Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no exercício da atribuição prevista
no artigo 116, inciso VI, da Lei Complementar nº 734, de 26.11.93, e em
conformidade com o disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da
Constituição Federal, e artigo 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, tendo em vista o
contido no protocolado anexo (PGJ n.º 146.928/07), vem, respeitosamente, promover perante esse
Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da
Lei Complementar nº 357, de 30 de dezembro de 2.002 e da Lei Complementar n°
413, de 28 de dezembro de 2004, ambas
do Município de Leme, que institui a Contribuição de Iluminação Pública - CIP, pelos motivos e fundamentos a seguir
expostos.
Os atos normativos apontados por
inconstitucionais instituem a Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação
Pública - COSIP, determinando que o
Executivo fixará, por decreto, sua alíquota.
Assim dispõem
as Leis referidas:
LEI COMPLEMENTAR Nº 357, DE 30
DE DEZEMBRO DE 2002
“Institui a Contribuição de Iluminação
Pública _CIP, de que trata o art. 149-A da Constituição Federal”
“Artigo
1º
- Fica Instituída no Município de Leme a Contribuição de Iluminação Pública -
CIP, destinada ao custeio dos serviços de fornecimento de energia para
alimentar a rede de iluminação pública instalada nas áreas urbanas e de
expansão urbana do Município, inclusive manutenção.
Artigo
2º
- São contribuintes de Iluminação Pública-CIP todos os proprietários titulares
de domínio útil ou possuidores a qualquer título de imóveis, edificados ou não,
localizados nas zonas urbanas ou de expansão urbana do Município de Leme.
Artigo
3º
- A base de cálculo da Contribuição de Iluminação Pública é o valor total dos
serviços a que se refere o art. 1º .
Artigo
4º
- A CIP será calculada mediante a aplicação sobre a base de cálculo da seguinte
forma: CIP = (VT/AT) x A, onde:
I - “VT”, corresponde ao valor
total da fatura dos serviços de iluminação pública do mês imediatamente
anterior à cobrança;
II – “AT”, corresponde a área
total de metros lineares da testada principal de todos os imóveis cadastrados
na área urbana do Município e beneficiados pelos serviços de iluminação
pública.
III – “A”, corresponde a área
total de metros lineares da testada de cada imóvel sujeito ao lançamento da
CIP.
§1º
- Para
fins da presente Lei Complementar, testada principal é aquela considerada para
efeito de numeração.
§2º
- O imóvel que possuir mais de uma medida autônoma integrará o “AT”
através do produto da multiplicação entre a testada principal e o número de
unidades imobiliárias autônomas.
§3º
- Na
hipótese de o imóvel possuir mais de uma unidade autônoma para uma única
testada, será a CIP exigida individualmente de cada unidade
imobiliária integrante do imóvel, levando-se em consideração a testa principal
para cada unidade.
§4º- Serão
desconsiderados para aferição da “AT” e da “A”, testadas principais inferiores
a 5 (cinco) metros lineares.
Artigo
5º
- A cobrança da Contribuição de Iluminação Pública poderá ser feita de forma
direta ou mediante convênio, desde já autorizado, que poderá ser formalizado
com operadora dos sistema de energia elétrica, na forma.
Artigo
6º
- Esta Lei Complementar será regulamentada por Decreto do Executivo.
Artigo
7º
- Esta lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação e surtirá
efeitos a partir de 1 de janeiro de
2003.
Artigo
8º
- Revogam-se as disposições em contrário”.
LEI COMPLEMENTAR Nº 413, de 28
de dezembro de 2004.
"Altera dispositivo da lei Complementar n. 357, de 30 de
dezembro de 2002”
”Artigo 1º - O Artigo 5º,
da Lei Complementar n.º 357, de 30 de dezembro de 2002, que instituiu a
Contribuição de Iluminação Pública –CIP, passa a vigorar com a seguinte
redação:
Artigo 5º - A cobrança da Contribuição de Iluminação Pública
poderá ser feita de forma direta ou mediante convênio, desde já autorizado, que
poderá ser formalizados com operadora do sistema de energia elétrica, na forma.
