EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 142.239/2009

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa. Lei que veda o “nepotismo” na administração municipal, mas estabelece exceções inconstitucionais.

2)     Vedação ao “nepotismo”. Decorrência dos princípios da impessoalidade e da moralidade. Contrariedade ao disposto no art. 111 da Constituição do Estado. Verbete nº 13 da súmula da jurisprudência vinculante do C. STF. Precedentes do E. TJSP.

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (Pt. nº 142.239/2009, que segue como anexo), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa , pelos fundamentos a seguir expostos.

1.   DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa, conforme a respectiva rubrica, “Dispõe sobre a proibição de contratação ou nomeação de parentes no âmbito da administração pública do município e dá outras providências”.

Entretanto, o art. 2º do referido diploma, em dicção que é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, assim dispõe:

“(...)

Art. 2º - Será permitida a nomeação ou contratação, desde que o nomeado ou contratado, mediante concurso, já ocupe cargo efetivo no serviço público, tenha formação escolar ou experiência profissional compatível com o cargo a ser ocupado, faça opção pelo recebimento dos vencimentos e/ou vantagens do cargo de origem, e renuncie, expressamente, ao direito de recebimento do município, de quaisquer vencimentos e/ou vantagens pelo exercício do cargo em comissão.

(...)”

2.   FUNDAMENTAÇÃO.

A vedação ao nepotismo decorre diretamente dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, que estão assentados no art. 111 da Constituição do Estado (reprodução do art. 37, caput da CR/88), e são aplicáveis aos Municípios, como princípios constitucionais estabelecidos, por força do art. 144 da Carta Paulista.

Em razão disso, inclusive, o Colendo Supremo Tribunal Federal editou o verbete de nº 13 da súmula de sua jurisprudência vinculante, que possui o seguinte teor:

“(...)

Súmula vinculante nº 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. (DJe nº 162/2008, p. 1, em 29/8/2008. DOU de 29/8/2008, p. 1.).

(...)”

Quanto ao princípio da impessoalidade, é oportuno recordar com Hely Lopes Meirelles que “nada mais é que o clássico princípio da finalidade”, que deverá retratar ”sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público”, vedando a “prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade” (Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 93/94).

Em sentido análogo, confiram-se: Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 114; Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 55/56; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19. Ed, São Paulo, Atlas, 2006, p. 85; entre outros.

A vedação ao nepotismo decorre imediatamente do princípio constitucional da impessoalidade, por impedir que nomeações para cargos de confiança ou funções comissionadas sejam realizadas com o escopo de favorecimento pessoal dos nomeados, e não para atender a efetivas necessidades da administração pública.

De outro lado, há também, nos casos de nepotismo, atentado ao princípio da moralidade administrativa.

Em oportuna síntese, anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (Direito Administrativo, 19. Ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 94).

No mesmo diapasão, confiram-se: Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 90/93; Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, cit., p. 119/120; entre outros.

Lembra ainda Alexandre de Moraes que a moralidade administrativa vai além da observância da estrita legalidade, exigindo, no exercício da função pública, o respeito aos “princípios éticos de razoabilidade e justiça” (Direito Constitucional, 24. Ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 325). Em sentido análogo, ainda, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, 4. Ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 883.

Nesse quadro, a prática do nepotismo, por significar o apadrinhamento de pessoas com vínculo de parentesco com autoridades da administração, revela situação manifestamente contrária aos parâmetros configuradores do princípio da moralidade.

E nem pode ser acolhida, com o devido respeito, linha de argumentação segundo a qual o verbete nº 13 da súmula da jurisprudência dominante do C. STF deverá receber interpretação restritiva, ou seja, apta a autorizar exceções à vedação constitucional ao nepotismo.

