EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 157.946/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 4.308, de 30 de março de 2010, do Município de Barretos

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 4.308, de 30 de março de 2010, do Município de Barretos, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça. Ato normativo que “institui, no âmbito do Município de Barretos, o Programa ‘Sorrindo na Escola’ e dá outras providências”. Projeto de lei de Vereador. Violação da Constituição do Estado, artigos 5º; 37; 47, II e XIV; e 144 (vício de iniciativa); e 25 (criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e no art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda no art. 74, inciso VI e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 4.308, de 30 de março de 2010, do Município de Barretos , pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 4.308, de 30 de março de 2010, do Município de Barretos, que “institui, no âmbito do Município de Barretos, o Programa ‘Sorrindo na Escola’ e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

LEI Nº 4.308, de 30 de março de 2010.

Dispõe sobre a criação do Programa Sorrindo na Escola e dá outras providências.

Art. 1º. – Fica criado no Município de Barretos o  Programa Sorrindo na Escola.

Art. 2º - São objetivos do Programa Sorrindo na Escola:

I- Designação de Cirurgiões Dentistas e Auxiliares de Consultório Dentário para realizarem exclusivamente atendimentos em crianças matriculadas nas Escolas Municipais e CEMEIs, localizadas nas proximidades das Unidades Básicas dos Bairros São Francisco, Los Angeles, Marília, Pimenta, Christiano Carvalho, América, Ibirapuera e Derby Clube; e

II- utilização de unidade móvel – TRAILER, devidamente adequada e equipada por instrumentos e pessoal, para atendimento odontológico de alunos matriculados em CEMEIs e Escolas Municipais distantes das Unidades Básicas da Saúde.

Art. 3º - A Direção do estabelecimento de ensino ficará responsável em determinar a quantidade de alunos e horários, por período, a serem liberados para receber o atendimento odontológico, evitando prejuízos nas atividades pedagógicas.

Art. 4º - O programa será desenvolvido pela Secretária Municipal de Saúde em parceria com as Secretarias Municipais de Educação e de Desenvolvimento Urbano, bem como com faculdades e/ou instituições de ensino interessadas.

Art. 5º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de noventa dias, a partir da data da sua publicação.

Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

 Essa lei, entretanto, que deriva de projeto de autoria do Vereador OLÍMPIO JORGE NABEN, contraria os seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 5º; 37; 47, II e XIV; 144 (vício de iniciativa); e 25 (criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos).

É o que será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A Procuradoria-Geral de Justiça acolheu representação formulada pelo Dr. MARCEL DEL BIANCO CESTARO, Promotor Substituto de Barretos, pela qual se apontou a inconstitucionalidade do ato normativo em análise.

Colhe-se dela que o ilustre Vereador OLÍMPIO JORGE NABEN, certamente imbuído dos mais nobres propósitos, concebeu projeto de lei para instituir no Município de Barretos programa de governo intitulado “Sorrindo na Escola”, buscando proporcionar tratamento odontológico, para os alunos das CEMEIs e das escolas municipais, que na maioria são crianças carentes ou de baixa renda.

Dito ato normativo cria programa e, em consequência dele, obrigações para a Administração Municipal, fixando-lhe condutas (cf. arts. 1º, 2º, 3º e 4º).

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em análise, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Como ensinou Hely Lopes Meirelles:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 708, 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação desse programa traz ônus ao Erário.

O Município haverá de providenciar Cirurgiões Dentistas e Auxiliares de Consultório Dentários, bem como, a utilização de unidade móvel – TRAILER, devidamente adequada e equipada por instrumentos e pessoal, para o atendimento odontológico dos alunos incluídos pelo programa, do que decorre o aumento dos encargos do orçamento (art. 176, I, CE).

Nota-se, contudo, que a lei não contém qualquer elemento indicativo dos recursos que serão onerados.

Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade dessas leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade das normas aqui apontadas.

3. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.308, de 30 de março de 2010, do Município de Barretos.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 22 de fevereiro de 2011.

 

                         Fernando Grella Vieira

                         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 157.946/2010

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 4.308, de março de 2010, do Município de Barretos.

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 4.308, de 30 de março de 2010, do Município de Barretos, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                    São Paulo, 22 de fevereiro de 2011.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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