EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 160.281/11

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 4.925, de 01 de março de 2010, do Município de Mogi Mirim.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 4.925, de 01 de março de 2010, do Município de Mogi Mirim. Ato normativo que “dispõe sobre a criação do sistema cicloviário no Município de Mogi Mirim”. Projeto de lei de Vereador. Violação da Constituição do Estado, artigos 5º; 37; 47, II e XIV; e 144 (vício de iniciativa); e 25 (criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, inciso VI, e  90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 4.925, de 01 de março de 2010, do Município de Mogi Mirim, que “dispõe sobre a criação do sistema cicloviário no Município de Mogi Mirim”, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 4.925, de 01 de março de 2010, do Município de Mogi Mirim, que “dispõe sobre a criação do sistema cicloviário no Município de Mogi Mirim”, tem a seguinte redação:

 

“LEI N° 4.925 – DE 1º DE MARÇO DE 2010.

DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DO SISTEMA CICLOVIÁRIO NO MUNICÍPIO DE MOGI MIRIM E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

Art. 1º. Fica criado o Sistema Cicloviário do Município de Mogi Mirim, como incentivo ao uso de bicicletas para o transporte na cidade contribuindo para o desenvolvimento de mobilidade sustentável.

Parágrafo único- O transporte por bicicletas deve ser incentivado em áreas apropriadas, e abordado como meio de transporte para as atividades do cotidiano.

Art. 2º.  O Sistema Cicloviário do Município de Mogi Mirim será formado por:rede viária para o transporte por bicicletas, formada por ciclovias, ciclofaixas, faixas compartilhadas e rotas operacionais de ciclismo com traçados e dimensões de segurança adequados, bem como sua sinalização;estacionamento de curta duração;bicicletários ou paraciclos junto aos terminais, prédios públicos e demais pontos de afluxo da população, servidos pela malha viária do sistema.

Art. 3º.  O Sistema Cicloviário do Município de Mogi Mirim deverá: articular o transporte por bicicleta com o Sistema Integrado de Transporte de Passageiros, viabilizando os deslocamentos com segurança, eficiência e conforto para o ciclista; implementar infra-estrutura para o trânsito de bicicletas e introduzir critérios de planejamento para implantação de ciclovias ou ciclofaixas nos trechos de rodovias em zonas urbanizadas, nas vias públicas, nos parques e em outros espaços naturais; implantar trajetos cicloviários onde os desejos de viagem sejam expressivos para a demanda que se pretende atender; agregar aos terminais de transporte coletivo urbano infra-estrutura apropriada para a guarda de bicicletas; promover atividades educativas visando a formação de comportamento seguro e responsável no uso da bicicleta e sobretudo no uso do espaço compartilhado; promover o lazer ciclístico e a conscientização ecológica.

Art. 4º.  A ciclovia será constituída de pista própria para a circulação de bicicletas, separada fisicamente do tráfego geral, atendendo o seguinte:ser totalmente segregada da pista de rolamento do tráfego geral, calçada, acostamento ou ilha; privilegiar um traçado plano em sua maior parte; ter largura que comporte, lado a lado, pelo menos duas bicicletas de adultos em movimento; contar com iluminação adequada em todo o seu percurso; poderão ser implantadas na lateral da faixa de domínio das vias públicas, no canteiro central, nos parques e em outros locais de interesse;ter traçado e dimensões adequados para segurança do tráfego de bicicletas e possuir sinalização de trânsito específica.

Art. 5º.  A ciclofaixa consistirá de uma faixa exclusiva destinada à circulação de bicicletas, delimitada por sinalização específica, utilizando parte da pista. A ciclofaixa pode ser adotada quando não houver disponibilidade de espaço físico para a construção de uma ciclovia, recursos financeiros ou necessidade de segregação em função das condições de segurança de tráfego, bem como quando as condições físico-operacionais do tráfego motorizado forem compatíveis com a circulação de bicicletas.

Art. 6º.  A faixa compartilhada poderá utilizar parte da via pública, desde que devidamente sinalizada, permitindo a circulação compartilhada de bicicletas com o trânsito de veículos motorizados ou pedestres, conforme previsto no Código de Trânsito Brasileiro.

Art. 7º.  É obrigatória a destinação de local reservado para o estacionamento de bicicletas (bicicletários ou paraciclos) com infra-estrutura de apoio à este meio de transporte em toda e qualquer área pública ou privada gere tráfego de pessoas e veículos (terminais de transporte, edifícios públicos, parques, empresas, escolas, centros de compras, centros de abastecimento, condomínios, entre outros).

Parágrafo único - O bicicletário é o local destinado para estacionamento de bicicletas, por período de longa duração e poderá ser público ou privado. O paraciclo é o local destinado ao estacionamento de bicicletas por período de curta e média duração em espaço público, equipados com dispositivos para acomodá-las.

Art. 8º. A elaboração de novos projetos e construções de praças ou parques, deverá contemplar o tratamento cicloviário nos acessos e no entorno próximo, assim como possuir paraciclos no seu interior.

Art. 9º .O Departamento de Trânsito deverá estimular a implantação de locais reservados para bicicletários, nos terminais de transporte público.

Parágrafo único – A segurança do ciclista e do pedestre é condicionante na escolha do local e mesmo para a implantação de bicicletários.

