativa, encaminhadas pelos órgãos ministeriais dotados de atribuições para a análise pertinente, anota-se que a Lei 2.621, de 30 de março de 2010, ao entrar em vigor, revogou tacitamente a Lei 2.481, de 03 de dezembro de 2008, na medida em que regulou integralmente o tema nesta versado originariamente.

Assim, o objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade cinge-se a parte da Lei Municipal 2.621, de 30 de março de 2010, de Rio das Pedras, ou seja, aos dispositivos e expressões colocados em destaque (negrito), na transcrição feita a seguir:

“(...)

Lei 2.621, de 30 de março de 2010.

(...)

Art. 1º. O subsídio do Prefeito fixado no artigo 1º da Lei Municipal 2.841, de 03 de dezembro de 2008, será reajustado em 23% (vinte e três por cento).

Art. 2º. O subsídio do Vice-Prefeito será o correspondente a 47,4% (quarenta e sete vírgula quatro por cento) do valor do subsídio do Prefeito.

Art. 3º. O subsídio dos Secretários Municipais, dos Procuradores Jurídicos, dos Superintendentes de Autarquias e dos demais cargos inseridos no padrão 16/A será o correspondente a 38,6% (trinta e oito vírgula seis por cento) do valor do subsídio do Prefeito.

Parágrafo único. Os Secretários Municipais, os Procuradores Jurídicos, os Superintendentes de Autarquias e os ocupantes dos demais cargos inseridos no padrão 16/A terão direito ao gozo ou recebimento de férias anuais acrescidas de 1/3 constitucional e ao recebimento de décimo terceiro salário, vedado o recebimento de qualquer outro benefício ou acréscimo.

Art. 4º. O Vice-Prefeito, nomeado Secretário Municipal, deverá optar pelo recebimento de seu subsídio ou o de Secretário, vedado o pagamento de qualquer acréscimo.

Art. 5º. O Vereador nomeado Secretário Municipal, deverá também optar pelo recebimento de seu subsídio ou o de Secretário, vedado o pagamento de qualquer acréscimo.

Parágrafo único. A atualização dos subsídios dos Vereadores determinada no artigo 2º da Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, ocorrerá na mesma data e nos mesmos índices em que for efetuada a revisão geral anual dos servidores municipais de Rio das Pedras, através dos índices INPC/IBGE ou IPCA/IBGE.

Art. 6º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

Também se insere no objeto da ação direta disposição contida na Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, de Rio das Pedras, que “fixa o subsídio dos Vereadores e do Presidente da Câmara Municipal de Rio das Pedras”, que prevê a modificação dos subsídios dos Vereadores no curso da legislatura, conforme transcrição a seguir:

“(...)

Lei Municipal 2.377, de 2007

(...)

Art. 2º. Os subsídios fixados nesta Lei serão atualizados na mesma data e nos mesmos índices em que for efetuada a revisão geral anual dos servidores públicos municipais de Rio das Pedras.

(...)”

Ocorre que as disposições postas em destaque (negrito) são verticalmente incompatíveis com o ordenamento constitucional, como teremos oportunidade de expor adiante, por que:

(a) a lei de iniciativa da Câmara Municipal deve apenas fixar o subsídio do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, sendo interpretada restritivamente a disposição constitucional nesse sentido;

(b) ao tratar do subsídio de Procuradores Jurídicos, dos Superintendentes de autarquias, e de titulares de cargos inseridos no padrão 16/A, a lei de iniciativa parlamentar regulou o regime jurídico do funcionalismo municipal, que é matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo;

 (c) ao tratar do direito a férias, bem como à percepção de 13º salário por parte dos Secretários Municipais, dos Procuradores Jurídicos do Município, dos Superintendentes de Autarquias, e dos ocupantes dos cargos inseridos no padrão 16/A, a lei de iniciativa parlamentar regulou o regime jurídico do funcionalismo municipal, que é matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo;

(d) ao tratar da atualização dos subsídios dos Vereadores a lei desrespeitou a regra pela qual a fixação daqueles deve ser feita na legislatura em curso para a subsequente.

2)VIOLAÇÃO DA RESERVA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO RELATIVAMENTE AO REGIME JURÍDICO DOS AGENTES PÚBLICOS MUNICIPAIS.