Parágrafo único- na hipótese da cobrança de forma direta, a
municipalidade poderá efetivá-la em períodos cumulativos de seis meses ou um
ano, neste caso, sem a exigência de juros, correção monetária e multa,consoante
ao período acumulado.
Artigo 2º - Esta lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.”
É certo
que a Emenda Constitucional nº 39, de 19 de dezembro de 2.002, acrescentando caput ao art.149 da Constituição
Federal, autorizou os Municípios e o Distrito Federal a instituir contribuição,
na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública.
Também é certo que o mesmo dispositivo constitucional determinou que se
observassem as limitações constantes do art.150, I e III, da mesma Carta da
República, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, bem como a cobrar tributos
em relação a fatos gerados ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado; ou ainda, cobrar no mesmo exercício financeiro
em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; e antes de decorridos
noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou. Constata-se que para a
instituição da contribuição agora prevista na Lei Maior, o Município deve observar os ditames
constitucionais e legais que limitam essa sua atribuição tributária.
Assim,
conquanto tenha o município competência para legislar sobre assuntos de
interesse local, bem como para suplementar a legislação federal e a estadual no
que couber e instituir e arrecadar os tributos que lhe são próprios (art.30,
incisos I a III, da CF), deve observar os limites também delineados na Carta da
República, principalmente no concernente a competência tributária. Por sinal,
as limitações tributárias previstas na Lei Maior, constantes do art.145 e
seguintes, se repetem na Constituição do Estado de São Paulo, através de seu
art.163, que trata igualmente das limitações do poder de tributar por meio de
garantias asseguradas ao contribuinte.
Saliente-se que por força do art.125, §2º, da Constituição Federal, o
controle abstrato de normas destinado à aferição da constitucionalidade de leis
estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual compete ao Tribunal de
Justiça, bem como só se viabiliza esse controle por meio de ação direta de
inconstitucionalidade, que na esfera estadual, se mostra cabível quando do
confronto de lei ou ato normativo municipal ou estadual com a Constituição
Estadual.
Analisando as leis
municipais supra transcritas, depreende-se que seus dispositivos vulneram as
limitações ao poder de tributar constantes da Carta Paulista. Ocorre que o art.4º
e seus parágrafos, da Lei Complementar nº 357, de 30 de dezembro de 2002 ao
estipularem que o valor da contribuição para o custeio será aferido tomando-se
por base o valor despendido para a prestação do serviço, rateado em função da
testada de cada imóvel, utiliza-se de elemento material do Imposto Predial e
Territorial Urbano, já que toma como base do tributo o valor despendido para a
prestação do serviço, rateado em função da
testada de cada imóvel. Aliás, a
contribuição em tela não pode ser aferida pelo consumo individual do
contribuinte, pois que a iluminação não se dirige a este ou aquele, mas a todos
beneficia e aproveita, indistintamente, e mesmo independente de ser
contribuinte ou não. Nesse sentido,
portanto, e por força do que dispõe o art.144, da Constituição Paulista, a
citada norma afronta o parágrafo 2º, do art.160, da citada Carta Bandeirante,
que impede que as taxas possam ter a mesma base de cálculo de impostos. Ademais
disso, institui tratamento desigual entre contribuintes que se encontra em
situação equivalente, violando a garantia insculpida no inciso II, do art.163,
também da Constituição Estadual. Veja-se que não há autorização constitucional
para a instituição do regime de cobrança
com base no metro linear da testada, não
permite aferir a real capacidade econômica do contribuinte, que deve sempre que
possível nortear o legislador ordinário, consoante parágrafo 1º, do art.160, da
Constituição Paulista.
