EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 167.764/10

Assunto: Inconstitucionalidade de Leis Complementares do Município de Tietê que criam indevidamente cargos em comissão.

 

Ementa:

1. Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em face da Lei Complementar n.º 13, de 17 de setembro de 2002; da Lei Complementar n.º 17, de 18 de outubro de 2005; da Lei Complementar n.º 09, de 01 de outubro de 2002; dos artigos 2º e 3º da Lei Complementar n.º 09, de 03 de agosto de 2001; da Lei Complementar n.º 08, de 01 de outubro de 2002; da Lei Complementar n.º 01, de 19 de janeiro de 2009; da Lei Complementar n.º 01, de 20 de janeiro de 2011; da Lei Complementar n.º 15, de 30 de dezembro de 2002; da Lei Complementar n.º 12, de 01 de outubro de 2002; da Lei Complementar n.º 08, de 03 de agosto de 2001; da Lei Complementar n.º 02, de 24 de janeiro de 1994; da parte especificada do Anexo I da Lei Complementar n.º 06, de 09 de novembro de 1993; do art. 2º da Lei Complementar n.º 02, de 04 de maio de 1999; e da Lei Complementar n.º 03, de 21 de fevereiro de 1995 – todas do Município de Tietê.  Diplomas normativos que instituem cargos de provimento em comissão aos quais não correspondem funções de direção, chefia e assessoramento, mas funções próprias de cargos de provimento efetivo.  Descaracterização da relação especial de confiança inerente aos cargos de direção, de chefia e de assessoramento superior.

 

2. Violação do princípio do livre acesso aos cargos públicos, que representa afronta ao princípio da moralidade administrativa.

3. Violação dos arts. 115, incs. II e V, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n.º 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n.º 13, de 17 de setembro de 2002; da Lei Complementar n.º 17, de 18 de outubro de 2005; da Lei Complementar n.º 09, de 01 de outubro de 2002; dos artigos 2º e 3º da Lei Complementar n.º 09, de 03 de agosto de 2001; da Lei Complementar n.º 08, de 01 de outubro de 2002; da Lei Complementar n.º 01, de 19 de janeiro de 2009; da Lei Complementar n.º 01, de 20 de janeiro de 2011; da Lei Complementar n.º 15, de 30 de dezembro de 2002; da Lei Complementar n.º 12, de 01 de outubro de 2002; da Lei Complementar n.º 08, de 03 de agosto de 2001; da Lei Complementar n.º 02, de 24 de janeiro de 1994; da parte especificada do Anexo I da Lei Complementar n.º 06, de 09 de novembro de 1993; do art. 2º da Lei Complementar n.º 02, de 04 de maio de 1999; e da Lei Complementar n.º 03, de 21 de fevereiro de 1995 – todas do Município de Tietê, que criam cargos de provimento em comissão com ofensa aos parâmetros constitucionais, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

I – DOS DISPOSITIVOS LEGAIS IMPUGNADOS

Analisando-se o expediente que acompanha a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, é possível apontar a inconstitucionalidade das seguintes Leis Complementares do Município de Tietê, por criarem indevidamente diversos cargos de provimento em comissão:

·        Lei Complementar n.º 13, de 17 de setembro de 2002, que cria o emprego em comissão de Agente de Crédito;

·        Lei Complementar n.º 17, de 18 de outubro de 2005, que cria o emprego em comissão de Encarregado de Serviços;

·        Lei Complementar n.º 09, de 01 de outubro de 2002, que cria os empregos em comissão de Auxiliar de Administração, Supervisor para Assuntos Epidemiológicos e Zelador de Bens Móveis e Imóveis;

·        Artigos 2º e 3º da Lei Complementar n.º 09, de 03 de agosto de 2001, que cria o emprego em comissão de Administrador de Próprios Municipais;

·        Lei Complementar n.º 08, de 01 de outubro de 2002, que aumenta o número de vagas do emprego em comissão de Administrador de Próprios Municipais;

·        Lei Complementar n.º 01, de 19 de janeiro de 2009, e Lei Complementar n.º 01, de 20 de janeiro de 2011, que aumentam o número de vagas dos empregos em comissão de Administrador de Próprios Municipais e de Zelador de Bens Móveis e Imóveis;

