Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
O
Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em
conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei
Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com
base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n. 15.658/08),
vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
dos arts. 6º, 77, 110 e 128, todos da Lei n. 14.660, de 26 de dezembro
de 2007, do município de São Paulo que,
dentre outras providências, dispõe sobre
alterações das Leis n. 11.229, de 26 de junho de 1992, n. 11.434, de 12 de
novembro de 1993 e legislação subseqüente, reorganiza o Quadro dos
Profissionais de Educação, com as respectivas carreiras, criado pela Lei n.
11.434, de 1993, e consolida o Estatuto dos Profissionais da Educação Municipal,
pelas razões e fundamentos a seguir expostos:
A
Lei n. 14.660, de 26 de dezembro de 2007, do município de São Paulo, sob o
pretexto de reorganizar o quadro dos profissionais de educação e consolidar o
estatuto desses profissionais, acabou por infringir a Constituição Paulista,
sobretudo por criar, de forma inconstitucional, vários cargos de assistente
técnico de livre provimento em comissão pelo Prefeito, pois são cargos cujas
funções, como a própria nomenclatura sugere, são eminentemente técnicas.
Assim
dispôs o art. 110 da mencionada lei:
Artigo 110 – Ficam criados no Quadro dos
Profissionais da Administração, instituído pela Lei n. 11.511, de 19 de abril
de 1994, 100 (cem) cargos de Assistente Técnico Administrativo, Referência
DAI-6, de livre provimento em comissão pelo Prefeito, dentre integrantes da
carreira de Auxiliar Técnico de Educação, lotados nos órgãos centrais e
regionais da Secretaria Municipal da Educação.
No
mesmo sentido o art. 128 criou mais 39 cargos, da seguinte forma:
Art. 128. Ficam criados no Quadro dos
Profissionais da Administração, instituído pela Lei n. 11.511, de 19 de abril
de 1994, 39 (trinta e nove) cargos de Assistente Técnico II, de referência
DAS-11, de livre provimento em comissão pelo Prefeito, nas Diretorias Regionais
de Educação, na seguinte conformidade:
a) 13 (treze) cargos providos dentre
portadores de diploma de Engenheiro;
b) 13 (treze) cargos providos dentre
portadores de diploma de Ciências Jurídicas e Sociais;
c) 13 (treze) cargos providos dentre
portadores de diploma de Contador.
Como
se vê, os citados dispositivos legais são verticalmente incompatíveis com a
Constituição do Estado de São Paulo, em especial com as seguintes disposições:
“Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer
dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse
público.
Art. 115 - Para a organização da
administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas:
I - os cargos, empregos e funções
públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei;
II - a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei,
de livre nomeação e exoneração;
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei
Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.”
A
Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa
indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização
político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e
34, VI, “c” da CF (Cf. Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, Atlas,
7.ª ed., p. 261).
Essa autonomia consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e
soberano, muito pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos
poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um
povo (Cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Rio de Janeiro,
Volume I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a
capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo
prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Cf. “Curso de
Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, São Paulo, 8.ª ed., 1992,
p. 545).
A
autonomia municipal se assenta em
quatro capacidades básicas: (a)
auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do
Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência
de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua
competência exclusiva e suplementar, (d)
auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços
de interesse local (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).
Nessas
quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política
(capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa
(administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia
financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas
rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).
Assim,
por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades
municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas
conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a
Administração cria cargos e funções,
institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece
vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores
(Cf. Hely Lopes Meirelles, in “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros
Editores, São Paulo, 1996, 8.ª edição, p. 420).
Contudo,
a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços
não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e
impostergáveis: (a) a que exige que
essa organização se faça por lei; (b)
a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a
que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao
servidor público (ob. e loc. cits.)
Feitas
essas observações iniciais, verifica-se neste caso que a Prefeitura Municipal e
a Câmara Municipal de São Paulo criaram cargos de
provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou
profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que
denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração
Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.