Cabe anotar, inicialmente, que tanto a hoje revogada Lei Municipal 2.481, de 2008, quanto a Lei Municipal 2.621, de 2010, ambas fruto de iniciativa parlamentar, mostraram-se constitucionalmente legítimas no que tange à fixação dos subsídios do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito Municipal, e dos Secretários do Município, na medida em que é princípio constitucional estabelecido a diretriz pela qual os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais são fixados por lei de iniciativa da própria Câmara Municipal.

Essa diretriz está assentada no art. 29, V da Constituição da República, aplicável aos Municípios por força do art. 29, caput da própria Lei Maior, bem como pelo art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, os dispositivos da Lei Municipal 2.621, de 2010, de Rio das Pedras, colocados em destaque anteriormente (negrito) foram além dessa legítima diretriz constitucional.

Note-se que: (a) o art. 3º, caput, da Lei Municipal 2.621, de 2010, de Rio das Pedras fixou os subsídios “dos Procuradores Jurídicos, dos Superintendentes de Autarquias e dos demais cargos inseridos no padrão 16/A”; (b) o parágrafo único do art. 3º da Lei Municipal 2.621, de 2010, tratou do “direito ao gozo ou recebimento de férias anuais acrescidas de 1/3 constitucional e ao recebimento de décimo terceiro salário” por parte dos “Secretários Municipais, os Procuradores Jurídicos, os Superintendentes de Autarquias e os ocupantes dos demais cargos inseridos no padrão 16/A”.

Ao disciplinar esses temas – subsídios, direito a férias, e direito ao 13º salário para Secretários Municipais, Procuradores Jurídicos do Município, Superintendentes de Autarquias, e ocupantes de cargos inseridos no padrão 16/A -, o legislador municipal desbordou da iniciativa prevista no art. 29, V da CR/88, e desrespeitou a regra constitucional da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para a disciplina do regime jurídico dos integrantes da Administração Pública, assentada no art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição Paulista (reprodução do art. 61, § 1º, II, c, da CR/88), aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

Em síntese: é legítima a iniciativa da Câmara para fixar os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, e de Secretários Municipais. Entretanto, mostra-se inconstitucional tal iniciativa se ela vai além do campo demarcado pelo art. 29, V da CR/88, e ingressa na seara da regulamentação do regime jurídico dos integrantes da Administração Municipal direta ou indireta, na medida em que este último tema se insere na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo.

Daí a conclusão de que parte do art. 3º, caput, e seu parágrafo único integralmente, da Lei Municipal 2.621, de 2010, de Rio das Pedras, são inconstitucionais por violação ao art. 24, § 2º, n. 4 (reprodução do art. 61, § 1º, II, c da CR), c.c. o art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

A clareza normativa do ordenamento constitucional, nessa matéria, dispensa maior divagação, sendo absolutamente pacífico o entendimento de que a violação da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo, em se tratando de regulação do regime jurídico dos agentes públicos do Município, acarreta a inconstitucionalidade da norma.

Confira-se, a título de exemplificação, o posicionamento do Col. STF:

“(...)

Tratando-se de criação de funções, cargos e empregos públicos ou de regime jurídico de servidores públicos impõe-se a iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo nos termos do art. 61, § 1º, II, da CF, o que, evidentemente, não se dá com a Lei Orgânica. (ADI 980, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 1º-8-2008.)

(...)

No mesmo sentido: ADI 13, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-9-2007, Plenário, DJ de 28-9-2007; ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007; ADI 3.167, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 18-6-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007; ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007; ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007; ADI 3.403, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 18-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007; ADI 1.448, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 16-8-2007, Plenário, DJ de 11-10-2007; entre outros.

3)VIOLAÇÃO DA REGRA DA LEGISLATURA NA FIXAÇÃO DOS SUBSÍDIOS DOS VEREADORES.

Além disso, houve desrespeito à regra da legislatura, pela qual o subsídio dos Vereadores deve ser fixado em cada legislatura para a subsequente, diretriz essa estabelecida no art. 29, VI da CR, aplicável aos Municípios por força do art. 29, caput da Lei Maior, bem como por determinação expressa do art. 144 da Constituição Paulista.

Nesse sentido, dispôs o art. 2º da Lei Municipal 2.377, de 2007:

“(...)

Lei Municipal 2.377, de 2007

(...)

Art. 2º. Os subsídios fixados nesta Lei serão atualizados na mesma data e nos mesmos índices em que for efetuada a revisão geral anual dos servidores públicos municipais de Rio das Pedras.

(...)”

Igualmente, dispôs o parágrafo único do art. 5º da Lei Municipal 2.621, de 2010:

“(...)

