EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 142.196/11

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º, parágrafos 3º, 4º e 6º, da Lei nº 2.843, de 21 de setembro de 2011, do Município de Itápolis.

 

 

Ementa: Lei do Município de Itápolis, que cria cargos de provimento em comissão, aos quais não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento, mas funções próprias dos cargos de provimento efetivo.  Violação do art. 115, inc. II e V, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade material das expressões da lei que identificam tais cargos ou empregos.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art. 1º, parágrafos 3º, 4º e 6º, da Lei nº 2.843, de 21 de setembro de 2011, do Município de Itápolis, pelos fundamentos a seguir expostos.

I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

Assim dispõe a norma impugnada:

"Art. 1º - Ficam criados os cargos a seguir especificados, alterando a Lei Municipal nº 2675 de 19 de maio de 2010, conforme especifica:

(...)

§ 3º - Cargos de provimento em comissão:

I - Um cargo de Assessor Adjunto de Assuntos Jurídicos, exigível nível médio para seu provimento e remunerados pela referência 15CC da tabela constante da Lei Municipal nº 1983 de 26 de março de 2001, Lei Municipal nº 2096, de 24 de junho de 2003 e Lei Municipal nº 2205, de 17 de fevereiro de 2005, com suas respectivas atualizações;

II - cinco cargos remunerados pela referência 14CC da tabela constante da Lei Municipal nº 1983 de 26 de março de 2001, Lei Municipal nº 2096, de 24 de junho de 2003 e Lei Municipal nº 2205, de 17 de fevereiro de 2005, com suas respectivas atualizações, com as seguintes denominações:

Cargos cuja exigência mínima de formação para provimento é de nível fundamental:

Um cargo de Chefe do Departamento de Conservação e Manutenção de Estradas Municipais;

Cargos cuja exigência mínima de formação para provimento é o nível médio:

Um cargo de Chefe do Departamento de Compras;

Um cargo de Chefe da Unidade Central de Alimentos;

Um cargo de Chefe do Departamento de Atenção à Saúde Mental;

Um cargo de Chefe do Departamento de Gestão e Controle de medicamentos.

III - um cargo de Assessor de Imprensa, exigível nível médio para seu provimento e remunerados pela referência 13CC da tabela constante da Lei Municipal nº 1983 de 26 de março de 2001, Lei Municipal nº 2096, de 24 de junho de 2003 e Lei Municipal nº 2205, de 17 de fevereiro de 2005, com suas respectivas atualizações.

IV - dois cargos, ao qual será exigido nível fundamental para seu provimento, sendo Cargos criados e remunerados pela referência 12CC da tabela constante da Lei Municipal nº 1983 de 26 de março de 2001, Lei Municipal nº 2096, de 24 de junho de 2003 e Lei Municipal nº 2205, de 17 de fevereiro de 2005, com suas respectivas atualizações:

Um cargo de Chefe de Divisão de Transportes da Saúde;

Um cargo de Chefe da Divisão de Conselhos Municipais.

V- um cargo de Chefe de Departamento de Transporte, exigível nível médio remunerado pela referência 15CC da tabela constante da Lei Municipal nº 1983 de 26 de março de 2001, Lei Municipal nº 2096, de 24 de junho de 2003 e Lei Municipal nº 2205, de 17 de fevereiro de 2005, com suas respectivas atualizações, com as seguintes denominações:

§ 4º - Os cargos especificados no § 1º atendem aos mesmos requisitos técnicos, carga horária e demais especificações daqueles já existentes, conforme as normas municipais que disciplinam a matéria.

(...)

§ 6º - Aos cargos criados no § 3º do presente artigo caberão as seguintes atribuições:

I - Assessor Adjunto do Secretário de Assuntos Jurídicos: Assessorar, auxiliando diretamente o secretário em suas atividades planejar e coordenar ações voltadas para o desenvolvimento da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, representando-a na falta do Secretário em palestras, cursos, seminários, e demais eventos em que a respectiva pasta deva participar, cuidando da divulgação de informações, principalmente dos programas desenvolvidos pelo setor, principalmente dos programas desenvolvidos pelo setor, tornando públicas as atividades efetivadas e de interesse institucional;

II - Chefe do Departamento de Transportes: chefiar o departamento de transporte, determinando atividades e coordenando divisões, setores e equipes ligadas a prestação de serviços de transporte, administrando e controlando a frota de veículos e máquinas. Supervisionar as atividades de motoristas e auxiliares, checando e inspecionando documentação de motoristas e de veículos. Avaliar o desempenho dos profissionais que atendem ao setor. Cuidar para manutenção das boas condições dos veículos e máquinas. Supervisionar os demais órgãos da Prefeitura que cuidam de atividades ligadas ao transporte de passageiros, e demais atividades correlatas;