Segundo
RUY CIRNE LIMA (“Princípios de
Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público
profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a)
natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho
profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter
permanente dessa vinculação.
Desse
modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão,
as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja,
pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em
conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado
de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de
provas e títulos.
Na
verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção,
chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC
n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das
diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a
titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade
nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está
diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político
superior.
Daí
por que a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da
Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas
as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da
Constituição da República, tem alcance limitado à situações excepcionais,
relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso
público.
Torna-se
evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal,
de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão,
que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.
Bem
a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, o jurista MARCIO CAMMAROSANO deixou anotado que o
princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o
que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Cf. “Provimento de Cargos Públicos no
Direito Brasileiro”, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.ª ed., p. 45).
Assim,
para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em
burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo
37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar
criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de
CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (O
Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª
edição, pág. 49), “impende que exista
uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão
diferencial que lhe serviu de supedâneo”.
Afinado
a esse mesmo entendimento, HELY LOPES
MEIRELLES (“Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, 18.ª ed., p.
378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que
“a criação de cargo em comissão em
moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento
jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento
da exigência constitucional de concurso”.
E,
da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional
do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos
em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de
confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.”
(STF, RTJ 156/793)
Nesse
contexto, não existe qualquer necessidade do estabelecimento de vínculo de
confiança para o exercício dos cargos reproduzidos na presente inicial, criados
pelos incisos V, VIII, XI, XIII, XIV, XV, XVII, do art. 19, e pelo art. 20, ambos
da Lei n. 5.394, de 17 de junho de 1.997, do município de São Paulo.
Na
esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art.
115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações
em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do
cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a
criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só
se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”,
em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a
autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é
inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.
Os cargos, cuja validade
jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções
de administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que
exija relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela
autoridade nomeante, mas sim de cargo comum, de natureza profissional, que deve
ser assumido em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.
Bem
a propósito, ao examinar iniciativa semelhante, o Órgão Especial desse Egrégio
Tribunal de Justiça (ADIn. n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA) entendeu
por bem declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora
de cargos em comissão, cuja natureza não correspondia às características
próprias dessas funções.
O
Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI n. 3706/MS[1], e
apreciar caso semelhante, declarou a inconstitucionalidade de Lei Estadual que
criou cargo em comissão que tem atribuição meramente técnica:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA CARGOS
Conclui-se,
portanto, que os dispositivos, nos pontos em que criaram os cargos de
provimento em comissão, que não dependem para o seu exercício do
estabelecimento de qualquer vínculo de confiança com a autoridade nomeante, são
verticalmente incompatíveis com os arts. 111 e 115, incisos I e II, da
Constituição do Estado de São Paulo, cuja observância é obrigatória pelos
Municípios, por força do art. 144 dessa mesma Carta, impondo-se, por
conseguinte, a sua exclusão da ordem constitucional em vigor.
Essas
não foram, contudo, as únicas inconstitucionalidades encontradas na Lei n.
14.660, de 26 de dezembro de 2007, do município de São Paulo.
Ocorre
que a referida lei, ainda sob o pretexto de reorganizar o quadro dos
profissionais de educação, acabou por infringir a Constituição Paulista ao atentar
contra a regra do concurso público ao estabelecer novo enquadramento aos
professores adjuntos de nível I, na condição de professores titulares, cargos
para os quais o provimento se dava por concurso público de acesso e por
concurso de ingresso de provas e títulos (conforme art. 7º, II, da Lei n.
11.229/92, reproduzido a fls. 11 do anexo), que foi alterada pela lei sindicada
na presente ação.
Tal
se seu por força dos arts. 6º e
Art. 6º. A carreira do Magistério Municipal,
de que trata o art. 6º da Lei n. 11.229, de 1992, e legislação subseqüente,
passa a ser configurada da seguinte forma:
I – Classes dos Docentes:
a) Professor de Educação Infantil;
b) Professor de Educação Infantil e Ensino Fundamental
I;
c) Professor de Ensino Fundamental II e Médio;
II – Classes dos Gestores Educacionais:
a) Coordenador
Pedagógico;
b) Diretor de
Escola;
c) Supervisor Escolar.