Aliás, em situação análoga, antes mesmo da edição do verbete de nº 13 da súmula de sua jurisprudência vinculante, o C. STF reconheceu a ocorrência de nepotismo em caso em que servidora titular de cargo efetivo tomou assento no exercício de cargo de provimento em comissão, em posição cuja autoridade superior era seu marido. Trata-se do MS nº 23.780/MA, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 28/09/2005, Tribunal Pleno, nos termos da ementa transcrita a seguir:

“(...)

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. Servidora pública da Secretaria de Educação nomeada para cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região à época em que o vice-presidente do Tribunal era parente seu. Impossibilidade. A proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda a Administração Pública, em qualquer esfera do poder. Mandado de segurança denegado.

(...)”

De outro lado, em um dos precedentes que rendeu ensejo à edição do verbete de nº 13 da súmula da jurisprudência vinculante da Suprema Corte, qual seja, o julgamento do RE nº 579.951/RN, no voto do relator, Min. RICARDO LEWANDOWSKI (j. 20.08.2008, T. Pleno), em certa passagem ficou claro que a vedação do nepotismo alcança tanto a nomeação para cargos em comissão como para funções comissionadas, não sendo viável formular distinções nem ressalvas como aquela estabelecida no art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa, cuja inconstitucionalidade vem sendo apontada nesta inicial. Eis o excerto do voto do Ministro Relator, a esse propósito:

“(...)

Além de ofensiva à moralidade administrativa, a nomeação de parentes para cargos e funções que não exigem concurso público, como já se viu acima, fere o princípio da impessoalidade e, por extensão, o basilar princípio da isonomia, porque prevalece o nesfasto ‘QI’, o popular ‘quem indica’, mencionado pelo Ministro Marco Aurélio em seu voto pioneiro sobre o nepotismo, na ADI 1521/RS (...).

(...)”

A menção, no trecho do voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI quando do julgamento do RE nº 579.951/RN, à extensão da vedação do nepotismo para preenchimento de cargos e funções públicas não é aleatória e não é despida de consequências.

É necessário recordar que, nos termos do art. 115, V da Constituição Paulista (norma que reproduz o art. 37, V, da CR/88) as funções de confiança são “exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo”, diferentemente dos cargos em comissão, que podem, em princípio, ser preenchidos tanto por servidores efetivos como por indivíduos sem vínculo com a administração pública.

Ora, os princípios da impessoalidade e moralidade, estipulados no art. 111 da Constituição do Estado (reprodução do art. 37, caput da CR/88) aplicam-se de forma geral à administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes do Estado, alcançando, dessa forma, tanto as nomeações para cargos em comissão como para funções de confiança.

Mostra-se evidente, assim, a inconstitucionalidade da norma que excepciona a aplicação dos referidos princípios constitucionais, como ocorre com o art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

Adite-se, finalmente, que a inconstitucionalidade de leis municipais que excepcionam a vedação constitucional, permitindo qualquer espécie de nepotismo, vem sendo reconhecida por esse Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo. Confira-se o precedente indicado a seguir:

“(...)

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei municipal que permite em regime de exceção o provimento de um cargo em comissão para a contratação na Prefeitura e na Câmara Municipal, por parente em linha reta, colateral ou afim, até terceiro grau do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito Municipal, Assessores Municipais e dos Vereadores, estabelecendo limite de até cinco servidores, apenas para Assessores ou Vereadores - Nepotismo - Ofensa aos princípios da impessoalidade e da moralidade, a teor dos artigos 111 e 144 da Constituição do Estado, e artigo 37 da Constituição Federal - Colisão frontal com Súmula Vinculante n° 13 do C. Supremo Tribunal Federal - Inconstitucionalidade reconhecida - Ação procedente. (ADI nº 164.663.-0/2-00, rel. des. José Reynaldo, j. 14.01.2009, v.u.).

(...)

Adite-se, por último e não menos importante, que respondendo pedido de informações formulado por esta Procuradoria-Geral de Justiça, o Senhor Prefeito Municipal e o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Uchoa aduziram inexistir inconstitucionalidade no disposto no art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008 daquele Município, pois:

“(...)

