(1)

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Ementa. 1) Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007 (parte especificada do Anexo I) e Lei n. 6.673, de 21 de novembro de 2007 (parte do artigo 1º e do Anexo Único), leis do município de Marília. 2) Criação de cargos de provimento em comissão, com ausência dos requisitos constitucionais das características de  chefia, direção e assessoramento. 3) Violação dos arts. 111, 115, II e V e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Inconstitucionalidade constatada. 5) Ação Direta visando à declaração de inconstitucionalidade das normas legais impugnadas.

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n. 153.151/07), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

a) da parte especificada na presente do Anexo I da Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007, que modificou e revogou dispositivos da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991;

b) de parte do artigo 1º e do Anexo Único da Lei n. 6.673, de 21 de novembro de 2007, que modificou e revogou dispositivos das Leis n. 3.200, de 30 de dezembro de 1986, 3.959, de 14 de dezembro de 1993, 4.028, de 13 de setembro de 1994 e 4.258, de 07 de fevereiro de 1997;leis do município de Marília que definiram, de forma inconstitucional, como de provimento em comissão vários cargos cujas funções são eminentemente técnicas, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:

                   Registre-se, inicialmente, que a propositura da presente ação direta se deve ao acolhimento da representação formulada pelos nobres e combativos Promotores de Justiça da Comarca de Marília, Dra. Rita de Cássia Bergamo e Dr. Isauro Pigozzi Filho, que noticiaram à Procuradoria-Geral os seguintes fatos[1]:

                   O Tribunal de Contas nas fiscalizações acerca das contas anuais do Poder Executivo de Marília, vem apontando em seus relatórios, desde o exercício de 1999, que o Município possui cargos com funções típicas de provimento efetivo previstos em lei para provimento em comissão.

                   Em inquérito civil instaurado na 4ª Promotoria de Justiça (IC n. 33/07 - A) apurou-se a existência de 21 cargos comissionados na Prefeitura Municipal de Marília com funções rotineiras da administração pública, típicas de cargos que deveriam ser providos por concurso público, restando assim desobedecida a regra do artigo 115, incisos II e V da Constituição Paulista e do artigo 37, II e V, da Constituição Federal.

                   Do referido procedimento resultou a propositura de ação Civil Pública – processo n. 2790/07, 2ª Vara Cível – no intuito de declarar nulas as portarias de nomeação dos funcionários ocupantes desses cargos em comissão, pleiteando-se incidentalmente a inconstitucionalidade das leis municipais que criaram referidos cargos, conforme cópia que segue em anexo.

                   Foi concedida na referida Ação Civil Pública a antecipação da tutela para o afastamento dos servidores nomeados por portaria para os cargos em comissão relacionados na inicial (cf. decisão de fls. 34).

                   Com a ação foi elaborado o ofício n. 238/07 – 4ª PJM para encaminhamento a Procuradoria Geral de Justiça para providências tendentes a propositura de ação de inconstitucionalidade das leis municipais (fls. 02/04).

                   Todavia, de maneira extremamente célere, poucos dias após a propositura da Ação Civil Pública, foram editadas novas leis (Lei 6673, de 21 de novembro de 2007; da Lei Complementar n. 518 de 21 de novembro de 2007; e da Lei Complementar n. 519 de 21 de novembro de 2007) retirando do ordenamento jurídico alguns dispositivos inconstitucionais dentre eles, os apontados na ação civil pública proposta. Ocorre que as novas leis editadas mantiveram diversos cargos como de provimento em comissão, com função rotineira da administração pública, típicas de cargos que deveriam ser providos por concurso público, razão pela qual o ofício n. 238/07 – 4ª PJM não foi enviado a esta Procuradoria”.

                   Assim, por ser absolutamente correta a conclusão dos nobres Promotores de Justiça, evidencia-se a inconstitucionalidade em face da criação de cargos para provimento em comissão em desacordo com os parâmetros constitucionais. Vejamos.

 

                   A Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007, do município de Marília, que modificou e revogou dispositivos da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, deu nova estrutura aos cargos de provimento em comissão da Prefeitura Municipal.