O
art. 6º da Lei n. 11.229, de 1992, era assim redigido:
Art. 6º. A carreira do Magistério Municipal
fica configurada da seguinte forma:
I – NÍVEL I
a) Professor Adjunto de Educação Infantil;
b) Professor Adjunto de Ensino Fundamental I;
c) Professor Adjunto de Ensino Fundamental II;
d) Professor Adjunto de Ensino Médio;
II – NÍVEL II
a) Professor Titular de Educação Infantil;
b) Professor Titular de Ensino Fundamental I;
c) Professor Titular de Ensino Fundamental II;
d) Professor Titular de Ensino Médio;
III – NÍVEL III
a) Diretor de
Escola;
b) Coordenador
Pedagógico;
c) Supervisor Escolar.
O art. 7º da Lei n. 11.229, de 1992, era assim redigido e
previa duas formas de provimento do cargo de professor titular: por concurso de
acesso e por concurso de ingresso de provas e títulos. Com efeito, assim
estabelecia:
Art. 7º. O provimento dos cargos
indicados no artigo anterior será feito:
I – Mediante concurso público, de provas e títulos,
para cargos de Nível I;
II – Mediante concurso de acesso e ingresso de provas
e títulos, para os cargos:
a) do Nível II – quando por acesso, dentre integrantes
da carreira;
b) do Nível III – quando por acesso, dentre
integrantes da carreira.
§ 1º - O número de cargos oferecido para provimento
por acesso será de 60% (sessenta por cento) do total dos cargos destinados ao
concurso.
§ 2º - Os concursos, tanto de acesso como de ingresso,
serão realizados a cada 2 (dois anos) ou quando o percentual de cargos vagos
atingir os 5% (cinco por cento) do total de cargos de área respectiva e quando
não houver concursados excedentes durante o período de validade do concurso.
§ 3º - Nos concursos de ingresso será garantida a
contagem dos títulos e o tempo de serviço no magistério municipal e na docência
de educação de adultos.
É fácil constatar que os dispositivos legais
sindicados, sob o pretexto de reorganizar o quadro dos profissionais de educação,
acabou por restringir a regra constitucional do concurso público de ingresso
prevista pelo art. 7º da Lei n. 11.229, de 1992, mesmo porque os professores
adjuntos podem ser transpostos para o cargo de professor titular sem a
realização de concurso público. De fato, o art. 77, caput, da Lei n. 14.660, de 26 de dezembro de 2007, do município de
São Paulo, também sindicado pela presente ação, permite a que o professor
adjunto venha a optar pelo cargo de professor titular. Configura-se, a
propósito, o mencionado dispositivo legal:
Art. 77. Os atuais ocupantes dos cargos
de Professor Adjunto, da Classe I da carreira do Magistério Municipal deverão,
no prazo de 90 (noventa) dias a contar da publicação desta lei, manifestar-se,
expressamente, pela manutenção do cargo de Professor de Adjunto, nas condições
da legislação até então vigente para esse cargo.
Quer
dizer, se podem optar é claro que serão transpostos, sem concurso público, para
o cargo de professor titular.
Ocorre,
porém, que a investidura de servidores independentemente de submissão prévia a
concurso público de provas ou de provas e títulos, revela-se sobremodo
incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os
seus arts. 111, 115, incisos I e II, e 144, os quais assim estabelecem:
Art. 111 – A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.
Art. 115 - Para a organização da
administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas:
I - os cargos, empregos e funções
públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei;
II - a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei,
de livre nomeação e exoneração;
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei
Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.
Assim, considerando que a Constituição do Estado é
clara ao exigir que a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, não
podem ser considerados válidos os dispositivos legais questionados pela
presente ação direta.
