Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 158.598/2011

Assunto: Inconstitucionalidade da expressão “e intermunicipal”, contida no art. 6º da Lei Municipal nº 1.389, de 6 de abril de 2009, de Rifaina.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade da expressão “e intermunicipal”, contida no art. 6º da Lei Municipal nº 1.389, de 6 de abril de 2009, de Rifaina, que “Cria o serviço de Transporte Alternativo Municipal de Passageiros e dá outras providências”.

2)      Princípio federativo. Repartição constitucional de competências. Princípio estabelecido. Competência do Estado para legislar sobre transporte coletivo intermunicipal (art. 1º, e art. 144 da Constituição Estadual).

 

           

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (Protocolado nº 158.598/2011), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “e intermunicipal”, contida no art. 6ºda Lei Municipal nº 1.389, de 6 de abril de 2009, de Rifaina, que “Cria o serviço de Transporte Alternativo Municipal de Passageiros e dá outras providências”, pelos fundamentos a seguir expostos:

1)  ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O art. 6º da Lei Municipal nº 1.389, de 6 de abril de 2009, de Rifaina, que “Cria o serviço de Transporte Alternativo Municipal de Passageiros e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 6º. A autorização municipal será expedida para exploração de serviços de transporte alternativos de passageiros urbano e intermunicipal.

(...)

Entretanto, a expressão “e intermunicipal”, contida no referido dispositivo, revela-se incompatível com nossa ordem constitucional.

2)  INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL: VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO ESTABELECIDO

A expressão “e intermunicipal”, contida no art. 6º da Lei Municipal nº 1.389, de 2009, contraria verticalmente princípio estabelecido, qual seja o princípio federativo, que se manifesta através da repartição constitucional de competências e se assenta nos artigos 1º e 144 da Constituição do Estado, assim redigidos:

“(...)

Art. 1º. O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

A questão é objetiva.

A Constituição Federal estabelece a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI), e a competência do Município para organizar e prestar, diretamente ou mediante concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, entre eles o transporte coletivo (art. 30, V).

A competência para legislar sobre o transporte intermunicipal ficou reservada aos Estados, na medida em que, nos termos do art. 25, § 1º, da CF:

“(...)

Art. 25.

§ 1º. São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição.

(...)”

Nesse sentido, esclarece Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 24ª. Ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 306), que:

“(...)

Não compete à União, nem tampouco aos Municípios, legislarem sobre normas de trânsito e transporte intermunicipal, sob pena de invasão da esfera de atuação do Estado-membro. Trata-se, por conseguinte, de competência remanescente dos Estados-membros, aos quais competirão gerirem, administrarem, serem responsáveis e autorizarem qualquer modalidade de transporte coletivo intermunicipal.

(...)”

O Col. STF já se manifestou sobre o tema em mais de uma oportunidade, assentando de modo inequívoco que cabe apenas ao legislador estadual regular o transporte coletivo intermunicipal.

Confira-se:

“(...)

A Constituição do Brasil estabelece, no que tange à repartição de competência entre os entes federados, que os assuntos de interesse local competem aos Municípios. Competência residual dos Estados-membros – matérias que não lhes foram vedadas pela Constituição, nem estiverem contidas entre as competências da União ou dos Municípios. A competência para organizar serviços públicos de interesse local é municipal, entre os quais o de transporte coletivo (...). O preceito da Constituição amapaense que garante o direito a ‘meia passagem’ aos estudantes, nos transportes coletivos municipais, avança sobre a competência legislativa local. A competência para legislar a propósito da prestação de serviços públicos de transporte intermunicipal é dos Estados-membros. Não há inconstitucionalidade no que toca ao benefício, concedido pela Constituição estadual, de ‘meia passagem’ aos estudantes nos transportes coletivos intermunicipais. (ADI 845, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-11-2007, Plenário, DJE de 7-3-2008.) g.n.

(...)