 

                   O Anexo I da referida Lei Complementar elenca os cargos de provimento em comissão do município. A parte especificada a seguir, porém, é inconstitucional, pois, afrontando à Constituição Paulista, cria, como de provimento em comissão, vários cargos cujas funções são eminentemente técnicas:

 

ANEXO I

CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

 

 

I - GABINETE DO PREFEITO

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico do Comitê Gestor de Segurança e Qualidade de Vida[2]

3         

C-3     

nível superior   

Assessor de Seção de Contra-Incêndio

4

C-5

ensino fundamental

Assistente Técnico

3

C-3

ensino médio

Assistente Técnico de Divulgação e Comunicação[3]

1

C-3

ensino fundamental

Assistente Técnico do Gabinete

1

C-3

ensino fundamental

Assistente Técnico II

1

C-4

ensino médio

Assistente Técnico III

3

C-5

ensino fundamental

 

 

II - PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

5

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

6

C-4

ensino médio

Assistente Técnico III

1

C-5

ensino fundamental

 

 

III - SECRETARIA MUNICIPAL DE ECONOMIA E PLANEJAMENTO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico III

2

C-5

ensino fundamental

 

 

 

IV - SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

6

C-3

ensino médio

Assistente Técnico de Planejamento Urbano[4]

1

C-3

ensino fundamental

Assistente Técnico II

1

C-4

ensino médio

Assistente Técnico de Planejamento Urbano II[5]

1

C-4

ensino fundamental

Assistente Técnico do EPLAN[6]

2

C-3

curso de autocad

Assistente Técnico do EPLAN II[7]

1

C-4

ensino médio

 

 

 

 

 

 

V - SECRETARIA MUNICIPAL DA ADMINISTRAÇÃO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

5

C-3

ensino médio

Assistente Técnico da Administração

3

C-3

ensino fundamental

Assistente Técnico II

3

C-4

ensino médio

Assistente Técnico III

4

C-5

ensino fundamental

 

 

VI - SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Fazenda

2

C-2

ensino médio

Assistente Técnico de Informática[8]

1

C-3

nível superior

Assistente Técnico

3

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

1

C-4

ensino médio

 

 

VII - SECRETARIA MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

9

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

2

C-4

ensino médio

Assistente Técnico III

1

C-5

ensino fundamental

VIII - SECRETARIA MUNICIPAL DA CULTURA E TURISMO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

3

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

3

C-4

ensino médio

Assistente Técnico III

5

C-5

ensino fundamental

 

 

IX - SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

34

C-3

ensino médio

Assistente Técnico da Saúde II

1

C-4

ensino fundamental

Assistente Técnico III

6

C-5

ensino fundamental

Assistente Técnico da Saúde III

1

C-5

ensino fundamental incompleto

 

 

X - SECRETARIA MUNICIPAL DO BEM-ESTAR SOCIAL

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

8

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

6

C-4

ensino fundamental

Assistente Técnico III

3

C-5

ensino fundamental

 

 

 

 

 

XI - SECRETARIA MUNICIPAL DE ESPORTES E LAZER

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

6

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

4

C-4

ensino fundamental

Assistente Técnico de Esportes e Lazer II

4

C-4

ensino fundamental incompleto

 

 

 

XII - SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS URBANOS

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico de Serviços Urbanos

1

C-3

ensino fundamental incompleto

Assistente Técnico II

1

C-4

ensino fundamental

Assistente Técnico III

2

C-5

ensino fundamental

 

 

XIII - SECRETARIA MUNICIPAL DE OBRAS PÚBLICAS

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

2

C-3

ensino médio

Assistente Técnico de Obras Públicas

2

C-3

ensino fundamental incompleto

Assistente Técnico de Obras Públicas II

1

C-4

ensino fundamental

 

 

 

XIV - SECRETARIA MUNICIPAL DA AGRICULTURA E ABASTECIMENTO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

2

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

1

C-4

ensino médio

Assistente Técnico III

1

C-5

ensino fundamental

 

 

XV - SECRETARIA MUNICIPAL DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

3

C-3

ensino médio

 