Cargo,
sabe-se, é o feixe de atribuições inerentes a um local
na administração, bem assim o seu padrão remuneratório. Ou, ‘Cargo público é o
lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria,
atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio correspondente, para ser provido por um titular, na
forma estabelecida na lei’. (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo
Brasileiro, p. 392, Malheiros, 27.ª ed.).
Para
Celso Antonio Bandeira de Mello, 'Derivação vertical. É a passagem do titular
de um para outro cargo, com elevação funcional. Na legislação federal há duas
distintas formas de provimento que implicam derivação vertical: uma é a
promoção, que na legislação paulista denomina-se acesso; outra é a ascensão,
que não tem correspondente na legislação paulista. Vejamos em que consiste
cada qual. 'Promoção', na legislação federal, ou acesso, na legislação do Estado
de São Paulo, é a modalidade de provimento em que há passagem do titular de um
cargo para outro mais elevado, dentro da mesma carreira. É uma forma pela qual
se progride naturalmente no serviço público, segundo critérios de merecimento
e antigüidade. Esta forma de progresso, a que se fez referência, não é,
necessariamente, ascensão na escala hierárquica, ainda que, muita vez,
pretenda-se caracterizá-la assim. Na verdade, tudo vai depender do sistema de
classificação de cargos adotado. Com efeito, só há elevação na hierarquia
quando alguém assume posição de mando (cargo de chefia ou direção). A promoção
pode ser - e assim geralmente ocorre nos sistemas adotados entre nós -,
simplesmente, elevação na carreira, isto é, passagem para cargo da mesma
profissão, pelo menos em tese de maior complexidade ou responsabilidade.
'Ascensão'
é a forma de provimento derivado consistente na elevação do titular de cargo
alocado na classe final de uma dada carreira (série de classe) para cargo da
classe inicial de outra carreira, predefinida legalmente como complementar da
anterior.'[2]
Como
diz HELY LOPES MEIRELLES (‘Direito Administrativo Brasileiro’, p. 395,
27.ª ed.):
“CRIAÇÃO,
TRANSFORMAÇÃO E EXTINÇÃO DE CARGOS, FUNÇÕES OU EMPREGOS PÚBLICOS
A criação,
transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas do Poder
Executivo exige lei de iniciativa privativa do Presidente da República, dos
Governadores dos Estados e do Distrito Federal e dos Prefeitos Municipais,
conforme seja federal, estadual ou municipal a Administração interessada,
abrangendo a Administração direta,
autárquica e fundacional (CF, art. 48, X, c/c o art. 61, § 1a, 11,
"d"). Com a EC 32/2001, ao Chefe do Executivo compete privativamente
dispor sobre a "extinção de funções ou cargos quando vagos" (CF, art.
84, VI, "b"). Assim, não estando vago, a extinção depende de lei,
também de sua iniciativa privativa. A privatividade de iniciativa do Executivo
toma inconstitucional o projeto oriundo do Legislativo, ainda que sancionado e
promulgado pelo Chefe do Executivo, porque as prerrogativas constitucionais são
irrenunciáveis por seus titulares. A transformação de cargos, funções ou
empregos do Executivo é admissível desde que realizada por lei de sua
iniciativa. Pela transformação extinguem-se os cargos anteriores e se criam os
novos, que serão providos por concurso ou por simples enquadramento dos
servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de seus títulos
de nomeação. Assim, a investidura nos novos cargos poderá ser originária
(para os estranhos ao serviço público) ou derivada (para os servidores
que forem enquadrados), desde que preencham os requisitos da lei. Também podem
ser transformadas funções em cargos, observados o procedimento legal e a
investidura originária ou derivada, na forma da lei. Todavia, se a transformação "implicar em alteração do título e
das atribuições do cargo, configura novo provimento", que exige o concurso
público” –
destacamos.
A
própria Constituição da República é expressa, ao dispor no art. 37, inciso II
que “a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Alexandre
de Moraes[3], em
comentário ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal nos dá preciosa
lição, ao anotar que:
“A
Constituição Federal é intransigente em relação à imposição à efetividade do
princípio constitucional do concurso público, como regra a todas as admissões
da administração pública, vedando expressamente tanto a ausência deste
postulado, quanto seu afastamento fraudulento, por meio de transferência de
servidores públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foi
originariamente admitido”.