Ao depois, Somente a lei
pode criar ou majorar um tributo, e, criar um tributo, conforme pontifica Hugo
de Brito Machado:
"...é
estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve
pagar, quando e a quem deve ser pago. Assim, a lei instituidora do tributo há
de conter: (a) a descrição do fato tributável; (b) a definição da base de cálculo
e da alíquota ou outro
critério a ser utilizado para o estabelecimento
do valor do tributo; (c) o critério para
identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; (d) o sujeito ativo
da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja
expressão de vontade." [1]
Aliás, a razão de ser do
nascimento, histórico, dos parlamentos, é justamente a matéria tributária,
conforme consta no r. voto do erudito Min. Celso de Mello, em tema correlato, qual seja, da impossibilidade
da criação de tributos por Medida
Provisória[2]:
"...A
fórmula do government by consent reflete
a própria essência do regime democrático, cujos postulados fundamentais, ao
repousarem no consenso dos governados, repelem qualquer ensaio que possa
conduzir ao prevalecimento da vontade unilateral de qualquer dos detentores do
poder estatal. Cabe advertir, por isso mesmo, que a utilização excessiva das
medidas provisórias minimiza, perigosamente, a importância
político-institucional do Poder Legislativo, pois suprime a possibilidade de
prévia discussão parlamentar de matérias que devem estar ordinariamente
sujeitas ao poder decisório do Congresso Nacional. Presente esse contexto, entendo que a criação de novos tributos e a
majoração de tributos já existentes constituem matérias inteiramente sujeitas
ao domínio normativo da lei em sentido formal, regendo-se, em seu processo de
positivação, pelo princípio da reserva de
parlamento (J. J. GOMES
CANOTILHO, "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", p. 636,
item n. 4, 1998, Almedina), vedada, em conseqüência, a possibilidade de
ingerência normativa do Chefe do Poder Executivo no tratamento unilateral de
uma questão, que, historicamente,
por razões de garantia política dos cidadãos e de segurança jurídica dos contribuintes,
sempre se reservou, nos regimes
democráticos, à apreciação soberana dos corpos parlamentares ('no
taxation without representation')."
Diante
disso, conclui-se, que a Lei
Complementar n.º 357, de 30 de dezembro
de 2.002, do Município de Leme, com a redação que lhe foi dada pela Lei
Complementar nº 413, de 28 de dezembro de 2.004, é, também, inconstitucional eis que de nada vale um diploma
tributário que institui tributo mas não fixa sua alíquota.[3]
Portanto, não
resiste a citada Lei ao confronto com os artigos
5.º, 111
e 163, I,
da Constituição do
Estado de São Paulo, impondo-se, em conseqüência, sua expulsão
definitiva do sistema jurídico.
Em conclusão, o ato normativo em
epígrafe é materialmente inconstitucional uma vez que: (a) o critério legalmente eleito – que leva em conta apenas o metro
linear de testada – não permite determinar a capacidade contributiva,
afigurando-se, portanto, ofensivo à razoabilidade e à isonomia; (b) ainda, o citado critério do metro
linear de testada utiliza-se de elemento material de outro tributo, ou seja, o
IPTU, configurando-se verdadeira bi-tributação; (c) não fixou a alíquota a ser cobrada.
Remanesce, no presente caso, a necessidade de
concessão de “MEDIDA CAUTELAR”. Isto
porque, quando se trata do controle normativo abstrato, e uma vez verificada a
cumulativa satisfação dos pressupostos legais concernentes ao “fumus boni júris” e ao “periculum in mora”, o poder geral de
cautela autoriza a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado, até o
final julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.
A plausibilidade jurídica da tese
exposta na inicial é evidente, não admitindo maiores questionamentos, ante a
adoção, por lei, com vistas ao custeio do serviço de iluminação pública, de
critério de cobrança desarrazoado, arbitrário e que é ofensivo à isonomia, que
manda tratar igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais.
E, por outro lado, também está delineada a situação de risco, caracterizada do ‘periculum in mora’, tanto mais porque “em matéria tributária há um permanente
estado de ameaça gerada pela potencialidade de ato administrativo fiscal
dirigido ao contribuinte”(STJ – 1º Turma, j.21.8.97, rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJU de 10.11.97,
p.57.703). Assim, o contribuinte estará sendo compelido a pagar uma exação cuja
constitucionalidade é aqui contestada – e certamente o fará por temor às
conseqüências que a lei empresta ao inadimplemento tributário -, salvo, é
claro, se estiver amparado pela liminar ora pleiteada.