Tanto o Conselho Nacional de Justiça, quanto o Supremo Tribunal Federal, admitem a nomeação de parentes que sejam servidores efetivos em funções de confiança nos seus quadros.

Destaca-se, a própria interpretação do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe no parágrafo 1º do artigo 2º da Resolução 7/2005 (...)

No mesmo sentido, aliás, é a norma do parágrafo 7º do artigo 355 do Regimento Interno do supremo Tribunal Federal (...) (cf. fls. 69/70 e 76/77 do protocolado que segue com esta inicial)

(...)”

Entretanto, com a devida vênia, o argumento do Senhor Prefeito Municipal e do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Uchoa não pode ser acolhido.

Primeiro, porque a discussão aqui travada diz respeito à inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, de Uchoa, e não quanto a dispositivos da Resolução nº 7/2005 do Colendo Conselho Nacional de Justiça, ou mesmo do art. 355, § 7º do Regimento Interno do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Segundo, porque eventual inconstitucionalidade das referidas disposições do CNJ e do STF não tem o condão de legitimar norma inconstitucional editada pelo Município.

Terceiro, porque se a prática do nepotismo é vedada pela Constituição, e as normas e princípios constitucionais que proíbem tal prática têm eficácia plena (nessa linha são os precedentes do STF e o próprio verbete nº 13 da súmula da sua jurisprudência vinculante), não há como aceitar que o legislador infraconstitucional possa excepcionar a aplicação dos mencionados princípios.

Essa ideia, aliás, ficou evidenciada quando do julgamento da ADC nº 12 pelo Colendo STF, oportunidade em que foi examinada a Resolução nº 7/2005 do Colendo CNJ, que explicitou a vedação ao nepotismo, como é possível verificar na ementa do referido julgado, cujo relator foi o Min. CARLOS BRITTO:

“(...)

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE ‘DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS’. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios "estabelecidos" por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo ‘direção’ nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça. (j. 20/08/2008, Tribunal Pleno)

(...)”

3.    LIMINAR.

Estão presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a suspensão do dispositivo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a propositura desta ação direta, antes declinados.

Quanto ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a presunção de constitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa, atos materiais continuarão sendo realizados no sentido de concretização da previsão normativa, gerando situações cuja reversão ao status quo ante, futuramente, será de considerável grau de dificuldade.

Mas não é só.

As situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos, desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais.

Nesse sentido, confiram-se: ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182.

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, a fim de que seja determinada a suspensão da eficácia do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

4. CONCLUSÃO E PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Uchoa, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 09 de fevereiro de 2010.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 142.239/2009

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

 

 

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.    Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.    Cumpra-se.

 

São Paulo, 09 de fevereiro de 2010.

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 990.10.064761-0

Requerente: Procurador-Geral de Justiça

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa. Lei que veda o “nepotismo” na administração municipal, mas estabelece exceções inconstitucionais.

2)     Vedação ao “nepotismo”. Decorrência dos princípios da impessoalidade e da moralidade. Contrariedade ao disposto no art. 111 da Constituição do Estado. Verbete nº 13 da súmula da jurisprudência vinculante do C. STF. Precedentes do E. TJSP.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

          Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta por esta Procuradoria-Geral de Justiça, tendo por objeto o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

          Deferida a liminar (fls. 17/18), foram requisitadas e prestadas informações pela Câmara Municipal (fls. 28/30), bem como pelo Senhor Prefeito Municipal de Uchoa (fls. 33/35).

          É o relato do essencial.

        Preliminarmente, mostra-se necessária a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado para a defesa do ato normativo impugnado (art. 90, § 2º da Constituição do Estado de São Paulo).

          No mérito, a ação deve ser julgada procedente.