Parágrafo único. A atualização dos subsídios dos Vereadores determinada no artigo 2º da Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, ocorrerá na mesma data e nos mesmos índices em que for efetuada a revisão geral anual dos servidores municipais de Rio das Pedras, através dos índices INPC/IBGE ou IPCA/IBGE.

(...)

O legislador municipal, ao que tudo indica supôs que a edição dessas normas seria legítima, pois estaria escorada no art. 37, X da CR/88, por força do qual:

“(...)

Art. 37.

(...)

X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

(...)”

Em outras palavras, ao que tudo indica o legislador municipal supôs que a revisão geral anual em data única e sem distinção de índices, prevista no art. 37, X da CR como garantia do funcionalismo público, seja aplicável aos integrantes da Câmara Municipal.

Mas essa suposição, com a devida vênia, é equivocada, por colidir frontalmente com a regra da legislatura, prevista no art. 29, VI da CR.

Em outras palavras, a regra geral contida no art. 37, X da CR cede em virtude da regra especial, presente no regime específico de retribuição pecuniária dos Vereadores, estabelecida como princípio constitucional estabelecido no art. 29, VI da CR (aplicável aos Municípios por força, reitere-se, tanto do art. 29, caput da Lei Maior, como por força do art. 144 da Constituição Paulista).

Há, portanto, duas questões diversas relacionadas ao art. 37, X da CR/88.

Não se pode confundir a (a) fixação dos subsídios, ou mesmo sua majoração, com a (b) revisão geral anual da remuneração e dos subsídios, que diz respeito à respectiva atualização monetária, para preservar o poder aquisitivo da moeda. Essa distinção já foi destacada pelo Colendo STF (ADI 2.726, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-12-02, Plenário, DJ de 29-8-03).

A finalidade da revisão geral e anual sem distinção de índices e na mesma data é singela: assegurar tratamento isonômico aos servidores públicos quanto ao índice e à data que serão empregados para afastar a corrosão do poder aquisitivo do capital em função da inflação, na medida em que sendo esta um fenômeno uniforme, não se justificaria, quanto a ela, a adoção de índices diferenciados.

É por tal fundamento que o Colendo Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a atribuição privativa do Poder Executivo para o encaminhamento do projeto de lei destinado à definição do índice de revisão geral anual da remuneração e dos subsídios, previsto no art. 37, X, in fine da CR/88, o que impede ao “Poder Judiciário deferir pedido de indenização no tocante à revisão geral anual de servidores, por ser atribuição privativa do Poder Executivo” (RE 548.967-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-11-07, 1ª Turma, DJE de 8-2-08).

No mesmo sentido: RE 529.489-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 27-11-07, 2ª Turma, DJE de1º-2-08; RE 561.361-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-11-07, 1ª Turma, DJE de 8-2-08; RE 547.020-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6-11-07, 1ª Turma, DJE de15-2-08.

Do mesmo modo, já pontuou o Colendo STF que:

“(...)

Mesmo que reconheça mora do Chefe do Poder Executivo, o Judiciário não pode obrigá-lo a apresentar projeto de lei de sua iniciativa privativa, tal como é o que trata da revisão geral anual da remuneração dos servidores, prevista no inciso X do artigo 37 da Lei Maior, em sua redação originária. Ressalva do entendimento pessoal do Relator. Precedentes: ADI 2.061, Relator Ministro Ilmar Galvão; MS 22.439, Relator Ministro Maurício Corrêa; MS 22.663, Relator Ministro Néri da Silveira; AO 192, Relator Ministro Sydney Sanches; e RE 140.768, Relator Ministro Celso de Mello. Agravo regimental desprovido. (RE 519.292-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 15-5-07, 1ª Turma, DJ de 3-8-07, g.n.)

(...)”

Tal entendimento – no sentido de que uma única lei deve definir o índice relacionado à revisão geral da remuneração dos servidores prevista no art. 37, X da CR/88 -, foi inclusive sedimentado, ao menos na esfera da União, com a edição da Lei nº 10.331/2001, que, conforme respectiva rubrica, “Regulamenta o inciso X do art. 37 da Constituição, que dispõe sobre a revisão geral e anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais”.

Tal diploma prevê em seu art. 1º, combinado com o art. 2º, II, que mediante lei específica “as remunerações e os subsídios dos servidores públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, serão revistos, na forma do inciso X do art. 37 da Constituição, no mês de janeiro, sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões”.