·        Lei Complementar n.º 15, de 30 de dezembro de 2002, que cria os empregos em comissão de Assistente Social e Mestre de Obras;

·        Lei Complementar n.º 12, de 01 de outubro de 2002, que cria o emprego em comissão de Maestro da Banda da Guarda Municipal;

·        Lei Complementar n.º 08, de 03 de agosto de 2001, que cria o emprego em comissão de Motorista de Gabinete;

·        Lei Complementar n.º 02, de 24 de janeiro de 1994, que cria o emprego em comissão de Encarregado do PROCON;

·        Parte do Anexo I da Lei Complementar nº 06, de 09 de novembro de 1993, que cria o emprego em comissão de Relações Públicas;

·        Artigo 2º da Lei Complementar n.º 02, de 04 de maio de 1999, que cria os empregos em comissão de Médico Auditor e de Responsável Técnico pelo Laboratório;

·        Lei Complementar n.º 03, de 21 de fevereiro de 1995, que cria o emprego em comissão de Responsável Técnico pelas Farmácias Municipais.

 

II – DO DIREITO

As atribuições dos empregos em comissão ora impugnados, abaixo reproduzidas, são meramente técnicas ou burocráticas.

De fato, elas não evidenciam situações que exijam de seus agentes vínculo de confiança superior ao que se espera de todo e qualquer servidor empossado em cargo de provimento efetivo.

A seguir, descrevem-se as atribuições de:

·        Agente de Crédito: essencialmente, “divulgar o Banco do Povo Paulista”, “informar ao público interessado o acesso a crédito e modalidades de aval”, “orientar os clientes”, “solicitar documentações”, “confirmar informações contidas em fichas cadastrais”, dentre outras (fls. 11/13 do expediente em anexo);

·        Encarregado de Equipe e Serviços: “compreende as tarefas de supervisão, de iniciativa de tomadas de decisões, exigindo conhecimento das etapas de processo de execução de atividades da unidade supervisionada, aliada à capacidade de gerenciamento de atividades e relações humanas, e tarefas que se destinam a executar ou supervisionar os serviços de equipes ou frente de trabalho e outras atividades correlatas” (fls. 14 do expediente em anexo);

·        Auxiliar de Administração: “auxiliar nas tarefas que têm por objetivo executar as propostas políticas e administrativas da gestão em curso” (fls. 08, v. do expediente em anexo);

·        Supervisor para Assuntos Epidemiológicos – essencialmente, “prevenir a incidência de eventuais epidemias” (fls. 08 do expediente em anexo);

·        Zelador de Bens Móveis e Imóveis Municipais: “efetuar fiscalização bem como zelar pelo patrimônio público” (fls. 08 do expediente em anexo);

·        Administrador de Próprios Municipais: “zelar pela administração e preservação dos patrimônios públicos da municipalidade” (fls. 08 do expediente em anexo);

·        Assistente Social: “prestar serviços no âmbito social, individualmente ou em grupos, identificando e analisando seus problemas e necessidades, materiais e sociais, aplicando métodos e processos básicos do serviço social” (fls. 09 do expediente em anexo);

·        Mestre de Obras: “distribuição de serviços e de ferramentas, o recebimento e o controle do material, bem como a liderança das pessoas que trabalham na obra” (fls. 09 do expediente em anexo);

·        Maestro da Banda da Guarda Municipal: “orientar, ensaiar, dar aulas de música aos membros da banda e reger a banda quando de suas apresentações” (fls. 09 do expediente em anexo);

·        Motorista de Gabinete: “dirigir veículos no município ou em viagens fora do município ou do Estado, transportando o prefeito ou a quem ele delegar, para locais pré-determinados” (fls. 08 do expediente em anexo);

·         Encarregado do PROCON: “responsável pelo órgão de defesa do consumidor, exerce as atribuições de coordenação do PROCON” (fls. 143 do expediente em anexo);

·        Relações Públicas: “coordena, planeja, redige, interpreta e divulga os resultados dos trabalhos da administração pública e do interesse dos munícipes, como também auxilia o Prefeito e demais autoridades na redação dos pronunciamentos, preparando o material e selecionando os veículos de comunicação, a fim de manter a comunidade informada” (fls. 170 do expediente em anexo);