III- Chefe de Departamento de Conservação e Manutenção de Estradas Municipais: chefiar o departamento de conservação e manutenção de estradas municipais, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução dos serviços e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Administrar metas, resultados e controlar processos de manutenção, definindo metas e processos, analisando custos, negociando metas, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas;

IV - Chefe do Departamento de Compras: chefiar o departamento de compras, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução dos serviços e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Definir e administrar metas, resultados e controlar processos de aquisição de bens, mercadorias e demais itens necessários para o bom funcionamento das atividades e serviços públicos, efetuando análise de custos, negociando metas, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas.

V - Chefe da Unidade Central de Alimentos: Gerenciar a central de alimentos, estabelecendo e determinando rotinas, chefiando diretamente equipes de funcionários da unidade.  Estabelecer metas de atendimento com definição de ações específicas para bom desenvolvimento das atividades da unidade de modo a atender às necessidades gerenciais dos serviços de preparo e entrega dos alimentos aos atendidos pelo sistema municipal de alimentação. Administrar bens patrimoniais e materiais de consumo do órgão. Exercer outras atividades correlatas.

VI - Assessor de Imprensa: Assessorar no desenvolvimento de atividades voltadas para o relacionamento da Prefeitura com órgão da imprensa, chefiando e coordenando a divulgação de atos, notícias e demais matérias institucionais dos órgãos, prestando assessoramento direto às secretarias para orientação da forma de recolhimento, redação, registro através de imagens e de sons e na interpretação e organização de informações e notícias a serem difundidas, expondo, analisando e comentando os acontecimentos de interesse da Prefeitura. Assessora e coordena a seleção, revisão e preparo definitivo das matérias jornalísticas a serem divulgadas em jornais, revistas, televisão, rádio, internet, assessorias de imprensas e quaisquer outros meios de divulgação das matérias de interesse da municipalidade. Entre outras atividades correlatas.

VII - Chefe de Divisão de Transporte da Saúde: Chefiar os serviços de transporte da Secretaria Municipal de Saúde, supervisionando a execução dos serviços de transporte de pacientes e atendidos, as condições dos veículos, a segurança dos passageiros, o cumprimento diário dos roteiros, mantendo constante planejamento quanto a melhor forma possível da prestação dos serviços, segundo a legislação em vigor; executando, também, outras atividades afins.

VIII - Chefe da Divisão de Conselhos Municipais: Chefiar o a divisão de conselhos municipais, responsável pela assistência direta a gestão dos diversos conselhos de participação popular do município voltados para a gestão de atividades típicas da administração pública, gerenciando documentos, órgãos e equipe de pessoas que atuam na organização da documentação necessária para adequado ordenamento de suas atividades. Executar outras atividades correlatas.

IX - Chefe do Departamento de Atenção à Saúde Mental: chefiar o departamento de atenção à saúde mental, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução dos serviços e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Definir e administrar metas, resultados e controlar processos necessários para atendimento aos programas de atenção básica ao cidadão portador de distúrbios de ordem mental, identificando formas e métodos para melhora da eficiência da prestação de serviços, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas.

X - Chefe do Departamento de Gestão e Controle de Medicamentos: chefiar o departamento de gestão e controle de medicamentos, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Definir e administrar metas, resultados e controlar processos necessários para guarda, controle de estoque e fornecimento de medicamentos, em conformidade com os planos de acesso público à medicamentos fornecidos pelo sistema público de saúde, identificando formas e métodos para melhoria da eficiência do controle de medicamentos, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas."   "sic"

Desta forma a Lei nº 2.843, de 21 de setembro de 2011, de Itápolis, que “Dispõe sobre a criação de cargos públicos, função gratificada e alterações na Lei nº 2675, de 19 de maio de 2010, e dá outras providências” (fls. 42/49), criou os seguintes cargos de provimento em comissão, que ora se impugnam:

1)    Assessor Adjunto de Assuntos Jurídicos (01 cargo).

Atribuições: Assessorar, auxiliando diretamente o secretário em suas atividades planejar e coordenar ações voltadas para o desenvolvimento da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, representando-a na falta do Secretário em palestras, cursos, seminários, e demais eventos em que a respectiva pasta deva participar, cuidando da divulgação de informações, principalmente dos programas desenvolvidos pelo setor, principalmente dos programas desenvolvidos pelo setor, tornando públicas as atividades efetivadas e de interesse institucional.

