Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 155.963/2011

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007, de São Bernardo do Campo

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007, de São Bernardo do Campo, que “dispõe sobre o regime jurídico e previdenciário dos servidores públicos ocupantes de funções transformadas pelo artigo 4º da Lei Municipal nº 4.172, de 17 de março de 1994, em vigor desde 1º de abril de 1994, e dá outras providências”.

2)      Incompatibilidade com o art. 115, II, da Constituição do Estado de São Paulo, bem como com o art. 18 do ADCT da Constituição Paulista. Lei que assegura a manutenção de vínculo com a Administração Pública, por parte de servidores não concursados, que, embora tendo ingressado antes de 1988, não alcançaram a estabilidade excepcional e provisória, prevista no art. 19 do ADTC/CF-88.

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

           

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda no art. 74, VI, e no art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (Protocolado nº 155.963/2011), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007, de São Bernardo do Campo, que “dispõe sobre o regime jurídico e previdenciário dos servidores públicos ocupantes de funções transformadas pelo artigo 4º da Lei Municipal nº 4.172, de 17 de março de 1994, em vigor desde 1º de abril de 1994, e dá outras providências”, pelos fundamentos a seguir expostos:

1)  ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

O art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007, de São Bernardo do Campo, que “dispõe sobre o regime jurídico e previdenciário dos servidores públicos ocupantes de funções transformadas pelo artigo 4º da Lei Municipal nº 4.172, de 17 de março de 1994, em vigor desde 1º de abril de 1994, e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Os servidores mencionados no artigo 3º da lei nº 4.172, de 17 de março de 1994, terão seus cargos revertidos, averbados e apontados como funções estatutárias.

§ 1º. Excetuam-se do disposto no ‘caput’ deste artigo os servidores ocupantes de funções estatutárias que ingressaram no serviço público municipal por meio de procedimento de seleção pública e que tiveram seus cargos revertidos a essa categoria.

§ 2º. Ficam autorizadas as anotações, averbações, retificações e adequações dos respectivos quadros funcionais.

§ 3º. Ficam garantidas as mesmas nomenclaturas, atribuições e vencimentos dos cargos revertidos em funções estatuárias, respeitados, inclusive, as vantagens pessoais e os graus a qualquer título obtidos.

 (...)

Referidos dispositivos, entretanto, são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente.

Note-se que o dispositivo acima transcrito (art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007) faz remissão aos “servidores mencionados no artigo 3º da lei nº 4.172, de 17 de março de 1994”. Para compreensão da situação normativa gerada pelo diploma questionado, faz-se necessária a transcrição do dispositivo da Lei Municipal nº 4.172, de 1994, acima referido:

“(...)

Art. 3º. Além dos atuais servidores estatutários, ficam submetidos ao regime instituído pelo artigo 1º desta lei aqueles enquadrados nas seguintes situações:

I – pertencentes ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, desde que contratados até 4 de outubro de 1988;

II – pertencentes ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, contratados a partir de 5 de outubro de 1988, através de processo seletivo público;

III – pertencentes ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, ingressos através de absorção pela Lei Municipal nº 3.508, de 20 de junho de 1990;

IV – pertencentes ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, com vínculo ao Fundo de Reservas Técnicas nos termos da legislação em vigor.

(...)”

Desses dispositivos é possível inferir que foram contemplados com a manutenção do vínculo pessoal com a Administração Pública, em funções especialmente destacadas, servidores que ingressaram anteriormente à data de 5 de outubro de 1988, mas não alcançaram a estabilidade excepcional criada pelo art. 19 do ADCT-CF-88 (norma esta reproduzida no art. 18 do ADCT da Constituição Paulista).

É nessa permanência que se revela a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados nesta ação, ou seja, o art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5724, de 2007, de São Bernardo do Campo.

2)  BREVE RETROSPECTIVA: A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 4º E PARÁGRAFOS E ART. 5º DA LEI MUNICIPAL Nº 4.172, DE 17 DE MARÇO DE 1994, DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, NA ADIN 27.138.0/7.

No caso em exame, é necessária breve retrospectiva.

A Procuradoria-Geral de Justiça impugnou por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 27.138.0/7, proposta perante o E. Tribunal de Justiça no ano de 1995 (cópia da inicial cf. fls. 4/13), os artigos 4º e 5º da Lei Municipal nº 4.172, de 17 de março de 1994, de São Bernardo do Campo, que instituiu o “Regime Jurídico Único para os servidores públicos da Administração Direta, Autárquica e Fundacional Pública do Município” (cópia da Lei Municipal nº 4.172, de 1994, cf. fls. 75/84).

A razão para a propositura daquela ADIN foi clara. Com o pretexto de assegurar a estabilidade excepcional prevista no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88, o Município acabou assegurando a permanência, em seus quadros, de servidores não abrangidos por aquela norma extraordinária, cuja interpretação deve ser necessariamente restrita, diante da exigência constitucional, prevista no art. 37, II, da CF, de que só permaneçam na Administração Pública servidores concursados.