·        Responsável Técnico pelo Laboratório Municipal de Análises Clínicas: “assumir a responsabilidade técnica do Laboratório Municipal de Análises Clínicas, perante o Conselho Federal de Biomédica; planejar, coordenar, dirigir e controlar as atividades do Laboratório, segundo as diretrizes da Secretaria de Saúde Municipal, para assegurar o cumprimento das metas estabelecidas” (fls. 251 do expediente em anexo);

·        Médico Auditor: “exerce ações de caráter eminentemente administrativo, planejando, ordenando despesas, analisando e orientando ações, exigindo e fazendo cumprir direitos e deveres existentes e estabelecidos nas relações contratuais acordadas entre as partes Município-SUS e prestadora de serviços (Santa Casa e outros); exerce, ainda, atividade de orientação, ordenação e fiscalização, analisando prontuários médicos, solicitações e autorizações que desencadeiem processo de emissão de guias de pagamento, avaliação do tempo de internação esperado, detectar possíveis abusos na solicitação de exames e outros procedimentos ou procedimentos não realizados, bem como monitoramento de todos os processos de admissão do paciente no hospital, desde a solicitação do médico assistente até a conclusão do rito da internação” (fls. 143/144 do expediente em anexo);

·         Responsável Técnico pela Farmácia Municipal: “atribuição de coordenação da Farmácia Municipal; padronização dos medicamentos; atendimento e assistência farmacêutica; registro de medicamento psicotrópico e controle de estoque; controle de medicamentos nas outras unidades de saúde (bairros); treinamento de funcionários novos; pedido de compras por pregão (fls. 144 do expediente em anexo);

Da descrição das atribuições dos cargos elencados decorre que a eles correspondem funções meramente técnicas, burocráticas ou operacionais, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento.

A constatação fica ainda mais evidenciada pela literalidade dos motivos apresentados nas iniciativas dos projetos de lei para criação de alguns deles. Veja-se.

Para criação do emprego em comissão de “Administrador de Próprios Municipais”, a iniciativa do respectivo projeto de lei (fls. 104 do expediente em anexo) fundamenta a imprescindibilidade do vínculo de confiança no fato de que o Parque Ecológico Municipal é um dos patrimônios “que necessita ser cuidado com todo carinho”.

Quanto ao “Agente de Crédito”, a iniciativa do respectivo projeto de lei só corrobora o caráter profissional do posto, ao fundamentar a criação na insuficiência de habilitados no concurso para provimento do mesmo cargo (fls. 131 do expediente em anexo)

Em relação ao emprego de “Encarregado de Equipes e Serviços”, a motivação da iniciativa do respectivo projeto de lei de criação também só corrobora o caráter profissional do posto, ao indicar que este apenas está “transformando” os cargos de “Encarregado de Cemitério, Encarregado de Serviços e Encarregado de Equipes”, todos antes de provimento efetivo via concurso público, para de provimento em comissão (fls. 87 do expediente em anexo).

Para a criação dos empregos em comissão de “Auxiliar de Administração” e “Zelador de Bens Móveis e Imóveis”, a iniciativa do respectivo projeto de lei pretende fundamentar o vínculo especial de fidúcia, que constituiria exceção à regra do concurso público, na genérica “necessidade crescente de maior zelo e cuidado para com o patrimônio público” (fls. 111 do expediente em anexo).

No caso do “Supervisor para Assuntos Epidemiológicos”, o caráter profissional de sua atribuição fica evidenciado pela literalidade do respectivo projeto de lei, que atribui ao “recrudescimento de epidemias” no Município a necessidade de criação do emprego (fls. 111 do expediente em anexo).

O provimento em comissão do “Maestro da Banda da Guarda Municipal”, na motivação da iniciativa do projeto de lei de criação, pretende ser justificado pela exigência de “capacidade de liderança e confiabilidade”, para “manter viva a chama das corporações musicais do interior” (fls. 209 do expediente em anexo).