2)    Chefe do Departamento de Conservação e Manutenção de Estradas Municipais (01 cargo).

Atribuições: chefiar o departamento de conservação e manutenção de estradas municipais, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução dos serviços e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Administrar metas, resultados e controlar processos de manutenção, definindo metas e processos, analisando custos, negociando metas, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas.

3)    Chefe de Departamento de Compras (01 cargo).

Atribuições: chefiar o departamento de compras, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução dos serviços e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Definir e administrar metas, resultados e controlar processos de aquisição de bens, mercadorias  e demais itens necessários para o bom funcionamento das atividades e serviços públicos, efetuando análise de custos, negociando metas, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas.

4)    Chefe de Unidade Central de Alimentos (01 cargo).

Atribuições: Gerenciar a central de alimentos, estabelecendo e determinando rotinas, chefiando diretamente equipes de funcionários da unidade.  Estabelecer metas de atendimento com definição de ações específicas para bom desenvolvimento das atividades da unidade de modo a atender às necessidades gerenciais dos serviços de preparo e entrega dos alimentos aos atendidos pelo sistema municipal de alimentação. Administrar bens patrimoniais e materiais de consumo do órgão. Exercer outras atividades correlatas.

5)    Chefe do Departamento de Atenção à Saúde Mental.

Atribuições: chefiar o departamento de atenção à saúde mental, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução dos serviços e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Definir e administrar metas, resultados e controlar processos necessários para atendimento aos programas de atenção básica ao cidadão portador de distúrbios de ordem mental, identificando formas e métodos para melhrora da eficiência da prestação de serviços, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas.

6)    Chefe do Departamento de Gestão e Controle de Medicamentos (01 cargo).

Atribuições: chefiar o departamento de gestão e controle de medicamentos, supervisionando divisões, setores e equipes de trabalho, planejando as ações e orientando na execução de atividades de gestão operacional necessário para execução e avaliando o desempenho profissional de seus subordinados. Definir e administrar metas, resultados e controlar processos necessários para guarda, controle de estoque e fornecimento de medicamentos, em conformidade com os planos de acesso público à medicamentos fornecidos pelo sistema público de saúde, identificando formas e métodos para melhoria da eficiência do controle de medicamentos, identificando falhas e implementando ações preventivas e corretivas. Exercendo outras tarefas correlatas.

7)    Assessor de Imprensa (01 cargo).

Atribuições: Assessorar no desenvolvimento de atividades voltadas para o relacionamento da Prefeitura com órgão da imprensa, chefiando e coordenando a divulgação de atos, notícias e demais matérias institucionais dos órgãos, prestando assessoramento direto às secretarias para orientação da forma de recolhimento, redação, registro através de imagens e de sons e na interpretação e organização de informações e notícias a serem difundidas, expondo, analisando e comentando os acontecimentos de interesse da Prefeitura. Assessora e coordena a seleção, revisão e preparo definitivo das matérias jornalísticas a serem divulgadas em jornais, revistas, televisão, rádio, internet, assessorias de imprensas e quaisquer outros meios de divulgação das matérias de interesse da municipalidade. Entre outras atividades correlatas.

8)    Chefe da Divisão de Transporte da Saúde (01 cargo).

Atribuições: Chefiar os serviços de transporte da Secretaria Municipal de Saúde, supervisionando a execução dos serviços de transporte de pacientes e atendidos, as condições dos veículos, a segurança dos passageiros, o cumprimento diário dos roteiros, mantendo constante planejamento quanto a melhor forma possível da prestação dos serviços, segundo a legislação em vigor; executando, também, outras atividades afins.

9)    Chefe de Divisão de Conselhos Municipais (01 cargo).

Atribuições: Chefiar o a divisão de conselhos municipais, responsável pela assistência direta a gestão dos diversos conselhos de participação popular do município voltados para a gestão de atividades típicas da administração pública, gerenciando documentos, órgãos e equipe de pessoas que atuam na organização da documentação necessária para adequado ordenamento de suas atividades. Executar outras atividades correlatas.

10)          Chefe de Departamento de Transporte (01 cargo).