Como a CIP atinge milhares de pessoas, a
repetição do indébito exigirá a multiplicação de longas e dispendiosas
demandas. Ou seja, estar-se-á sujeitando
o contribuinte a uma situação semelhante à anacrônica regra do solve et repete. Em suma: há justo
receio de lesão ao direito que tem o contribuinte de não pagar uma dívida
tributária cuja fonte normativa foi moldada em total afronta às normas
constitucionais. De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de
risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e
da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério
relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do STF,
preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf.
ADIN-MC 125, j.15.2.90, rel. Min. CELSO
DE MELLO; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52).
Tais afirmações se ajustam com
precisão aos casos, como o presente, cuja matéria em discussão é tributária. Com efeito, as limitações constitucionais ao
poder estatal de tributar têm manifesta relevância e é inegável que convém ao
bem comum assegurar o efeito império de seus princípios. Como se sabe, “o exercício do poder tributário, pelo
Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto
constitucional, que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos
contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir,
coativamente, as diversas espécies tributárias existentes”.
Bem
por isso, “os princípios constitucionais tributários (...), sobre representarem
importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão
fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo
ordenamento estatal.”(ADIN-MC 712-DF, rel. Min. CELSO DE MELLO, j. em 7.10.92).
À vista
do exposto, e após a concessão da liminar,
requer seja autorizado o processamento da presente ação, colhendo-se as
informações pertinentes do Prefeito Municipal e da Câmara de Vereadores de Leme,
vindo, a final, a ser declarada a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º
357, de 30 de dezembro de 2.002, do
Município de Leme, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 413,
de 28 de dezembro de 2.004, por afrontarem os artigos 111, 144, 160, §§ 1º e
2º, e 163, incisos
I e II, da Constituição do Estado de São Paulo.
São Paulo, 05 de maio de 2008.
FERNANDO
GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA
[1] Curso de Direito Tributário. 20a ed. São
Paulo: Malheiros, 2002. p. 41. grifos não constantes do original.
[2]
Oswaldo Luiz Palu, Controle de Constitucionalidade – conceitos, sistemas e
efeitos, p. 247, 2.ª ed., RT, São Paulo.
[3]
"Será total ou parcial a
inconstitucionalidade conforme atinja todo um ato normativo ou apenas parte
dele, seja uma norma em relação a um conjunto delas, ou parte de uma norma em
relação a ela mesma. Aqui vige o princípio da conservação dos atos jurídicos,
de inegável caráter utilitário. Também a inconstitucionalidade negativa ou por
omissão pode ser parcial quando, v.g.,
a falta de cumprimento pelo órgão público encarregado de certo ato for apenas
de alguns aspectos determinados pela Constituição e não omissão absoluta, como
ocorreria na hipótese da outra categoria (inconstitucionalidade negativa
total). Naquela existem normas insuficientes, entretanto, ao atendimento do
determinado constitucionalmente; nesta, autêntico vazio normativo a respeito (black hole). Ocorre, às vezes, que a inconstitucionalidade parcial
transmuda-se em inconstitucionalidade total. Suponha-se o caso de um ato normativo que, em conseqüência da
declaração de inconstitucionalidade parcial de seu texto, deixe o restante sem
qualquer significado. O critério da dependência aplica-se, aqui, para nulificar todo o ato. No mesmo
sentido, se uma norma, que faz parte de uma regulamentação geral sobre
determinado assunto dando-lhe substrato jurídico, for declarada
inconstitucional, os demais também serão nulificados (critério da
interdependência)." Oswaldo Luiz
Palu, Controle de Constitucionalidade – conceitos, sistemas e efeitos, p. 75, 2.ª ed., RT, São Paulo.