Constou da inicial da ADIN 27.138.0/7, a esse propósito, que:

“(...)

2. Como se vê, a Lei Municipal nº 4.172, de 17 de março de 1994, nos dispositivos legais mencionados, autorizou a investidura automática de servidores públicos, considerados em desvio de função, em cargos especialmente transformados, independentemente de concurso público.

(...)

6. Ao autorizar, pois, a transformação de funções em cargos e consagrar a investidura automática, dispensando a realização de concurso público, os preceitos legais ora combatidos afrontaram normas e princípios consagrados na Constituição do Estado de São Paulo.

Nem se alegue, no caso, que visam eles apenas corrigir os casos de desvio de função existentes na Prefeitura, buscando adequar ao regime jurídico único a situação dos servidores, nos termos do disposto no art. 24 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988.

É que – inovando em relação ao texto constitucional – criaram a modalidade de investidura automática, sem concurso, para os servidores ditos em desvio de função.

Ora, não prevê o texto constitucional tal hipótese de transformação de função em cargo e a subsequente investidura automática, derivada da simples previsão legal.

(...)”

O Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça, na sessão realizada em 14 de fevereiro de 1996, figurando como relator o Desembargador Gentil Leite, declarou a inconstitucionalidade do art. 4º, §§ 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, e ainda do art. 5º da Lei Municipal nº 4.172/94, de São Bernardo do Campo (cópia do v. acórdão cf. fls. 18/22). Do voto vencedor constou expressamente que:

“(...)

Acontece que nos dispositivos impugnados, igualando as condições dos funcionários estatutários com servidores celetistas, passando as funções destes para cargos, sem os devidos concursos públicos, ofendeu não só a Constituição Estadual, como a Carta Magna.

(...)

Logo não se poderia transformar os empregos ou desvio de funções em cargos públicos com investida automática, ou em cargos especialmente transformados, sem os devidos concursos.

(...)”

Diante desse quadro, o Poder Executivo Municipal, para equacionar a situação dos servidores não concursados e também não alcançados pela estabilidade excepcional prevista no art. 19 do ADCT-CF-88 (norma esta reproduzida no art. 18 do ADCT da Constituição Paulista), encaminhou projeto de lei que acabou culminando na edição da Lei Municipal nº 5.724, de 2007, cujos dispositivos, em parte, são ora impugnados.

Na justificativa apresentada quando do encaminhamento do projeto de lei que foi aprovado e transformado na Lei Municipal nº 5.724, de 2007, o então Prefeito Municipal, cf. fls. 110/112, averbou que:

“(...)

Acontece, porém, que a suspensão da execução dos referidos dispositivos legais, por operar efeitos retroativos, ocasionaria uma série de consequências não só relativamente aos servidores abrangidos, que terão seus cargos revertidos em funções, como também importaria em dispêndio de recursos, tanto por parte do Município como por parte dos servidores, relativos às obrigações trabalhistas e à submissão ao Regime Geral da Previdência Social, não fosse a previsão constante do artigo 3º da Lei Municipal nº 4.172, de 17 de março de 1994, que restou intocado pelo v. acórdão e declaração de inconstitucionalidade.

Todavia é preciso disciplinar minimamente as situações jurídicas dos servidores detentores de função estatutária até então, adrede transformadas em cargo por efeito da imposição constitucional de um Regime Jurídico Único, à época aqui implementado, a exemplo do verificado no âmbito federal (art. 243, da Lei Federal nº 8.112/79). (sic)

Pois bem, é preciso enfatizar que o julgamento de inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal de Justiça fundamentou-se, entre outras, na assertiva de que ‘não se poderia transformar os empregos ou desvio de funções em cargos públicos com investidura automática, ou em cargos especialmente transformados, sem os devidos concursos’

(...)

Em decorrência lógica da referida orientação jurídica, conforme parte fundamental do Acórdão, pode-se ter como correta a interpretação sobre a possibilidade jurídica da transformação das funções em cargos para aqueles servidores que se submeteram à seleção pública, como forma de ingresso, em que foram observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Por esta motivação, então, a redação da iniciativa em que se reedita, no artigo 1º do projeto, a transformação das funções estatutárias em cargos, tão somente para os servidores que ingressaram no serviço público mediante seleção pública.

Relativamente aos demais servidores alvo da transformação considerada inconstitucional pelo v. acórdão, terão seus cargos revertidos para função estatutária, na forma das disposições do artigo 3º, da Lei nº 4.172, de 17 de março de 1994, ficando mantidas todas (sic) os direitos e obrigações decorrentes da submissão ao regime estatuído pela lei nº 1.729, como também ao regime previdenciário próprio instituído pelo Município, nos termos da referida norma municipal.

