Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal
de Justiça de São Paulo.
Ementa. 1) Art. 38, 39 e 45 e seu
parágrafo 2º (cuja nova redação foi dada pela Lei Municipal n. 618, de 05 de
dezembro de 2001), bem como, do Anexo II, (quanto aos cargos de provimento em
comissão de Assessor Jurídico, Assistente Social, Diretor de Saúde e
Assistência Social, Dentista, Engenheiro Civil, Engenheiro Agrônomo,
Farmacêutico, Médico e Médico Veterinário), todos da Lei n. 509 de 11 de maio
de 1995, do Município de Flora Rica 2)
Possibilidade de criação de gratificações, por ato do Chefe do Executivo,
dentre outros, pela prestação de serviços especiais, assiduidade, disciplina
funcional e criação de cargos de
provimento em comissão, com ausência dos requisitos constitucionais das
características de chefia, direção e
assessoramento
3)Violação da reserva legal, da
moralidade administrativa, da impessoalidade, e da razoabilidade (art.24 §2º
n.1, art.111, art.128 e art.144 da Constituição do Estado) e Violação dos arts. 111, 115, II e V e 144,
respectivamente, todos da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Inconstitucionalidade constatada. 5) Ação Direta visando à declaração de
inconstitucionalidade das normas legais impugnadas.
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual n.º 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São
Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso
IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com base nos elementos de informação
constantes do incluso protocolado (PGJ n.º 17.937/07), vem, respeitosamente,
perante esse EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE do art.
38, 39 e 45 e seu parágrafo 2º (cuja nova redação foi dada pela Lei Municipal
n. 618, de 05 de dezembro de 2001), bem como, do Anexo II, (quanto aos cargos
de provimento em comissão de Assessor Jurídico, Assistente Social, Diretor de
Saúde e Assistência Social, Dentista, Engenheiro Civil, Engenheiro Agrônomo,
Farmacêutico, Médico e Médico Veterinário), todos da Lei n. 509 de 11 de maio
de 1995, do Município de Flora Rica, bem
assim de todos os anteriores atos normativos que contenham previsão dos cargos ora impugnados, sempre de
provimento em comissão (para se evitar o
efeito repristinatório), pelas razões e fundamentos a seguir expostos:
Os dispositivos impugnados da Lei Municipal n. 509, de 11 de
maio de 1995, que “Dispõe sobre a
reorganização Administrativa da Prefeitura Municipal de Flora Rica: Estrutura,
Quadro de Pessoal, Plano de Cargos, Salários e dá outras providências”, cuja
nova redação foi dada pela Lei n. 618, de 05 de dezembro de 2001, apresentam a seguinte redação:
“Art. 38 – As instituições de graus a título
de promoção tem a finalidade de premiar pela gratificação por exercer outro
cargo, gratificação pela prestação de serviços extraordinários, assiduidade,
cargo de chefia, a disciplina funcional e a antiguidade no serviço municipal.
Art. 39- Na composição dos graus, o
servidor terá um acréscimo sobre a referência A a J de 05% (cinco por cento) e
K a Z um acréscimo de 10% (dez por cento) cada quatro anos, a partir do 5º ano de sua admissão até atingir o grau
máximo”
Art. 45- O Chefe do Executivo Municipal
concederá gratificação ou abono salarial por merecimento a todo servidor
Público Municipal que desempenharem atividades que extrapolem as de seu cargo
ou função, até o limite de 100% (cem por cento) do vencimento”.
(...)
Parágrafo
2º - As gratificações estabelecidas neste e no artigo anterior serão
incorporados através de Portaria do executivo, incluindo-se no salário base do
Servidor público Municipal”.
O Anexo II, da Lei Municipal n. 509 de
11 de maio de 1995, do Município de Flora Rica, por seu turno, apresenta dentre
outros, os seguintes cargos de provimento em comissão:
02 -
Assessor Jurídico
01- Assistente Social
01-
Diretor de Saúde e Assistência Social
05- Dentista
01- Engenheiro Civil
01- Engenheiro Agrônomo
01-
Farmacêutico
07 – Médicos
01- Médico Veterinário
Tratam-se de dispositivos verticalmente incompatíveis com a Constituição
do Estado de São Paulo, como adiante se demonstrará.