 

XVI - SECRETARIA MUNICIPAL DE GOVERNO E DESENVOLVIMENTO

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico de Governo e Desenvolvimento

1

C-3

ensino fundamental

Assistente Técnico de Governo e Desenvolvimento II

1

C-4

ensino fundamental

 

 

XVII - SECRETARIA MUNICIPAL DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

1

C-3

ensino médio

 

                   O artigo 1º e o Anexo Único da Lei n. 6.673, de 21 de novembro de 2007, na parte especificada na presente ação, que modificaram e revogaram dispositivos das Leis n. 3.200, de 30 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público Municipal de Marília, também criaram cargos de provimento em comissão de forma inconstitucional.

                   Com efeito, a parte a seguir destaca afronta a Constituição Paulista, criando, como de provimento em comissão, vários cargos cujas funções são eminentemente técnicas:

 

Art. 1º. A Lei nº 3200, de 30 de dezembro de 1986, modificada posteriormente, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 7º -   ...

...

         III -  ...

...

          f)    Assessor Técnico da Educação Básica[9].

...

           u)  Assessor Técnico de Informática Educativa[10].

 

ANEXO ÚNICO

CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

 

I - DIRETORIA EXECUTIVA

 

Denominação

Número de cargos

Símbolos

Requisitos para provimento

Assistente Técnico

11

C-3

ensino médio

Assistente Técnico II

2

C-4

ensino fundamental

Assistente Técnico III

1

C-5

ensino fundamental

 

                   A parte do Anexo I da Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007, e o artigo 1º com o Anexo Único da Lei n. 6.673, de 21 de novembro de 2007, na parte especificada na presente ação, disposições legais do município de Marília, são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, em especial com as seguintes disposições:

 

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”                                      

 

                   A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (Cf. Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, Atlas, 7.ª ed., p. 261).

                   Essa autonomia consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano, muito pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (Cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Rio de Janeiro, Volume I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Cf. “Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, São Paulo, 8.ª ed., 1992, p. 545).

                   A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

                   Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).                                       

                   Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (Cf. Hely Lopes Meirelles, in “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros Editores, São Paulo, 1996, 8.ª edição, p. 420).

                   Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

                   Feitas essas observações iniciais, verifica-se neste caso que a Prefeitura Municipal e a Câmara Municipal de Marília criaram cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

                   Segundo RUY CIRNE LIMA (“Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa vinculação.

                   Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

                   Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

                   Daí por que a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado à situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

                   Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

                   Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, o jurista MARCIO CAMMAROSANO deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Cf. “Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro”, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.ª ed., p. 45).

                   Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

                   Afinado a esse mesmo entendimento, HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, 18.ª ed., p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

                   E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

                   Nesse contexto, não existe qualquer necessidade do estabelecimento de vínculo de confiança para o exercício dos cargos reproduzidos na presente inicial, criados pela Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007, do município de Marília.

                   Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

                  Os cargos, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções de administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exija relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargo comum, de natureza profissional, que deve ser assumido em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

                   De observar, por exemplo, que as funções de Assistente Técnico, Assistente Técnico II e Assistente Técnico III são descritas genericamente, como se prestar assessoramento em geral e assessoramento específico (vide, por exemplo, fls. 596 e 597).

                   Bem a propósito, ao examinar iniciativa semelhante, o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça (ADIn. n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA) entendeu por bem declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora de cargos em comissão, cuja natureza não correspondia às características próprias dessas funções.

                   O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI n. 3706/MS[11], e apreciar caso semelhante, declarou a inconstitucionalidade de Lei Estadual que criou cargo em comissão que tem atribuição meramente técnica:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA CARGOS EM COMISSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 37, INCISOS II E V, DA CONSTITUIÇÃO. Os cargos em comissão criados pela Lei nº 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada procedente”.