Os empregos de “Assistente Social” e “Mestre de Obras” pretendem ter seu provimento em comissão fundamentados, conforme o projeto de lei de criação (fls. 223 do expediente em anexo), na necessidade de seus ocupantes terem conhecimento na tramitação da documentação de construção de unidades da CDHU, bem como terem capacidade de orientação social e profissional aos mutirantes.

Em relação ao emprego de “Encarregado do PROCON”, ressalta-se, apesar de rejeitada, a Emenda Substitutiva ao respectivo projeto de lei apresentada pelo Secretário da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara Municipal de Tietê (fls. 242/243 do expediente em anexo), substituindo a forma de provimento em comissão pela de provimento efetivo, dado ao caráter profissional das atribuições do posto.

Quanto ao “Responsável Técnico pelo Laboratório Municipal de Análises Clínicas”, a iniciativa do respectivo projeto de lei só corrobora o caráter profissional do posto, ao fundamentar a criação na necessidade de o laboratório “ter um profissional formado em biomédica ou bioquímica, para poder assumir a responsabilidade técnica perante o Conselho Federal de Biomédica” (fls. 249 do expediente em anexo).

Quanto ao “Médico Auditor”, a iniciativa do respectivo projeto de lei também só ratifica o caráter profissional de suas atribuições, ao fundamentar a criação na necessidade da designação de um “responsável pela autorização prévia, controle e auditoria prévia dos procedimentos e serviços realizados” para implantação da Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde (fls. 249 do expediente em anexo).

No tocante ao “Responsável Técnico pela Farmácia Municipal”, a iniciativa do respectivo projeto de lei também só corrobora o caráter eminentemente técnico da atribuição, ao fundamentar a criação na necessidade de suprir “a exigência do ERSA-59 – Escritório Regional de Saúde, de que cada farmácia tenha seu Responsável Técnico” (fls. 259 do expediente em anexo).

É imperiosa a conclusão de que os empregos postos em destaque são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 115, incisos I, II e V, da Constituição do Estado de São Paulo e o art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal.

Embora a Constituição em vigor tenha consagrado o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1.º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261), essa autonomia não tem caráter absoluto.

A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d) auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços, segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).

Contudo, a autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que no caso é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).

Essa limitação deflui da literalidade dos arts. 144 da Constituição Estadual e 29 da Constituição Federal, que impõem que a autonomia municipal deve atender os “princípios estabelecidos” em ambas as Cartas, dentre eles, o da acessibilidade aos cargos públicos por meio de concurso.

Por conseguinte, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina a princípios estabelecidos constitucionalmente, que constituem regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.)

Não obstante, no caso em exame, o Legislador Municipal criou cargos e empregos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. São funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Administração Pública e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.

Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; (d) caráter permanente dessa vinculação.

Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF., art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.ºº 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II, do art. 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

Com efeito, a criação de cargo de provimento em comissão exige especial relação de confiança entre o seu ocupante e o agente político ao qual está vinculado. A criação de cargos sem que exista referida especial relação de confiança significa, na prática, burla à sistemática constitucional.

Isso decorre do fato de que a regra é o acesso ao serviço público mediante concurso, sendo absolutamente excepcional o provimento de cargo sem o certame, pois admissível, unicamente, nos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que, adequadamente, sejam desempenhadas funções inerentes à atividade administrativa e política.

Assim, são pertinentes os cargos comissionados apenas quando seja indispensável por parte do seu ocupante verdadeiro comprometimento e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos seus superiores, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208; Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317; Márcio Cammarosano, Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96; Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 440).

Isso não ocorre com relação a funções meramente “técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41).

 Essa também é a posição do Colendo STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min.º SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169), e vem sendo acolhida em inúmeros julgados desse Colendo Órgão Especial (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).

Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. ed, São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

É incontestável que os cargos relacionados, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargos ou funções da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exijam relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas sim de cargos comuns, de natureza profissional, que devem ser assumidos em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

Em recente julgado (ADIN n° 157 951-0/0. Rel. Des. Sousa Lima. j. 25.6.2008), aliás, esse E. Tribunal de Justiça declarou a inconstitucionalidade de dispositivos de lei municipal que instituiu os seguintes cargos de provimento em comissão, alguns dos quais análogos e/ou com denominações equivalentes aos impugnados, a saber: 1) Assistente Administrativo Escolar; 2) Diretor de Escola; 3) Supervisor de Ensino Fundamental; 4) Agente Municipal de Crédito; 5) Assistente Administrativo Escolar; 6) Chefe de Serviços de Acervo Histórico e Difusão Cultural; 7) Chefe de Serviços de Cadastro Único; 8) Chefe de Serviços de Comunicação; 9) Chefe de Serviços de Esportes Comunitários e de Rendimento; 10) Chefe de Serviços de Fiscalização de Tributos e Posturas; 11) Chefe de Serviços de Turismo; 12) Chefe de Serviços de Gerenciamento da Patrulha Agrícola; 13) Administrador do Ginásio de Esportes; 14) Administrador do Centro de Convivência; 15) Coordenador Geral de Creches; 16) Coordenador Médico; 17) Coordenador Odontológico; 18) Agente Administrativo Financeiro; 19) Agente Administrativo de Recursos Humanos; 20) Supervisor de Saneamento; 21) Assessor Administrativo; 22) Diretor Técnico do Centro de Reabilitação; 23) Assessor Administrativo da Guarda Municipal; 24) Assessor Pedagógico; e 25) Assessor de Diretor.

Destarte, impõe-se declarar a insubsistência dos empregos em comissão previstos nas leis impugnadas, por serem incompatíveis com os arts. 115, incisos I, II e V e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

III – DA LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos dispositivos que criaram os cargos destacados anteriormente.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que os dispositivos impugnados nesta ação padecem de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos atos normativos questionados, subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas (e imposição de obrigações à Municipalidade), que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese provável de procedência da ação direta. Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocupar tais cargos certamente não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação, e da efetiva realização dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade de concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min.º Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos dispositivos que preveem os empregos de confiança das Leis ora impugnadas do Município de Tietê.

Alternativamente, a liminar poderá ser concedida em menor extensão – caso esse E. Tribunal entenda que essa solução é mais apropriada – para o fim de impedir novas nomeações, na pendência da presente ação direta, para os empregos de confiança criados pelas indigitadas Leis do Município de Tietê.

 

IV – DA CONCLUSÃO E DO PEDIDO

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 13, de 17 de setembro de 2002; da Lei Complementar n.º 17, de 18 de outubro de 2005; da Lei Complementar n.º 09, de 01 de outubro de 2002; dos artigos 2º e 3º da Lei Complementar n.º 09, de 03 de agosto de 2001; da Lei Complementar n.º 08, de 01 de outubro de 2002; da Lei Complementar n.º 01, de 19 de janeiro de 2009; da Lei Complementar n.º 01, de 20 de janeiro de 2011; da Lei Complementar n.º 15, de 30 de dezembro de 2002; da Lei Complementar n.º 12, de 01 de outubro de 2002; da Lei Complementar n.º 08, de 03 de agosto de 2001; da Lei Complementar n.º 02, de 24 de janeiro de 1994; da parte especificada do Anexo I da Lei Complementar n.º 06, de 09 de novembro de 1993; do art. 2º da Lei Complementar n.º 02, de 04 de maio de 1999; e da Lei Complementar n.º 03, de fevereiro de 1995 – que criaram empregos em comissão cujas atribuições demonstram perfil técnico ou burocrático (conforme análise feita na fundamentação desta inicial):

Agente de Crédito, Encarregado de Equipes e Serviços, Auxiliar de Administração, Supervisor para Assuntos Epidemiológicos, Zelador de Bens Móveis e Imóveis, Administrador de Próprios Municipais, Assistente Social, Mestre de Obras, Maestro da Banda da Guarda Municipal, Motorista de Gabinete, Encarregado do PROCON, Relações Públicas, Responsável Técnico pelo Laboratório Municipal, Médico Auditor e Responsável Técnico pela Farmácia Municipal.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 8 de junho de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

md/arc

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 167.764/10

Assunto: Inconstitucionalidade de Leis Complementares do Município de Tietê que criam indevidamente cargos em comissão.

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 8 de junho de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

md/arc