Os arts. 38 e 39 e o caput do art. 45, da
Lei Municipal n. 509, de 11 de maio de 1995, do Município de Flora Rica, ao
permitir que o Chefe do Poder Executivo Municipal atribua gratificações de 05% (cinco por cento) até 10% (dez por
cento), sob o salário base do servidor municipal, em razão, dentre outros, de assiduidade, disciplina
funcional e antiguidade, bem como, a gratificação ou abono salarial, por
merecimento até o limite de 100% (cem por cento) do vencimento, a todo servidor
público municipal que desempenhar atividades que extrapolem as de seu cargo ou
função, violam o princípio da reserva legal em matéria de fixação de
remuneração e vantagens para servidores públicos, previsto no artigo 111 e no
artigo 24, § 2º, nº 1, ambos da Constituição do Estado, aplicáveis aos
Municípios por força do artigo 144 da Constituição Paulista.
A idéia de legalidade nos atos da
Administração, contemplada nos dispositivos acima referidos, da Constituição do
Estado, tem lastro também no artigo 37 caput,
e no respectivo inciso X da CF/88 (redação da EC 19/98), pelo qual a remuneração dos servidores públicos e o
subsídio de que trata o § 4º do artigo 39 somente poderão ser fixados ou
alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso,
assegurada a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de
índices.
A propósito da reserva de lei em matéria de
remuneração de servidores públicos já se pronunciou o Pretório Excelso:
Em tema de
remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da
reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada
será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV,
art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de
5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Cautelar
deferida (ADIn 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 16-12-04, DJ de
1º-2-05).
Este também é o entendimento da doutrina,
anotando Hely Lopes Meirelles que “(...) os vencimentos –padrão e vantagens– só
por lei específica (reserva legal específica) podem ser fixados ou alterados
(art. 37, X), segundo as conveniências e possibilidades da Administração” (Direito administrativo brasileiro, São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 483). No mesmo sentido são as ponderações de Celso
Antônio Bandeira de Mello, em Curso de
direito administrativo, São Paulo, Malheiros, 2000, p. 239.
Assim, ao permitir que a fixação de
vantagens decorra não de lei, mas de ato administrativo do próprio Poder
Executivo, o Legislador Municipal delegou função indelegável –de legislar–,
violando o princípio da reserva legal que vigora nessa matéria.
Os arts. 38, 39 e o 45 caput, da Lei
Municipal n. 509, de 11 de maio de 1995, também violam o princípio da
moralidade administrativa, previsto no artigo 111 da Constituição do Estado,
aplicável aos Municípios por força do artigo 144 da Carta Paulista.
Em oportuna síntese, anota Maria Sylvia
Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se verificar que o
comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona
juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons
costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade,
a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade
administrativa” (Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2006, p. 94).
Não há dúvida de que, na hipótese, houve
ofensa à moralidade administrativa. O legislador municipal optou por consagrar
a liberdade mais ampla possível para que o Chefe do Executivo, por simples ato
administrativo, possa determinar a fixação de gratificação de 5% (cinco por
cento) até 10% (dez por cento), sob o
salário base do servidor municipal, “
dentre outros em razão de assiduidade, disciplina
funcional e antiguidade e , ainda, a gratificação ou abono salarial por
merecimento até o limite de 100% (cem por cento) do vencimento, a todo servidor
público municipal que desempenharem atividades que extrapolem as de seu cargo
ou função”.
Tamanha liberdade de ação administrativa
não é discricionariedade, mas arbítrio. Contraria a necessidade de respeito a
valores imanentes à gestão de verbas públicas e abre ensejo para favorecimentos
que não se coadunam com a administração de recursos que, em última análise
pertencem à própria sociedade local.
A solução fere uma concepção mais ampla de
justiça e eqüidade, e por isso ofende a moralidade administrativa. Aliás, o
deixar a Lei a critério do Prefeito
Municipal a avaliação da assiduidade, disciplina funcional, antiguidade e
merecimento não estabelece qualquer critério objetivo para que as aludidas
gratificações sejam concedidas.
No
caso em exame, verifica-se ainda a violação ao princípio da impessoalidade. O
absoluto subjetivismo na concessão dos benefícios previstos nos mencionados
dispositivos legais impugnados demonstram que essa faculdade do administrador
se presta a servir como instrumento para a instituição de benefícios indevidos
em favor daqueles que ostentem relações pessoais com o gestor público que
momentaneamente esteja no posto de determinados cargos.