Art. 10 As novas vias públicas, incluindo pontes, viadutos e túneis, deverão prever espaços destinados ao acesso e circulação de bicicletas, em conformidade com os estudos de viabilidade, sendo este no mínimo a implantação de faixa compartilhada devidamente sinalizada.

Parágrafo único - A implantação de ciclovias deverá ocorrer nos principais eixos de deslocamento da cidade, inserindo este sistema nas principais áreas geradoras de tráfego que sejam pontos potenciais de origem e destino dos ciclistas.

Art. 11 Os projetos e os serviços de reforma para alargamento, estreitamento e retificação do sistema viário existentes na data desta Lei, contemplarão a implantação de sistema cicloviário conforme estudo prévio de viabilidade física, sendo considerado no mínimo a implantação de faixa-compartilhada devidamente sinalizada.

Art. 12. A Prefeitura Municipal poderá implantar, ou incentivar a implantação de ciclovias ou ciclofaixas nos terrenos marginais aos trechos urbanos, de interesse turístico, nos acessos às empresas, comerciais e institucionais, quando houver demanda existente e viabilidade técnica.

Art. 13. A implantação e operação dos bicicletários fora da via pública, com controle de acesso, poderão ser executadas pela iniciativa privada, sem qualquer ônus financeiro para a municipalidade, mediante o respectivo procedimento licitatório em troca de exploração de publicidade em espaço a ser definido pelo departamento competente e pela cobrança do serviço prestado ao usuário.

I. a tarifa diária de estacionamento particular de bicicletas em bicicletários com controle de acesso não poderá exceder a metade da tarifa mínima do transporte coletivo municipal;

II.       a tarifa poderá possuir valor diferenciado caso possua seguro contra roubos.

Art. 14.  Nas ciclovias, ciclofaixas e locais de trânsito compartilhado poderá ser permitido, além da circulação de bicicletas: circular com veículos em atendimento a situações de emergência, conforme previsto no Código de Trânsito Brasileiro e respeitando-se a segurança dos usuários do sistema cicloviário; circular com cadeira de rodas; utilizar patins e skates; circular com o uso de bicicletas, patinetes ou similares elétricos, desde que desempenhem velocidade compatível com a segurança do ciclista ou do pedestre caso exista trânsito partilhado.

Art. 15. São vedados nas ciclovias e ciclofaixas:

I.         o estacionamento e o tráfego de veículos motorizados, bem como qualquer obstrução ao trânsito;

II.        a utilização da pista, por veículos tracionados por animais;

III.       a utilização da pista por pedestres;

VI.      conduta de ciclistas que coloquem em risco a segurança de outros cidadãos.

Art. 16 O Departamento de Educação em conjunto com o Departamento de Trânsito devem manter ações educativas com o objetivo de promover padrões de comportamento seguros e responsáveis dos ciclistas, assim como deverão promover campanhas educativas, tendo como público alvo os pedestres e os condutores de veículos, motorizados ou não, visando divulgar o uso adequado de espaços compartilhados.

Art. 17 O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 12 (doze) meses contados a partir da data de sua publicação.

Art. 18 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

Essa lei, entretanto, que deriva de projeto de autoria do Vereador CINOÊ DUZO, contraria os seguintes artigos da Constituição do Estado de São Paulo: 5º; 25; 37; 47, II e XIV; 144. É o que será demonstrado a seguir.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

A Procuradoria-Geral de Justiça acolheu representação formulada pela Dra. CRISTIANE CORRÊA DE SOUZA HILLAL, 3ª Promotora de Justiça de Mogi Mirim, pela qual se apontou a inconstitucionalidade do ato normativo em análise.

Colhe-se dela que o ilustre Vereador CINOÊ DUZO, certamente imbuído dos mais nobres propósitos, concebeu projeto de lei para instituir no Município de Mogi Mirim o Sistema Cicloviário, como incentivo ao uso de bicicletas para o transporte na cidade, contribuindo para o desenvolvimento de mobilidade sustentável.

Dito ato normativo cria programa e, em consequência dele, obrigações para a Administração Municipal, fixando-lhe condutas.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em análise, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Como ensinou Hely Lopes Meirelles:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 708, 712).

 

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação desse programa traz ônus ao Erário.

O Município, por exemplo, haverá de providenciar “a destinação de local reservado para o estacionamento de bicicletas (bicicletários ou paraciclos) com infra-estrutura de apoio à este meio de transporte em toda e qualquer área pública ou privada gere tráfego de pessoas e veículos (terminais de transporte, edifícios públicos, parques, empresas, escolas, centros de compras, centros de abastecimento, condomínios, entre outros)”, conforme reza o art. 7º da Lei ora guerreada.

Nota-se, contudo, que a lei não contém qualquer elemento indicativo dos recursos que serão onerados.

Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade dessas leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

 

3. CONCLUSÃO E PEDIDO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.925, de 01 de março de 2010, do Município de Mogi Mirim.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 10 de fevereiro de 2012.

 

Walter Paulo Sabella

Procurador-Geral de Justiça

em exercício

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Protocolado nº 160.281/11

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 4.925, de 01 de março de 2010, do Município de Mogi Mirim.

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 4.925, de 01 de março de 2010, do Município de Mogi Mirim, que “dispõe sobre a criação do sistema cicloviário no Município de Mogi Mirim”, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 10 de fevereiro de 2012.

 

 

Walter Paulo Sabella

Procurador-Geral de Justiça

Em exercício

ef