EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 155.570/2008

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003, e do art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, ambas do Município de Botucatu.

 

 

Ementa:

1. Subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais: art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003, e art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, ambas do Município de Botucatu.

2. Inconstitucionalidade da previsão de reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo e de seus auxiliares diretos vinculado à revisão geral anual do funcionalismo público municipal.

3. Violação aos princípios da autonomia municipal, da legalidade, da moralidade e da razoabilidade.

4. Regime daquele que não tem vínculo de natureza profissional com a Administração Pública que não pode ser equiparado à classe dos servidores públicos em geral.

5. Ofensa aos arts. 111, 115, XI e XV, 144, e 297, todos Constituição Estadual.

 

 

 

          O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, autuado sob n. 155.570/08, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003,  e do art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, ambas do Município de Botucatu, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I. DOS DISPOSITIVOS LEGAIS IMPUGNADOS

        O art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003, vigente de 1º de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2008, assim dispõe:

“Artigo 1º - Os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais de Botucatu ficam fixados em R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais), R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) e R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) mensais, respectivamente, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III e 153, § 2º, I, da Constituição Federal, assegurada revisão geral anual nos mesmos índices e datas da revisão da remuneração dos servidores públicos municipais” – negritamos.

O art. 1º da Lei Municipal n. 4.796, de 21 de maio de 2007, vigente entre 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2.012, assim dispõe:

“Artigo 1º - Os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais de Botucatu ficam fixados em R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais), R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais) mensais, respectivamente, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III e 153, § 2º, I, da Constituição Federal, assegurada revisão geral anual nos mesmos índices e datas da revisão da remuneração dos servidores públicos municipais” – negritamos.

Como se vê dos textos destacados em negrito, o legislador municipal impôs, de forma inconstitucional, equiparação de reajustes entre os vencimentos dos servidores públicos em geral e os subsídios dos membros de Poder, detentores de mandato eletivo.

 

II. DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS VIOLADOS

          O art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003, e o art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, ambas do Município de Botucatu, ofendem frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo por manifesta incompatibilidade vertical com seus arts. 111, 115, XI e XV, e 144.

          Com efeito, assim dispõe a Constituição Estadual:

“Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI - a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

XV - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal.

(...)

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Artigo 297 – São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.

 

III. DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO

          A Constituição Federal de 1988, cujos preceitos foram absorvidos pela Constituição Estadual no art. 297, assim prescreve:

Art. 29 - O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

(...)

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

(...)

XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;

(...)

Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

(...)

§ 3º - Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

§ 4º - O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

(...)

Art. 49 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...)

VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; 

VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”.

          Os dispositivos legais impugnados, ao estabelecer o reajuste automático dos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, atrelando-os à revisão geral anual dos vencimentos dos servidores públicos municipais, são inconstitucionais. 

          Com efeito, referidos dispositivos não resistem ao controle abstrato de constitucionalidade, ao cotejo com os arts. 111, 115, XI, XII e XV, 144 e 297, da Constituição Estadual.

          Com efeito, ainda que se recuse a observância da regra da anterioridade da legislatura aos subsídios do Chefe do Poder Executivo local e seus auxiliares por interpretação literal do art. 29, V, da Constituição Federal, é absolutamente seguro que a revisão de seus subsídios deve observar o princípio da legalidade remuneratória e não comporta vinculação automática com a revisão geral anual do funcionalismo público seja porque o regime jurídico de sua remuneração é peculiar seja porque o direito à revisão geral anual é exclusivo dos servidores públicos.  

Com o expediente adotado pelos dispositivos legais impugnados, toda vez que houver reajuste ou revisão dos vencimentos dos servidores públicos municipais, haverá o do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais, implicando vinculação vedada de espécies remuneratórias, violando o art. 115, XV, da Constituição Estadual. Neste sentido:

“Razoável é a interpretação segundo a qual a Constituição Federal, ao assegurar a revisão geral anual ‘sempre na mesma data e sem distinção de índices’ (inc. X do art. 37), assim determinou para o sistema de remuneração dos servidores públicos e de subsídio dos agentes políticos sem mandato eletivo (referidos no § 4° do art. 39 da CF), não abrangendo o subsídio de agentes políticos detentores de mandato eletivo (Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores), que está sujeito a regime próprio. Invocando doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA (‘in’ ‘Curso de Direito Constitucional Positivo’, ed. Malheiros, 22ª ed., 2003, pág. 663), acrescenta o culto Procurador de Justiça: ‘Caso assim não se entenda haveria um evidente choque de Poderes, mormente em relação àquele que primeiro fixasse o índice. Suponha-se, assim, que a Câmara Municipal, no exercício da competência estabelecida no art. 29, inciso VI, da Constituição Federal, fixasse em 1% o índice para a revisão anual. É certo que a este não ficaria vinculado o chefe do Poder Executivo, que tem a competência constitucional para alterar a remuneração dos seus servidores (art. 61, § 1°, II, ‘a’)’ (fls. 283/284)” (TJSP, AI 356.170-5/5-00, São Paulo, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Gonzaga Franceschini, v.u., 25-08-2004).

Registre-se que o Supremo Tribunal Federal já pronunciou a inconstitucionalidade de Lei Estadual idêntica:

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (ADI 3.491/RS, Relator: Min. CARLOS BRITTO, DJ de 23/03/2007, p. 71).

 

IV. PEDIDO DE LIMINAR

          Presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos dispositivos adiante referidos dos atos normativos impugnados.

          A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que os dispositivos impugnados na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.

          O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos dispositivos do atos normativos impugnados, o erário sofrerá indevida oneração de difícil ou quase impossível reparação. Ademais, tratando-se de lei de vigência temporária, mister a tutela de segurança para evitar que o trâmite natural do processo tenha potencialidade de causar lesão com o deletério quilate acima exposto. 

          Assim sendo, a imediata suspensão da eficácia dos dispositivos adiante mencionados dos atos normativos impugnados, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal no aspecto administrativo.

          Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata do art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, do Município de Botucatu, durante o trâmite da presente ação direta de inconstitucionalidade até seu julgamento definitivo de mérito.

 

V. CONCLUSÃO E PEDIDO

          Face ao exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que, ao final, seja julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003 e do art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, ambas do Município de Botucatu .

          Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Botucatu, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para sua manifestação, protestando por nova vista, em seguida, para fins de manifestação final.

São Paulo, 14 de dezembro de 2009.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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Protocolado nº 155.570/2008

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003, e do art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, ambas do Município de Botucatu.

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 1º da Lei Municipal n. 4.439, de 13 de outubro de 2003, e do art. 1º da Lei n. 4.796, de 21 de maio de 2007, ambas do Município de Botucatu junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.    Em relação aos demais diplomas normativos, não há fundamento para a propositura de ação direta, pois foram observados os parâmetros do art. 29, V e VI, da Constituição Federal.

4.    Encaminhe-se cópia da ADIN ao Promotor de Justiça da Comarca de Botucatu, com atribuições para a defesa do Patrimônio Público e Social, para eventuais providências.

                    São Paulo, 14 de dezembro de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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