A
ausência de critérios objetivos para a fixação do benefício, igualmente, indica
claramente a quebra do princípio da impessoalidade, que deve imperar no âmbito
da Administração Pública.
Foi
violado também o princípio da razoabilidade, que encontra assento no artigo 111
e no artigo 128 da Constituição do Estado de São Paulo.
Note-se
que o artigo 128 da Carta Paulista determina expressamente que as vantagens de qualquer natureza só poderão
ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às
exigências do serviço.
O art.
38, 39 e o caput do art. 45, da Lei n. 509, de 11 de maio de 1995, criam a
possibilidade de fixação de gratificações especiais, para hipóteses
absolutamente indefinidas. Releva, a
propósito, a lacônica menção à “ dentre
outros a assiduidade, disciplina funcional, antiguidade, merecimento”.
Essa abertura de possibilidades sem qualquer indicação
hipotética de real necessidade demonstra que a solução prevista na lei fere o
princípio da razoabilidade, ao criar um ônus desnecessário, inapropriado, e
descabido para a Administração Pública. Nem se pode afirmar que a fixação de
gratificações, nestes termos, por atos administrativos, atenderá à necessidade
de respeito ao interesse público e às exigências do serviço.
Como
anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a
afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins”, tendo
importância tanto quando da criação da norma como quando de sua aplicação.
Ademais, prossegue o autor, “o princípio da proporcionalidade, uma vez admitido
como um princípio substantivo autônomo, como é considerado na doutrina alemã do
Direito Público, e não apenas com o sentido estrito contido no conceito de
razoabilidade, prescreve, especificamente, o justo equilíbrio entre os
sacrifícios e os benefícios resultantes da ação do Estado” (Curso de direito administrativo, Rio de
Janeiro, Forense, 2006, p. 101). Também neste sentido, Maria Sylvia Zanella Di
Pietro (op. cit., p. 95).
Ainda em sede doutrinária, Gilmar
Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo
Pretório Excelso, anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar
a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade
(inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de
ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo
perseguido e o ônus imposto ao atingido)”
(“A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo,
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.
83).
Era mesmo perfeitamente dispensável a
previsão legal impugnada, pois a instituição de vantagens pessoais para
servidores estava a exigir a edição de lei, strictu
senso. De resto, não bastasse a inadequada previsão normativa, vê-se a
imposição de ônus desproporcional entre o interesse público e o objetivo
perseguido: dar ao Chefe do Executivo ampla liberdade para beneficiar
servidores de sua livre escolha com gratificação –estarrecedora– pelo simples cumprimento do dever.
Daí a violação aos artigos 111 e 128
da Constituição do Estado de São Paulo.
O parágrafo segundo do art. 45, da Lei
Municipal n. 509, de 11 de maio de 1995, por ser turno dispõe expressamente “ que as gratificações estabelecidas neste
artigo e no anterior serão incorporadas através de Portaria do Executivo,
incluindo-se no salário base do Servidor Público Municipal”.
Assim
sendo, referido dispositivo legal permite a incorporação de tais gratificações
ao salário base do servidor público municipal para todos os efeitos e
vantagens.
Como se por observar, o parágrafo segundo
do art. 45, da referida lei municipal cria benefício remuneratório incompatível
com o interesse público e com o princípio da moralidade, violando os artigos
111 e 115, XVI e 128, da Constituição do
Estado de São Paulo. De fato, assim dispõem
as referidas normas constitucionais:
'Art.
111 - A administração pública
direta, indireta ou funcional, de
qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
Art. 115 - Para a organização da
administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas: (...)
XVI - os acréscimos pecuniários
percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins
de concessão de acréscimos ulteriores
sob o mesmo título ou idêntico fundamento (...)
Art. 128 - As vantagens de qualquer natureza só poderão ser
instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e
às exigências do serviço.”
A Constituição Paulista, em norma que
repete o disposto no artigo 37, da
Constituição Federal, proíbe que se
outorgue benefícios aos servidores desvinculados do interesse público. Ora, a
incorporação de gratificações para todos os efeitos e vantagens malfere a
moralidade, bem assim a razoabilidade.
Da cláusula do Estado Democrático de
Direito, do alargamento do conceito de legalidade com a inserção dos princípios gerais constitucionais
decorre o eficaz controle dos atos estatais, leis e atos administrativos. A razoabilidade vem sendo utilizada pelo
STF para o controle de constitucionalidade
de leis[1].