(...)

Não é preciso dizer sobre a importância deste projeto não só para os servidores afetados, como também para assegurar a estabilidade das relações jurídicas e a imutabilidade dos atos e fatos realizados durante a vigência da transformação, que reputamos irreversíveis.

(...)” (g.n.)

3)  INCONSTITUCIONALIDADE: VIOLAÇÃO DA EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DO CONCURSO.

O art. 1º, bem como seus parágrafos, da Lei Municipal nº 5.724, de 2007, permitiram que por via transversa fosse alcançado o mesmo resultado pretendido com os artigos 4º e 5º da Lei Municipal nº 4.172/94, declarados inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça quando do julgamento da ADIN nº 27.138.0/7, ou seja, que fosse mantido o vínculo com a Administração Pública Municipal, por parte de servidores que ingressaram antes de 1988, sem concurso, e que não se encontram contemplados com a estabilidade excepcional estabelecida no art. 19 do ADCT-CF-88 (reproduzido no art. 18 do ADCT da Constituição Paulista).

A inconstitucionalidade, portanto, funda-se na contrariedade ao disposto no art. 115, II da Constituição Paulista (reprodução do art. 37, II, da CF), bem como ao art. 18 do ADCT da Constituição Paulista (reprodução do art. 19 do ADCT-CF-88), assim redigidos:

“(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

Art. 18. Os servidores civis da administração direta, autárquica e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público em exercício na data da promulgação desta Constituição, que não tenham sido admitidos na forma regulada pelo artigo 37 da Constituição Federal, são considerados estáveis no serviço público, desde que contassem, em 5 de outubro de 1988, cinco anos continuados, em serviço.

(...)”

Observe-se bem, de forma resumida, a situação verificada no caso acima descrito:

(a) o Col. Órgão Especial declarou inconstitucionais dispositivos legais que, ao transformarem funções públicas em cargos públicos, permitiram a investidura automática, como servidores titulares de cargo efetivo, por parte de pessoas que ocupavam simples funções, não ingressaram na Administração Pública por concurso público ou processo seletivo, e não ostentavam a estabilidade excepcional assegurada pelo art. 19 do ADCT-CF-88;

(b) O art. 1º da Lei nº 5.724, de 2007, ora questionado, assegurou a permanência de tais servidores nos quadros da Administração Municipal de São Bernardo do Campo com todos os direitos e vantagens pessoais, apenas determinando que essa permanência não se desse em cargos, mas sim em funções públicas de natureza estatutária.

O que a norma aqui impugnada fez, portanto, foi buscar o mesmo efeito normativo que a decisão proferida na ADIN 27.138.0/7 declarara inconstitucional, qual seja permitir a manutenção do vínculo com a Administração Municipal, por parte de servidores que: (a) não estão protegidos pela estabilidade excepcional criada pelo art. 19 do ADCT-CF/88 (reproduzido pelo art. 18 do ADCT da Constituição Paulista); (b) não passaram por concurso público ou processo seletivo calcados nos princípios constitucionais da Administração Pública, estabelecidos no art. 111 da Constituição do Estado (reprodução do art. 37, caput, da CF); (c) que não poderiam ter seu vínculo com a Administração Municipal mantido em razão da exigência do concurso público, nos termos do art. 115, II, da Constituição do Estado (reprodução do art. 37, II, da CF).

A questão é objetiva.

Para o provimento de cargos na Administração Pública, a criação do vínculo definitivo – estabilidade – entre o servidor e a Administração, e a permanência desse liame, é indispensável a realização do concurso público.

As hipóteses em que o concurso foi dispensado são indicadas na própria Constituição da República.

Além disso, como já afirmado anteriormente, a estabilidade provisória e excepcional criada pelo art. 19 do ADCT-CF-88 (reproduzido no art. 18 do ADCT da Constituição Paulista) teve alcance limitado, assegurando a permanência, até a efetivação por concurso público, apenas daqueles que estivessem em exercício, quando da promulgação da Constituição de 1988, há pelo menos cinco anos continuados.

Quem não se enquadrou em tal situação objetiva deveria, necessariamente, ser exonerado dos quadros da Administração Pública.

A ausência da expressão “função”, na redação do art. 37, II, da CF, e no art. 115, II, da Constituição Paulista, que preveem a exigência do concurso para investidura na atividade administrativa, não significa que seja possível a manutenção de funções exercidas por servidores públicos não concursados. Em outras palavras, a exigência constitucional do concurso, nesses dispositivos, deve necessariamente ser interpretada de forma sistemática e finalista, pois, como é pacífico, exceções devem ser compreendidas restritivamente.