Já tivemos oportunidade de expor, quando da propositura da ação, que o dispositivo impugnado ao estabelecer exceções inconstitucionais com relação ao “nepotismo”, viola os princípios constitucionais da “moralidade” e da “impessoalidade”, estabelecidos no art. 111 da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, caput da CR/88), aplicáveis aos Municípios como princípios constitucionais estabelecidos, por força do art. 144 da Carta Paulista. Por consequência o preceito questionado contraria o disposto na súmula vinculante nº 13, do Colendo STF.

A Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa, conforme a respectiva rubrica, “Dispõe sobre a proibição de contratação ou nomeação de parentes no âmbito da administração pública do município e dá outras providências”.

Entretanto, o art. 2º do referido diploma, em dicção que é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, assim dispõe:

“(...)

Art. 2º - Será permitira a nomeação ou contratação, desde que o nomeado ou contratado, mediante concurso, já ocupe cargo efetivo no serviço público, tenha formação escolar ou experiência profissional compatível com o cargo a ser ocupado, faça opção pelo recebimento dos vencimentos e/ou vantagens do cargo de origem, e renuncie, expressamente, ao direito de recebimento do município, de quaisquer vencimentos e/ou vantagens pelo exercício do cargo em comissão.

(...)”

A vedação ao nepotismo decorre diretamente dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, que estão assentados no art. 111 da Constituição do Estado (reprodução do art. 37, caput da CR/88), e são aplicáveis aos Municípios, como princípios constitucionais estabelecidos, por força do art. 144 da Carta Paulista.

Em razão disso, inclusive, o Colendo Supremo Tribunal Federal editou o verbete de nº 13 da súmula de sua jurisprudência vinculante, que possui o seguinte teor:

“(...)

Súmula vinculante nº 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. (DJe nº 162/2008, p. 1, em 29/8/2008. DOU de 29/8/2008, p. 1.).

(...)”

Além de nossa expressa reiteração de todos os argumentos expendidos na inicial, que aqui não se reproduzem por apego à brevidade, é importante anotar que não merece acolhimento, com a devida vênia, a argumentação segundo a qual o verbete nº 13 da súmula da jurisprudência dominante do C. STF deverá receber interpretação restritiva, ou seja, apta a autorizar exceções à vedação constitucional ao nepotismo.

Aliás, em situação análoga, antes mesmo da edição do verbete de nº 13 da súmula de sua jurisprudência vinculante, o C. STF reconheceu a ocorrência de nepotismo em caso em que servidora titular de cargo efetivo tomou assento no exercício de cargo de provimento em comissão, em posição cuja autoridade superior era seu marido. Trata-se do MS nº 23.780/MA, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 28/09/2005, Tribunal Pleno, nos termos da ementa transcrita a seguir:

“(...)

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. Servidora pública da Secretaria de Educação nomeada para cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região à época em que o vice-presidente do Tribunal era parente seu. Impossibilidade. A proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda a Administração Pública, em qualquer esfera do poder. Mandado de segurança denegado.

(...)”

De outro lado, em um dos precedentes que rendeu ensejo à edição do verbete de nº 13 da súmula da jurisprudência vinculante da Suprema Corte, qual seja, o julgamento do RE nº 579.951/RN, no voto do relator, Min. RICARDO LEWANDOWSKI (j. 20.08.2008, T. Pleno), em certa passagem ficou claro que a vedação do nepotismo alcança tanto a nomeação para cargos em comissão como para funções comissionadas, não sendo viável formular distinções nem ressalvas como aquela estabelecida no art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa. Eis o excerto do voto do Ministro Relator, a esse propósito:

“(...)

Além de ofensiva à moralidade administrativa, a nomeação de parentes para cargos e funções que não exigem concurso público, como já se viu acima, fere o princípio da impessoalidade e, por extensão, o basilar princípio da isonomia, porque prevalece o nesfasto ‘QI’, o popular ‘quem indica’, mencionado pelo Ministro Marco Aurélio em seu voto pioneiro sobre o nepotismo, na ADI 1521/RS (...).

