EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 141.882/11

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei n. 3.742, de 23 de setembro de 2011, do Município de Cubatão

 

 

 

 

Ementa: Lei n. 3.742, de 23 de setembro de 2011, do Município de Cubatão que manteve e prevê cargos de provimento em comissão, aos quais não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento, mas funções próprias dos cargos de provimento efetivo, cuja inconstitucionalidade já havia sido declarada através de ação direta de inconstitucionalidade proposta anteriormente.  Violação do art. 115, inc. II e V, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade material das expressões referidas na lei, que identificam tais cargos ou empregos especificamente com relação aos cargos de provimento em comissão relacionados.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e, ainda, no art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE parcial da Lei n. 3.472, de 23 de setembro de 2011, do Município de Cubatão, especificamente em relação aos cargos de provimento em comissão a seguir impugnados, constantes do Anexo II – A, e do art.2º da mencionada Lei,  pelos fundamentos a seguir expostos.

I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O art. 1º e 2º da Lei n. 3.472, de 23 de setembro de 2011, do Município de Cubatão, que alterou dispositivos e substituiu Anexo da Lei n. 3.364, de 08 de janeiro de 2010, do Município de Cubatão, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - O Anexo II à Lei Municipal n. 3.364, de 08 de janeiro de 2010, fica substituído pelo Anexo II-A à presente lei.

Art. 2º - Serão extintos finda a presente legislatura, os seguintes cargos em comissão: sete (07) cargos de Assessor Técnico das Comissões, sete (07) cargos de Assessor Técnico da Administração, nove (09) cargos de Assessor Político e Condutor, todos de livre provimento e símbolo S-10, onze (11) cargos de Assessor Técnico e Digitador, três (03) cargos de assistente de gabinete, onze (11) cargos de Auxiliar de Gabinete Parlamentar, cinco (05) cargos de Auxiliar de Gabinete da Administração, um (01) cargo de Supervisor de Segurança de Gabinete, todos de livre provimento e símbolo S-08.

Parágrafo único-Durante a presente legislatura serão admitidas nomeações e substituições nos cargos em comissão existentes e naqueles que serão extintos, a fim de que os trabalhos dos senhores Vereadores não sofram solução de continuidade.”

Os cargos de provimento em comissão mencionados no art. 2º constam do Anexo II-A da mencionada Lei (fls. 55).

Por outro lado, constam do Anexo II- A, também, os cargos de provimento em comissão de provimento de Jornalista, Fotógrafo e Motorista.

Ocorre que os cargos de Assessor Técnico das Comissões, Assessor Técnico da Administração, Supervisor de Segurança, Jornalista, Fotógrafo, Médico e Motorista, de provimento em comissão, não correspondem a funções de direção, chefia e assessoramento. São lotações que não se situam na administração superior, nem demandam a estrita confiança, cujas missões devem ser realizas por servidores de carreira, até mesmo para não haver solução de continuidade por sucessão de administradores.

É o que será demonstrado a seguir.

II – DO DIREITO

A previsão normativa desses cargos de provimento em comissão não condiz com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal ou com o artigo 115, incisos II e V, da Constituição Estadual, tanto que os cargos de Assessor Técnico das Comissões, Assessor Técnico da Administração e Supervisor de Segurança de Gabinete já foram declarados inconstitucionais através de ação direta de inconstitucionalidade promovida anteriormente por esta Procuradoria-Geral de Justiça, em face da Lei n. 3.364, de 08 de janeiro de 2010, do Município de Cubatão (ADI n. 990.10.325308-6) (fls. 04/15).

Referidos cargos estavam previstos no Anexo II e nos arts. 2º, 5º e 7º, da Lei n. 3.364/2010 (fls. 18).

Assim é que ao substituir o Anexo II da Lei n. 3.364/2010, pelo Anexo II-A, a Lei n. 3.472/2011, objeto da presente ação, manteve novamente os referidos cargos de provimento em comissão cuja inconstitucionalidade já havia sido declarada, condicionando a extinção dos mesmos somente após o término da presente legislatura, o que se faz inadmissível.

Prevê, ainda, a Lei n. 3.472/201,1em seu Anexo II –A, os cargo de provimento em comissão de Médico, Jornalista, Fotógrafo e Motorista, tidos, também, como inconstitucionais.

A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261).

A autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que, no caso, é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).

A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria; (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais; (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar; e (d) auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).

Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

No caso em exame, o Legislador Municipal criou cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; e (d) caráter permanente dessa vinculação.

Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e não-criteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).

Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. ed, São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II, do art. 115, da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

É incontestável que os cargos anteriormente relacionados, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exijam relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargos comuns, de natureza profissional, que devem ser assumidos em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

Para se chegar a esta conclusão basta uma simples leitura das atribuições dos referidos cargos, constantes de fls. 19/21.

As atribuições estabelecidas no texto legal são extremamente genéricas, parecendo-nos que o rol foi concebido para que um determinado cargo pudesse se acomodar a quaisquer funções subalternas que lhe fossem atribuídas nas Estruturas Administrativas da Câmara Municipal de Cubatão, revelando, desta forma, a criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão, que ofende os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público, inscritos no art. 111, que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

Para finalizar, lembra-se que o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça entende ser possível declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora de cargos em comissão (ADIN n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA), cuja natureza não corresponde às características próprias dessas funções.

III - PEDIDO LIMINAR

Quando se trata do controle normativo abstrato e desde que haja a cumulativa satisfação dos requisitos concernentes ao fumus boni juris e ao periculum in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão de eficácia de dispositivos legais impugnados, até o advento da decisão final. Alguns dos cargos de provimento em comissão impugnados já foram declarados inconstitucionais e estão lotados, gerando despesas para o Erário e causando, diariamente, situações de instabilidade jurídica, tendo em vista a eiva na criação dos mesmos.

Neste caso, tais requisitos se fazem presentes, de modo que está translúcida a conveniência de sustar, provisoriamente, a eficácia dos dispositivos questionados. E não é difícil demonstrá-la eis que delineada a situação de risco.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).  Necessária, pois, a  Medida Cautelar, que se requer.

IV – CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e o processamento da presente Ação Declaratória, para que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade material das expressões referidas na Lei n. 3.472, de 23 de setembro de 2011, do Município de Cubatão, que identificam os cargos de provimento em comissão de Assessor Técnico das Comissões (07), Assessor Técnico da Administração (07), Supervisor de Segurança (01), Médico (01), Jornalista (01),  Fotógrafo (01) e de Motorista (02),  constantes do  Anexo II –A  e do art. 2º da Lei.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

                   São Paulo, 28 de março de 2012.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 141.882/11

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei n. 3.742, de 23 de setembro de 2011, do Município de Cubatão

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade material das expressões referidas na Lei n. 3.472, de 23 de setembro de 2011, do Município de Cubatão que identificam os cargos de provimento em comissão Assessor Técnico das Comissões (07), Assessor Técnico da Administração (07), Supervisor de Segurança (01), Médico (01), Jornalista (01), Fotógrafo (01) e de Motorista (02), constantes do Anexo II –A e do art. 2º da Lei, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 28 de março de 2012.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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