E a previsão de que, com apenas 12
meses de exercício de funções gratificadas possa o servidor incorporar globalmente o acréscimo
pecuniário viola a moralidade.
A
própria Constituição do Estado tem parâmetro
-- independentemente de sua eventual irregularidade formal -- razoável,
no seu artigo 133, que prevê:
“Art. 133 - O servidor, com mais de cinco anos de
efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, cargo ou função que lhe proporcione
remuneração superior à do cargo de que
seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo
dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos.”
Ora, como diz a doutrina (DIÓGENES GASPARINI, Direito Administrativo, p. 211, Saraiva, 8.ª
ed.):
“As vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam
gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são
meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que
se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública
e do
servidor. Assim, não é sem motivo que a Lei Orgânica do Município de São
Paulo estabelece, no seu art. 94, que as vantagens de qualquer natureza somente
poderão ser instituídas por lei e
quando atendam efetivamente ao interesse e às exigências do serviço
público. De igual modo prescreve o art. 128 da Constituição de São Paulo. Fora
disso, afirma Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo, cit. p. 406),
” são vantagens anômalas, que não se enquadram quer como adicionais, quer como
gratificações, pois não têm a natureza administrativa de nenhum desses
acréscimos estipendiários,
apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador
faz à custa dos cofres públicos,
com o único propósito de cortejar o servidor público.”
Finalmente,
no que diz respeito aos cargos de provimento em comissão de Assessor Jurídico,
Assistente Social, Diretor de Saúde e Assistência Social, Dentista, Engenheiro
Civil, Engenheiro Agrônomo, Farmacêutico, Médico e Médico Veterinário de
constantes do Anexo II, da Lei Municipal n. 509, de 11 de maio de 1995, houve
afronta aos artigos
111 , 115, II, e V, 144 da
Constituição do Estado de São Paulo. De fato, assim dispõem as referidas normas constitucionais:
'Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou funcional, de qualquer dos Poderes do Estado,
obedecerá os princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
Art.
115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
II
- a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em
concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração (...)
V
– As funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos
previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento
(....)
Art.
144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.’
Embora o Município seja dotado de
autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art.1º e
art.18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se
limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da
Silva, Direito constitucional positivo,
13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ªed., São Paulo, Saraiva, 2005, p.285).
A autonomia municipal envolve quatro
capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei
orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos
Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria
(autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d)
capacidade de auto-administração (administração própria para manter e prestar
serviços de interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p.591).
Nas
quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política
(capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c)
autonomia administrativa (administração própria e
organização dos serviços locais); (d) autonomia financeira
(capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas), como se
colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de José Afonso da Silva (ob. cit.,
p.591).
Para que
possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos,
empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras,
vencimentos, entre outras questões, estruturando-se adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município
organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem
constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas
constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço
público.
A regra, na Administração Pública, deve ser
o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e
títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no
art. 37 inciso I da Constituição
Federal; bem como
no art.115 inciso I da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve
ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
administrativa e política.
Há
implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do Pretório
Excelso, que “a criação de cargo em
comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.440).
Podem ser de livre nomeação e exoneração
apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas,
exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e
fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que
vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a
todo e qualquer servidor comum.
É esse o fundamento da argumentação no
sentido de que “os cargos em comissão são
próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita
de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a
seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da
Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade
do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos
titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que
surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes
Gasparini, Direito administrativo,
3ªed., São Paulo, Saraiva, 1993, p.208).
Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício
de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente
profissional, fora dos níveis de direção,
chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p.41, g.n.).
É a natureza do cargo e das funções a ele
cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo,
São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o
entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf.
Odete Medauar, Direito administrativo moderno,
5ªed., São Paulo, RT, p.317).
Essa também é a posição do Pretório
Excelso, como se infere no precedente cuja ementa é a seguir transcrita:
“E M E N
T A: Concurso público: plausibilidade da alegação de ofensa da exigência
constitucional por lei que define cargos de Oficial de Justiça como de
provimento em comissão e permite a substituição do titular mediante livre
designação de servidor ou credenciamento de particulares: suspensão cautelar
deferida.
Escrevendo na
vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao
caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador. A
Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real
controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de
sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a
atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de
competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa,
a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas
apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos
seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de
lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem,
comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade
às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à
autoridade superior(...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e
exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há
razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração
cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico,
desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais
se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter
estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e
considerações de outra natureza” (Provimento
de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p.95/96).