Outra questão, contudo, é saber os Vereadores estão sujeitos à revisão, nos moldes acima expostos.

Em, outras palavras, importa saber se a isonomia na revisão da remuneração do pessoal do serviço público alcança apenas os servidores públicos em geral, ou atinge também os agentes políticos, e, em especial, os Vereadores.

Referindo-se ao art. 37, X da CR/88, Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota que “Os servidores passam a fazer jus à revisão geral anual, para todos na mesma data e sem distinção de índices (estas últimas exigências a serem observadas em cada esfera de governo). A revisão anual, presume-se que tenha por objetivo atualizar as remunerações de modo a acompanhar a evolução do poder aquisitivo da moeda; se assim não fosse, não haveria razão para tornar obrigatória a sua concessão anual, no mesmo índice e na mesma data para todos. Esta revisão anual constitui direito dos servidores, o que não impede revisões outras, feitas com o objetivo de reestruturar ou conceder melhorias a carreiras determinadas, por outras razões que não a atualização do poder aquisitivo dos vencimentos e subsídios” (Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 523).

No mesmo sentido o pensamento de Carmen Lúcia Antunes Rocha, Princípios constitucionais dos servidores públicos, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 323.

Destaque-se: a doutrina acima, ao tratar do tema, deixa implícito o entendimento de que a garantia contida no art. 37, X da CR/88 aplica-se apenas aos servidores públicos em geral.

Ademais, não se pode perder de vista no exame da matéria que a Constituição Federal submete a fixação da retribuição pecuniária devida aos Vereadores à denominada “regra da legislatura”, que contem em essência, duas diretrizes: (a) primeiro, a determinação de que o valor dos subsídios pagos aos parlamentares seja fixado pela legislatura anterior, para a subseqüente; (b) segundo, a vedação de aumentos no curso da própria legislatura, ou seja, em benefício dos próprios mandatários populares.

Isso é o que decorre do inciso VI do art. 29 da CR (red. EC 25/00), ao prever que “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente (...)”.

Nesse sentido, vários precedentes elucidando o sentido da “regra da legislatura” são apontados por Alexandre de Moraes, em sua Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo, Atlas, 2002, p. 718/719:

“(...)

TJSP - A lei, ao estipular que a fixação dos subsídios dos Vereadores seja feita em cada legislatura para a subseqüente, prevê necessariamente, que o valor seja fixado antes das eleições, enquanto os Vereadores não saibam se serão ou não reeleitos. Se a fixação fosse feita após as eleições, eles estariam fixando, com certeza, os próprios vencimentos, contrariando o espírito das leis. Assim, com infringência ao princípio da moralidade e agindo com desvio de finalidade, é que foi aprovada a resolução 2, a qual deve ser declarada nula (JTJ 153/152).

STF – Constitucional. Ação popular, Vereadores. Remuneração. Fixação. Legislatura subseqüente. CF, 5º LXXIII; art.29, V. Patrimônio material do poder público, Moralidade Administrativa: lesão. I. A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente, CF, art.29, V. Fixando os Vereadores a sua própria remuneração, vale dizer, fixando esta remuneração para viger na própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivo não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade administrativa, que constitui patrimônio moral da sociedade. Art.5º, LXXIII (STF, 2ª T., RE 206.889/MG – rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 165/373).

(…)”

Em síntese, em decorrência da “regra da legislatura” não é aplicável aos Vereadores a normativa contida no art. 37, X da CR. Não se pode falar, quanto a eles, em “revisão geral anual”, e menos ainda na adoção de índice único, coincidente com aquele adotado para o funcionalismo de modo geral.

Ademais, vem em reforço a este raciocínio o fato de que a sistemática remuneratória dos Vereadores tem regime absolutamente próprio na Constituição Federal, pois, além da “regra da legislatura” há previsão de: (a) limites que associam a população do Município à fração do que percebem os Deputados Estaduais para definição dos subsídios dos Vereadores (art. 29, VI da CR, red. EC 25/00); (b) limites em percentual da receita do Município (5%, nos termos do art. 29, VII da CR, red. EC 01/92); (c) limites percentuais associados ao somatório da receita tributária e transferências constitucionais inerentes ao Município considerado (art. 29-A da CR, red. EC 25/00).

Todos estes argumentos induzem à conclusão de que não se aplica aos membros do Legislativo Municipal a unidade de índice de revisão, válida para o funcionalismo em geral.