Atribuições: chefiar o departamento de transporte, determinando atividades e coordenando divisões, setores e equipes ligadas a prestação de serviços de transporte, administrando e controlando a frota de veículos e máquinas. Supervisionar as atividades de motoristas e auxiliares, checando e inspecionando documentação de motoristas e de veículos. Avaliar o desempenho dos profissionais que atendem ao setor. Cuidar para manutenção das boas condições dos veículos e máquinas. Supervisionar os demais órgãos da Prefeitura que cuidam de atividades ligadas ao transporte de passageiros, e demais atividades correlatas

Ocorre que aos cargos acima arrolados, instituídos pela lei impugnada, não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento. São lotações que não se situam na administração superior, nem demandam a estrita confiança, cujas missões devem ser realizas por servidores de carreira, até mesmo para não haver solução de continuidade por sucessão de administradores.

A previsão normativa desses cargos de provimento em comissão não condiz com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal ou com o artigo 115, incisos II e V, da Constituição Estadual.

É o que será demonstrado a seguir.

II – DO DIREITO

A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261).

A autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).

A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) autoadministração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da autoadministração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).

Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

No caso em exame, o Legislador Municipal criou cargos e empregos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa vinculação.

Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).

Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

É incontestável que os cargos relacionados, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exijam relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargos comuns, de natureza profissional, que devem ser assumidos em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

Em recente julgado (ADIN n° 157 951-0/0. Rel. Des. Sousa Lima. j. 25.6.2008), aliás, esse E. Tribunal de Justiça declarou a inconstitucionalidade de dispositivos de lei municipal que instituiu os seguintes cargos de provimento em comissão, alguns dos quais análogos e/ou com denominações equivalentes aos impugnados, a saber: 1) Assistente Administrativo Escolar; 2) Diretor de Escola; 3) Supervisor de Ensino Fundamental; 4) Agente Municipal de Crédito; 5) Assistente Administrativo Escolar; 6) Chefe de Serviços de Acervo Histórico e Difusão Cultural; 7) Chefe de Serviços de Cadastro Único; 8) Chefe de Serviços de Comunicação; 9) Chefe de Serviços de Esportes Comunitários e de Rendimento; 10) Chefe de Serviços de Fiscalização de Tributos e Posturas; 11) Chefe de Serviços de Turismo; 12) Chefe de Serviços de Gerenciamento da Patrulha Agrícola; 13) Administrador do Ginásio de Esportes; 14) Administrador do Centro de Convivência; 15) Coordenador Geral de Creches; 16) Coordenador Médico; 17) Coordenador Odontológico; 18) Agente Administrativo Financeiro; 19) Agente Administrativo de Recursos Humanos; 20) Supervisor de Saneamento; 21) Assessor Administrativo; 22) Diretor Técnico do Centro de Reabilitação; 23) Assessor Administrativo da Guarda Municipal; 24) Assessor Pedagógico; e 25) Assessor de Diretor.

Para finalizar, lembra-se que o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça entende ser possível declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora de cargos em comissão (ADIN n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA), cuja natureza não correspondia às características próprias dessas funções, daí porque, também aqui se impõe declarar a insubsistência dos seguintes cargos previstos na lei impugnada, por serem incompatíveis com os arts. 111; 115, incisos I, II e V e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Itápolis apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 1º, parágrafos 3º, 4º e 6º, da Lei nº 2.843, de 21 de setembro de 2011, do Município de Itápolis.

IV – CONCLUSÃO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos aqui apontados.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade parcial da Lei nº. 2.843, de 21 de setembro de 2011, do Município de Itápolis, nas partes em que foram previstos os cargos de provimento em comissão impugnados, a saber: 1) Assessor Adjunto de Assuntos Jurídicos (01 cargo); 2) Chefe do Departamento de Conservação e Manutenção de Estradas Municipais (01 cargo); 3) Chefe de Departamento de Compras (01 cargo); 4) Chefe de Unidade Central de Alimentos (01 cargo); 5) Chefe do Departamento de Atenção à Saúde Mental; 6) Chefe do Departamento de Gestão e Controle de Medicamentos (01 cargo); 7) Assessor de Imprensa (01 cargo); 8) Chefe da Divisão de Transporte da Saúde (01 cargo); 9) Chefe de Divisão de Conselhos Municipais (01 cargo); 10) Chefe de Departamento de Transporte (01 cargo).

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2012.

 

                        Walter Paulo Sabella

                        Procurador-Geral de Justiça

em exercício

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Protocolado nº 142.196/11

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º, parágrafos 3º, 4º e 6º, da Lei nº 2.843, de 21 de setembro de 2011, do Município de Itápolis.

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 1º, parágrafos 3º, 4º e 6º, da Lei nº 2.843, de 21 de setembro de 2011, do Município de Itápolis, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 10 de fevereiro de 2012.

 

 

 

 

                        Walter Paulo Sabella

                        Procurador-Geral de Justiça

      em exercício

fjyd