(...)”

A menção, no trecho do voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI quando do julgamento do RE nº 579.951/RN, à extensão da vedação do nepotismo para preenchimento de cargos e funções públicas não é aleatória e não é despida de consequências.

É necessário recordar que, nos termos do art. 115, V da Constituição Paulista (norma que reproduz o art. 37, V, da CR/88) as funções de confiança são “exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo”, diferentemente dos cargos em comissão, que podem, em princípio, ser preenchidos tanto por servidores efetivos como por indivíduos sem vínculo com a administração pública.

Ora, os princípios da impessoalidade e moralidade, estipulados no art. 111 da Constituição do Estado (reprodução do art. 37, caput da CR/88) aplicam-se de forma geral à administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes do Estado, alcançando, dessa forma, tanto as nomeações para cargos em comissão como para funções de confiança.

Mostra-se evidente, assim, a inconstitucionalidade da norma que excepciona a aplicação dos referidos princípios constitucionais, como ocorre com o art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

Adite-se, finalmente, que a inconstitucionalidade de leis municipais que excepcionam a vedação constitucional, permitindo qualquer espécie de nepotismo, vem sendo reconhecida por esse Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo. Confira-se o precedente indicado a seguir:

“(...)

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei municipal que permite em regime de exceção o provimento de um cargo em comissão para a contratação na Prefeitura e na Câmara Municipal, por parente em linha reta, colateral ou afim, até terceiro grau do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito Municipal, Assessores Municipais e dos Vereadores, estabelecendo limite de até cinco servidores, apenas para Assessores ou Vereadores - Nepotismo - Ofensa aos princípios da impessoalidade e da moralidade, a teor dos artigos 111 e 144 da Constituição do Estado, e artigo 37 da Constituição Federal - Colisão frontal com Súmula Vinculante n° 13 do C. Supremo Tribunal Federal - Inconstitucionalidade reconhecida - Ação procedente. (ADI nº 164.663.-0/2-00, rel. des. José Reynaldo, j. 14.01.2009, v.u.).

(...)

Adite-se, por último e não menos importante, que o Senhor Prefeito Municipal e o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Uchoa aduziram inexistir inconstitucionalidade no disposto no art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008 daquele Município, tomando como parâmetro normas do Regimento Interno do Colendo STF e disposição da Resolução nº 7/2005 do Colendo Conselho Nacional de Justiça.

Entretanto, com a devida vênia, esse argumento não merece ser acolhido.

Primeiro, porque a discussão aqui travada diz respeito à inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, de Uchoa, e não quanto a dispositivos da Resolução nº 7/2005 do Colendo Conselho Nacional de Justiça, ou mesmo do art. 355, § 7º do Regimento Interno do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Segundo, porque eventual inconstitucionalidade das referidas disposições do CNJ e do STF não tem o condão de legitimar norma inconstitucional editada pelo Município.

Terceiro, porque se a prática do nepotismo é vedada pela Constituição, e as normas e princípios constitucionais que proíbem tal prática têm eficácia plena (nessa linha são os precedentes do STF e o próprio verbete nº 13 da súmula da sua jurisprudência vinculante), não há como aceitar que o legislador infraconstitucional possa excepcionar a aplicação dos mencionados princípios.

Essa ideia, aliás, ficou evidenciada quando do julgamento da ADC nº 12 pelo Colendo STF, oportunidade em que foi examinada a Resolução nº 7/2005 do Colendo CNJ, que explicitou a vedação ao nepotismo, como é possível verificar na ementa do referido julgado, cujo relator foi o Min. CARLOS BRITTO:

“(...)

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE ‘DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS’. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios "estabelecidos" por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo ‘direção’ nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça. (j. 20/08/2008, Tribunal Pleno)

(...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Municipal nº 2.743, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Uchoa.

São Paulo, 22 de junho de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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