E mais: não há revisão geral anual para os Vereadores, a fim de reposição de índices inflacionários, sob pena de desrespeitar-se o disposto no art. 29, VI da CF, ou seja, a “regra da legislatura”.

Essa conclusão foi assentada também em sede doutrinária por Wallace Paiva Martins Júnior (Remuneração dos agentes públicos, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 120) ao observar com precisão que “a revisão geral não se aplica aos agentes políticos investidos em mandatos eletivos na medida em que para eles a providência situa-se no domínio da conveniência política”, mencionando ainda o r. autor importante precedente do E. TJSP nesse sentido (AI 356.170-5/5-00. 9ª Câmara de Direito Público, rel. des. Gonzaga Franceschini, j. 25.8.2004, v.u.).

O Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo já se pronunciou no sentido aqui exposto, quando do julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade 990.10.096567-0, rel. des. Barreto da Fonseca, j. 05 de maio de 2010, v.u., ocasião em que do voto do relator constou a seguinte passagem:

“(...)

Em face do disposto no inciso VI do artigo 29 da Constituição da República, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional º. 25, dos 14 de fevereiro de 2000, não poderiam os senhores vereadores da Câmara Municipal de Piracicaba, na própria legislatura, atualizar seus subsídios, ainda que com invocação do inciso XV do caput do artigo 37 da Constituição da República.

Sobre este último dispositivo, de caráter geral, prevalece aquele, específico para o subsídio dos vereadores.

Certo que reajuste não é aumento, mas manutenção do poder de compra dos subsídios. Todavia, o inciso VI do artigo 29 da Constituição da República não proíbe aumento de subsídio durante a legislatura, quando então poder-se-ia dizer possível o reajuste ou atualização, mas determina que o subsídio seja fixado para a legislatura subsequente, com observância dos critérios previstos na própria Constituição da República e na respectiva Lei Orgânica. O que é fixo não permite, salvo expressa previsão, alterações a título de atualização. (g.n.)

(...)”

Em síntese: são inconstitucionais o parágrafo único do art. 5º da Lei Municipal 2.621, de 2010, de Rio das Pedras, e o art. 2º da Lei Municipal 2.377, de 2007, de Rio das Pedras, por não observância da regra da legislatura (art. 29, VI da CR), aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

4)DA LIMINAR.

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos dispositivos destacados anteriormente.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que os dispositivos impugnados nesta ação padecem de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas (e imposição de obrigações à Municipalidade) que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados a título de subsídios dificilmente serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos dispositivos impugnados nesta ação direta.

5)CONCLUSÃO E PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados, discriminados a seguir:

(a) da Lei Municipal 2.621, de 2010, de Rio das Pedras, os preceitos transcritos abaixo, colocados em destaque (negrito):

“(...)

Lei 2.621, de 30 de março de 2010.

(...)

Art. 3º. O subsídio dos Secretários Municipais, dos Procuradores Jurídicos, dos Superintendentes de Autarquias e dos demais cargos inseridos no padrão 16/A será o correspondente a 38,6% (trinta e oito vírgula seis por cento) do valor do subsídio do Prefeito.

Parágrafo único. Os Secretários Municipais, os Procuradores Jurídicos, os Superintendentes de Autarquias e os ocupantes dos demais cargos inseridos no padrão 16/A terão direito ao gozo ou recebimento de férias anuais acrescidas de 1/3 constitucional e ao recebimento de décimo terceiro salário, vedado o recebimento de qualquer outro benefício ou acréscimo.

(...)

Art. 5º. (...)

Parágrafo único. A atualização dos subsídios dos Vereadores determinada no artigo 2º da Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, ocorrerá na mesma data e nos mesmos índices em que for efetuada a revisão geral anual dos servidores municipais de Rio das Pedras, através dos índices INPC/IBGE ou IPCA/IBGE.

(...)

(b) da Lei Municipal 2.377, de 2007, de Rio das Pedras, o seguinte dispositivo:

“(...)

Lei Municipal 2.377, de 2007

(...)

Art. 2º. Os subsídios fixados nesta Lei serão atualizados na mesma data e nos mesmos índices em que for efetuada a revisão geral anual dos servidores públicos municipais de Rio das Pedras.

(...)”

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Rio das Pedras, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2011.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

rbl

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 141.344/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal 2.621, de 30 de março de 2010, e da Lei Municipal 2.377, de 14 de março de 2007, de Rio das Pedras

 

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.    Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.    Cumpra-se.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2011.

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

rbl