Mais
adiante, conclui dizendo:
“Importante também
ressaltar que, a partir da Constituição de
Realmente,
nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição da República, cuja regra é
repetida pelo dispositivo do art. 115, inciso II, da Carta Paulista, o
instituto da transposição de cargos não foi recepcionado pela Constituição
Federal de 1988, que exige o concurso público para qualquer investidura, ressalvadas
as hipóteses de nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração.
A
propósito, é justamente através da realização de concurso público que se
assegura a observância do princípio da acessibilidade de todos os brasileiros
aos cargos públicos, consagrado no dispositivo do art. 37, inciso I, da
Constituição Federal. Aliás, é da tradição constitucional pátria a adoção do
aludido princípio, conforme se verifica das Constituições de : 1824, art. 179,
n°14; 1891, art. 73; 1934, art. 168; 1937, art. 122, parágrafo 3°; 1946, art.
184; 1967, art. 95 “caput”; 1967/ Emenda Constitucional n°1, art. 97, “caput” e
1988, art. 37, inciso I.
Como
observa Márcio Cammarosano[4]: “O princípio da acessibilidade aos cargos
públicos consiste, em resumo, no direito de todos os brasileiros à igual
oportunidade de ingressar no serviço público, desde que preenchidos os
requisitos estabelecidos em lei”.
Como se vê, a sua observância é a própria consagração do princípio de
isonomia, já que a “igualdade de oportunidades constitui postulado fundamental
no regime democrático”, como já advertia o eminente Ministro Francisco Campos.
Márcio
Cammarosano (op. cit., p. 69), bem
observa que “conquanto desfrute o legislador ordinário de liberdade para criar
cargos agrupando-os em classes, e de reunir classes dispondo-as escalonadamente
em séries, instituindo, assim, carreiras, essa liberdade não é ilimitada, não
pode ser exercida arbitrariamente.
Principalmente
como no caso em tela, em que os dispositivos legais questionados acabaram por
abolir a concorrência externa para o ingresso no cargo de professor titular.
“Não
há como privilegiar alguém pelo só fato de (já) ser funcionário público e
livrá-lo da concorrência dos não funcionários para ingressar em outro cargo ou
carreira, que por concurso público deveriam ser disputados” (Edmir Netto de
Araújo, Curso de Direito Administrativo,
3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 327)
Sendo
assim, sob o pretexto de reorganizar o quadro dos profissionais de educação, o
legislador municipal acabou por restringir a regra constitucional do concurso
público de ingresso prevista pelo art. 7º da Lei n. 11.229, de 1992, de tal
forma que os professores adjuntos puderam ser transpostos para o cargo de
professor titular sem a realização de concurso público.
Concurso
esse que era previsto pelo art. 7º da Lei n. 11.229, de 1992.
Nestes termos, aguardo seja determinado
o processamento da presente ação, colhendo-se informações do Prefeito e da
Câmara Municipal de São Paulo, as quais examinarei oportunamente, vindo, no
final, a ser declarada a inconstitucionalidade dos arts. 6º, 77, 110 e 128, todos da Lei n. 14.660, de 26 de dezembro
de 2007, do município de São Paulo, devendo, após, ser oficiado aos membros
daquela Comuna solicitando a adoção das providências necessárias à suspensão
definitiva dos efeitos de sua execução.
São Paulo, 11 de setembro de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça
[1] Relator: Min. GILMAR MENDES. Publicação: DJE-117, div. Em 4-10-2007.
[2] Regime Jurídico dos Servidores da Administração Direta e Indireta, Malheiros, 3.ª ed., p. 36.
[3] - “Constituição do Brasil Interpretada”, Editora Atlas, S. Paulo, 2.002, pág. 828/829.
[4]“Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro”, edição Revista dos Tribunais, São Paulo, 1984, pág. 47.