Os Estados-membros são competentes para explorar e regulamentar a prestação de serviços de transporte intermunicipal. (...) A prestação de transporte urbano, consubstanciando serviço público de interesse local, é matéria albergada pela competência legislativa dos Municípios, não cabendo aos Estados-membros dispor a seu respeito. (ADI 2.349, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 31-8-2005, Plenário, DJ de 14-10-2005.) No mesmo sentido: ADI 845, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-11-2007, Plenário, DJE de 7-3-2008; RE 549.549-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 25-11-2008, Segunda Turma, DJE de 19-12-2008. (g.n.)

(...)”

É importante frisar que a repartição constitucional de competências é a manifestação mais eminente do princípio federativo, que, pela sua importância e densidade no contexto do sistema constitucional brasileiro, deve ser tido como manifesto princípio estabelecido.

O princípio federativo está assentado nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.) aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros:

“(...)

os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º).

(...)” (g.n.)

Um dos aspectos de maior relevo, e que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Brasileira para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia, e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

Anota a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida (Competências na Constituição Federal de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 19/20) que a repartição constitucional de competências é:

 “(...)

’a chave da estrutura do poder federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’.

(...)”

A preservação do princípio federativo tem contado com a anuência do E. STF, pois como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:

"(...)

a idéia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones — revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I). (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).

(...)”

Por essa linha de raciocínio, pode-se também afirmar que a Lei Municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal e do estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o próprio princípio federativo.

Importante recordar que o Col. Órgão Especial desse egrégio Tribunal de Justiça tem afirmado a possibilidade de, no controle de constitucionalidade de lei no plano estadual, ser reconhecida a afronta, pelo ato normativo municipal, a princípio estabelecido na Constituição do Estado e na Constituição Federal.

Confira-se, por exemplo, a ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des. Renato Nalini. Nesse julgamento, lembrou o Desembargador Walter de Almeida Guilherme que:

“(...)

Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da União, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art. 144 da Constituição do Estado (...) (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).

(...)”

É oportuno averbar, ademais, que o próprio STF reconhece ser legítimo o controle concentrado de constitucionalidade feito pelo Tribunal Estadual com base na remissão, feita pela Constituição do Estado, a parâmetros de controle assentados na Constituição Federal, incorporando-os àquela, conferindo maior densidade ao ordenamento constitucional e à necessidade de sua observância pelo legislador local.

Confira-se:

“(...)

Revela-se legítimo invocar, como referência paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo, que, inscrita na Constituição estadual, remete, diretamente, às regras normativas constantes da própria CF, assim incorporando-as, formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento constitucional do Estado-membro. Com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora constantes da CF, passam a compor, formalmente, em razão da expressa referência a elas feita, o corpus constitucional dessa unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2º, da Constituição da República, a própria norma constitucional estadual de conteúdo remissivo. (Rcl. 10.500-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 18-10-2010, DJE de 26-10-2010.)

(...)”

Em suma: a norma municipal que regula o transporte coletivo intermunicipal viola a competência do Estado para legislar sobre a matéria e, em função disso, contraria o princípio federativo, que se manifesta através da repartição constitucional de competências, e decorre dos artigos 1º e 144 da Constituição Paulista.

3)  PEDIDO DE LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia da norma impugnada.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, a inconstitucionalidade da norma.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do preceito legal questionado, subsistirá a sua aplicação, com a prática de atos que se consumarão e dificilmente poderão ser desfeitos na hipótese provável de procedência da ação direta.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da expressão “e intermunicipal”, contida no art. 6º da Lei Municipal nº 1.389, de 6 de abril de 2009, de Rifaina.

4)  CONCLUSÃO E PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da expressão “e intermunicipal”, contida no art. 6º da Lei Municipal nº 1.389, de 6 de abril de 2009, de Rifaina.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal Rifaina, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 26 de janeiro de 2012.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 158.598/2011

Assunto: Inconstitucionalidade da expressão “e intermunicipal”, contida no art. 6º da Lei Municipal nº 1.389, de 6 de abril de 2009, de Rifaina.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 26 de janeiro de 2012.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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