EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 170.857/11

Assunto: Inconstitucionalidade do Anexo 02 do art. 39 da Lei Complementar n. 87, de 29 de janeiro de 2001, do Município de Araçatuba, que exige experiência na área de Administração Municipal para o cargo de Assistente Administrativo.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade do Anexo 02 do art. 39 da Lei Complementar n. 87, de 29 de janeiro de 2001, do Município de Araçatuba, que exige experiência na área de Administração Municipal para o cargo de Assistente Administrativo.

2)      Violação dos princípios constitucionais do concurso, da isonomia, da acessibilidade geral ao serviço público e da impessoalidade (art. 111 e 115, I e II da CE; art. 37 caput e incisos I e II da CR/88).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 170.857/2011, que segue como anexo), vem, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do Anexo 02 do art. 39 da Lei Complementar n. 87, de 29 de janeiro de 2001, do Município de Araçatuba, especificamente no item que exige experiência na área de Administração Municipal para o cargo de Assistente Administrativo, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)  Dispositivo impugnado.

Cumpre anotar inicialmente que o protocolado nº  170.857/2011 (que segue como anexo a esta inicial) foi instaurado por força de representação formulada pelo DD. 1º Promotor de Justiça de Araçatuba (fls. 2/8).

Ocorre que, ao disciplinar o cargo de carreira efetivo de Assistente Administrativo, exige-se, como requisito de provimento, o 2º grau completo e experiência na área da Administração Municipal, além de conhecimentos de organização e métodos.

Entretanto, a exigência de experiência na área da Administração Municipal viola a regra constitucional do acesso aos cargos e empregos mediante concurso público.

2)  Fundamentação: Violação do princípio do concurso público, da acessibilidade geral, da isonomia e da impessoalidade.

O dispositivo transcrito viola princípios constitucionais que exigem a realização de concurso público para acesso aos cargos e empregos na administração pública, e, por consequência, viola também a regra da acessibilidade geral e da isonomia com relação ao provimento de cargos na administração pública, que decorrem dos seguintes dispositivos da Constituição Estadual:

“(...)

Art.111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

Art.115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração; (...)”

É oportuno recordar que tais dispositivos são reproduções do disposto no art. 37, I e II da CR/88, sendo todos (os da Constituição Federal e os da Estadual), aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da Constituição Paulista.

Dispensa maiores digressões a afirmação de que a realização de concurso público para acesso aos cargos, empregos, e funções públicas, é a regra. Ela só admite exceções nas estritas hipóteses previstas na Constituição Federal e Estadual, quais sejam, (a) a nomeação para cargos de provimento em comissão previstos em lei específica de cada ente federativo (nos casos de cargos ou funções de direção, chefia ou assessoramento superior da administração, em que deva prevalecer o vínculo de especial confiança entre o servidor e o agente superior ao qual se vincule), e (b) a contratação temporária, nas hipóteses previstas em lei de cada ente federativo, para atendimento à necessidade temporária de excepcional interesse público (cf. art. 115 II, V  e X da Constituição Paulista; art. 37 I, II e IX da CR/88).

Diante disso, qualquer dispensa indevida da realização de concurso para fins de ingresso no serviço público, ou mesmo a realização de provimentos a partir de exigências indevidas, como a experiência na área de Administração Municipal significam, na prática, burla à regra do concurso. Traduzem-se, do mesmo modo, em criação de óbice à acessibilidade de todos os cidadãos aos cargos públicos previstos em lei, e, por conseguinte, violação ao princípio da isonomia. Criam, finalmente, possibilidade de favorecimento, com quebra do princípio da impessoalidade.

Nosso sistema constitucional consagrou o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, na forma prevista em lei, e a submissão prévia a concurso público, ressalvadas, evidentemente, as nomeações para cargos em comissão.

Na definição de Adilson Abreu Dallari, concurso público é “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição do conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados” (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2. ed., São Paulo, RT, 1992, p. 36, apud Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, 3º vol., T. III, São Paulo, Saraiva, 1992, p. 67).

É por meio do concurso que se resguarda “a aplicação do princípio da igualdade de todos (CF., art. 37, I) e, ao mesmo tempo, o interesse da Administração em admitir somente os melhores” (Celso Ribeiro Bastos, op. cit., p. 66), afastando-se “os ineptos e apaniguados, que costumam abarrotar as repartições públicas, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. ed., São Paulo, RT, 2008, p. 440/441).

Relevante notar, do mesmo modo, que a exigência de concurso público para a investidura em cargo assegura, entre outras coisas, o respeito aos princípios da impessoalidade e o da isonomia.

Também por isso que a estabilidade constitucional anômala e transitória prevista no art. 19 do ADCT-CR/88 (aplicável aos servidores não concursados que, quando da promulgação da Carta Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público) tem sido interpretada restritivamente.

O E. STF tem, reiteradamente, afirmado a inconstitucionalidade de normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço: ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996); ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de 19-12-2002); ADI 100, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-04, DJ de 1º-10-04; ADI 88, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-5-00, DJ de 8-9-00; ADI 289, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ de 16-3-07; ADI 125, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ de 27-4-07.   

Esse entendimento também vem sendo consagrado no E. Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de seu Colendo Órgão Especial, conforme ementa transcrita a seguir:

“Ementa: Inconstitucionalidade - Ação Direta - Lei Municipal - Disposições relativas ao funcionalismo público - Desrespeito às regras de ingresso no serviço público por meio de concurso, com enquadramento de funcionários sem a realização dele, consagração de desvio de função e permissão de ocupação cargos distintos àquele para o qual o servidor foi habilitado - Inadmissibilidade – Procedência da ação com declaração de inconstitucionalidade das normas infringentes dos princípios constitucionais de igual acessibilidade a cargos públicos por meio de concurso e efeitos ‘ad nunc’. (TJSP, Órgão Especial, ADI 164.694-0/3, rel. des. Maurício Vidigal, j. 13.05.2009, v.u.).

3)  Conclusão e pedido.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja  julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do Anexo 02 do art. 39 da Lei Complementar n. 87, de 29 de janeiro de 2001, do Município de Araçatuba, que exige experiência na área de Administração Municipal para o cargo de Assistente Administrativo.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Araçatuba, bem como que seja citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 21 de março de 2012.

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 170.857/11

Assunto: Inconstitucionalidade do Anexo 02 do art. 39 da Lei Complementar n. 87, de 29 de janeiro de 2001, do Município de Araçatuba, que exige experiência na área de Administração Municipal para o cargo de Assistente Administrativo.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 21 de março de 2012.

 

 

        Fernando Grella Vieira

        Procurador-Geral de Justiça

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