O Col. STF já se pronunciou inúmeras vezes sobre o tema, não deixando dúvida quanto à interpretação restritiva do art. 19 do ADCT-CF-88, e à impossibilidade de manutenção do vínculo com a Administração Pública por parte de quem nela não ingressou pela via do concurso público:

“(...)

A exigência de concurso público para a investidura em cargo garante o respeito a vários princípios constitucionais de direito administrativo, entre eles, o da impessoalidade e o da isonomia. O constituinte, todavia, inseriu no art. 19 do ADCT norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores não concursados da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que, quando da promulgação da CF, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público. A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público já estabelecida no ADCT Federal. Precedentes: ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996) e ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de 19-12-2002), entre outros. (ADI 100, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-2004, Plenário, DJ de 1º-10-2004.) No mesmo sentido: RE 356.612-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 31-8-2010, Segunda Turma, DJE de 16-11-2010; ADI 88, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-5-2000, Plenário, DJ de 8-9-2000; ADI 289, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-2007, Plenário, DJ de 16-3-2007; ADI 125, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-2007, Plenário, DJ de 27-4-2007. Vide: ADI 114, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-11-2009, Plenário, DJE de 3-10-2011.

(...)

Servidor estável ex vi do art. 19 do ADCT, redistribuído para Assembleia Legislativa e efetivado na carreira por ato da Mesa Legislativa. Anulação. Ilegalidade e existência de direito adquirido. Alegação improcedente. Súmula 473/STF. O ato de ‘redistribuição’ ou ‘enquadramento’, assim como o de ‘transferência’ ou ‘aproveitamento’, que propiciou o ingresso do servidor na carreira, sem concurso público, quando esse era excepcionalmente estável no cargo para o qual fora contratado inicialmente (art. 19, ADCT), é nulo, por inobservância ao art. 37, II, da CF. Legítimo é o ato administrativo que declarou a nulidade da resolução da Mesa da Assembleia Legislativa, que efetivou o agente público, pois a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos (Súmula 473). A CF não permite o ingresso em cargo público – sem concurso. (RE 167.635, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-1996, Segunda Turma, DJ de 7-2-1997.)

(...)”

Não há, nesse caso, segurança jurídica a ser preservada, que justifique a violação da exigência constitucional do concurso público.

A afirmação em sentido contrário, que inspirou a iniciativa legislativa para a edição da lei impugnada, parte de premissa equivocada.

Em outras palavras: não havia e não há por parte dos servidores beneficiados com o art. 1º da Lei Municipal nº 5.724, de 2007, bem como com os artigos 3º, 4º e 5º da Lei Municipal nº 4.172, de 1994, que não tenham ingressado no serviço público por concurso, ou não tenham sido alcançados pela estabilidade excepcional das Disposições Transitórias da Constituição Federal e da Estadual, direito à manutenção do vínculo com a Administração Pública Municipal, ainda que a título de exercício de funções públicas e não de provimento de cargos efetivos.

Esse direito à permanência tem nome, e na nossa sistemática constitucional é qualificado como “estabilidade”, só concedida aos concursados ou excepcionalmente àqueles que se enquadraram nos termos do art. 19 do ADCT-CF-88 (reproduzido no art. 18 do ADCT da Constituição Paulista).

Por último e não menos importante caso se entenda que o art. 1º, e §§, da Lei Municipal nº 5724, de 2007, de São Bernardo do Campo tem abrangência maior do que aquela que foi acima exposta, alcançando tanto servidores com direito à estabilidade excepcional (art. 19 do ADCT-CF-88; art. 18 do ADCT da Constituição Paulista), como ainda servidores não detentores de estabilidade excepcional, será necessário, quando menos, acolher-se a presente ação direta, para fins de interpretação conforme a Constituição e declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto (art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99), excluindo-se qualquer interpretação que legitime a permanência de servidores não concursados ou não detentores da estabilidade excepcional.

4)  PEDIDO DE LIMINAR.

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia da norma impugnada.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, a inconstitucionalidade da norma.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do preceito legal questionado, subsistirá a sua aplicação, com a prática de atos que se consumarão e dificilmente poderão ser desfeitos na hipótese provável de procedência da ação direta.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão da eficácia do art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007, de São Bernardo do Campo.

5)  CONCLUSÃO E PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007, de São Bernardo do Campo.

Em caráter subsidiário, caso não seja acolhido o pedido acima formulado, postula-se a procedência da ação para fins de interpretação conforme a Constituição e declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto (art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99), excluindo-se qualquer interpretação dos dispositivos impugnados que legitime a permanência de servidores não concursados ou não detentores da estabilidade excepcional no exercício de funções junto à Administração Municipal de São Bernardo do Campo.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de São Bernardo do Campo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 30 de janeiro de 2012.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 155.963/2011

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 1º e §§ da Lei Municipal nº 5.724, de 6 de setembro de 2007, de São Bernardo do Campo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 30 de janeiro de 2012.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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