 

                   Conclui-se, portanto, que a Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007, e a Lei n. 6.673, de 21 de novembro de 2007, ambas do município de Marília, nas partes destacadas na presente ação, referentes à criação de cargos de provimento em comissão que não dependem para o seu exercício do estabelecimento de qualquer vínculo de confiança com a autoridade nomeante, são verticalmente incompatíveis com os arts. 111 e 115, incisos I e II, da Constituição do Estado de São Paulo, cuja observância é obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144 dessa mesma Carta, impondo-se, por conseguinte, a sua exclusão da ordem constitucional em vigor.

 

         Nestes termos, aguardo seja determinado o processamento da presente ação, colhendo-se informações do Prefeito e da Câmara Municipal de Marília, as quais examinarei oportunamente, vindo, no final, a ser declarada a inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007 (parte especificada na presente do Anexo I) e da Lei n. 6.673, de 21 de novembro de 2007 (parte do artigo 1º e do Anexo Único), leis do município de Marília.

 

São Paulo, 20 de outubro de 2008.

 

 

 

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado PGJ nº 153.151/07

Interessado: Promotores de Justiça de Marília

 

 

 

 

 

                                                1.Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face de parte do Anexo I, da Lei Complementar nº 518, de 21 de novembro de 2007, do Município de Marília, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

                                                 2.Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                São Paulo, 22 de outubro de 2008

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 


(2)

Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 171.188.0/0-00

 

Autor: Procurador-Geral de Justiça

 

Objeto de impugnação: Parte especificada do Anexo I da Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007, que modificou e revogou dispositivos da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, referente aos cargos de provimento em comissão da Prefeitura Municipal de Marília

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator:

 

 

 

A presente ação direta foi ajuizada objetivando a declaração de inconstitucionalidade parcial, em face da parte especificada do Anexo I da Lei Complementar n. 518, de 21 de novembro de 2007, que modificou e revogou dispositivos da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, referente aos cargos de provimento em comissão da Prefeitura Municipal de Marília.

A presente ação direta deve ser extinta sem resolução do mérito, considerando a informação prestada pelas autoridades municipais, atestando a revogação das leis impugnadas.

Sendo assim, com o advento da lei revogadora, o presente processo deve ser extinto sem resolução do mérito, em razão da carência superveniente, que impede qualquer exame da constitucionalidade da lei revogada.

Ensina Eduardo Alvim (Curso de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 1, p. 158) que “as condições da ação devem mostrar-se presentes ao longo de todo o procedimento, caso contrário haverá carência superveniente, ensejando a extinção do processo sem julgamento do mérito”.

Em relação à ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “a revogação do ato normativo impugnado ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação direta, mas anteriormente ao seu julgamento, a torna prejudicada, independentemente da verificação dos efeitos concretos que o ato haja produzido, pois eles têm relevância no plano das relações jurídicas individuais, não, porém, no controle abstrato das normas. Ação Direta de inconstitucionalidade não conhecida, por estar prejudicada pela perda de seu objeto.” (STF, ADIn nº 070-0, publicada no DOU de 20.8.93, pág. 16.318).

Também não é o caso de perquirir responsabilidades de quem inseriu no mundo jurídico eventual legislação inconstitucional. A respeito, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 77): “a identificação entre a vontade do representante e a vontade da Nação, ou melhor, a presunção de que aquela é sempre a expressão pura e simples desta, elimina a responsabilidade pessoal do parlamentar pelos atos que, como representante, houver praticado. Sua vontade não é sua, para os efeitos de direito, é a da Nação. Destarte, os males que advierem de seus pronunciamentos não lhe são juridicamente imputáveis.”

Posto isso, requer-se a extinção do processo sem resolução do mérito.

São Paulo, 20 de agosto de 2009.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

/md

 



[1] Conforme representação acostada a fls. 2/5 do procedimento que acompanha a inicial.

[2] Funções descritas a fls. 699.

[3] Funções descritas a fls. 697.

[4] Funções descritas a fls. 721.

[5] Funções descritas a fls. 721/722.

[6] Funções descritas a fls. 723.

[7] Funções descritas a fls. 723/724.

[8] Funções descritas a fls. 765.

[9] Funções descritas a fls. 773.

[10] Funções descritas a fls. 783.

[11] Relator: Min. GILMAR MENDES. Publicação: DJE-117, div. Em 4-10-2007.