Veja-se,
a propósito, que os cargos citados são criados em profusão, com desvio de
finalidade, já que as funções a serem desempenhadas são técnicas, burocráticas
ou operacionais, não exigindo
dos agentes que as vocacionem qualquer
vínculo de confiança com os administradores.
Observe-se
que, a própria denominação dos cargos ora glosados, já indica que se destinam ao
desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, de caráter
subalterno na estrutura da Administração Municipal.
Além disso, é nitidamente perceptível que se
trata de hipótese em que, de forma casuísta e pormenorizada, foram criados
cargos em comissão em profusão.
Admitir como válida, do ponto de vista
constitucional, a criação de cargos em comissão para “chefia administrativa” e
outros (assistentes, assessores, encarregados, etc.), para setores criados em
profusão, com casuísmo e de forma aleatória no quadro organizacional do
Município, é dar aos dispositivos constitucionais que envolvem a regra do
concurso, e à sua exceção, interpretação equivocada,
meramente literal.
Cumpre recordar que as exceções devem ser
interpretadas restritivamente (Carlos Maximiliano, Aplicação do direito, 18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999,
p.225).
Note-se que os cargos em comissão criados pelo
Anexo II da lei aqui impugnada revelam postos na administração, como visto, de
caráter subalterno, em que predominará sempre o conhecimento e aptidão técnica
do servidor. Não se vislumbra, em tais casos, qualquer exigência de especial
relação de confiança entre o seu ocupante e o Chefe do Executivo.
Justifica-se, deste modo, a afirmação de que
tais cargos não são de natureza tal que se justifique, sob o perfil dos limites
constitucionais existentes na matéria em exame, o provimento em comissão.
É necessário ressaltar que a posição aqui
sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça.
No julgamento da ADI 111.387-0/0-00, em
11.05.2005, o relator, Sr. Desembargador Munhoz Soares, destacou que:
“Os cargos criados, contudo, pela legislação
sub judice, têm natureza técnica ou prática, ou seja, de seus titulares, nada
mais se lhes podendo exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em
caráter estritamente profissional, técnico, diferenciando-se, por conseguinte,
daqueles que admitem provimento em comissão, limitados a situações
excepcionais, de natureza especial, justificantes da dispensa concursal
pública. Aqueles cargos, especificamente impugnados, exigem que seus titulares
exerçam suas funções profissionais em caráter permanente, ou seja, pelo quadro
estável de servidores públicos, que, pelos textos constitucionais, só podem ser
providos por concurso. Não há, assim, razão lógica justificante para que sejam
declarados de livre provimento e exoneração”.
Também quando
do julgamento da ADI 112.403-0/1-00, em 12 de janeiro de 2005, o relator, Sr.
Desembargador Barbosa Pereira destacou, em seu voto, que:
“As leis municipais
ora questionadas, ao criarem cargos de provimento em comissão, sem a presença
de características excepcionais hábeis a qualificá-los como sendo daqueles que
exigem de seus ocupantes o requisito da confiabilidade afrontam princípios
constitucionais”.
A
dispensa de concurso não pode ficar
apenas condicionada ao aspecto formal, de simples indicação em lei, eis que
isso importaria em deixar ao legislador ordinário um poder discricionário absoluto, inclusive o de afastar a exigência
do concurso para todos os cargos do serviço público, bastando, para tanto,
declará-los “em comissão” e de “livre nomeação”. Restaria, assim,
neutralizada toda a eficácia do princípio constitucional que impõe a aprovação
prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.
Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se
constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado
expressamente nos incisos I, II e V, do artigo 115 da Constituição Paulista,
deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas.
Por todo o
exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade
dos dispositivos legais antes indicados.
Assim, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que seja ao final julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 38, 39 e 45 e seu
parágrafo 2º (cuja nova redação foi dada pela Lei Municipal n. 618, de 05 de
dezembro de 2001), bem como, do Anexo II, (quanto aos cargos de provimento em
comissão de Assessor Jurídico, Assistente Social, Diretor de Saúde e
Assistência Social, Dentista, Engenheiro Civil, Engenheiro Agrônomo,
Farmacêutico, Médico e Médico Veterinário), todos da Lei n. 509 de 11 de maio
de 1995, do Município de Flora Rica, bem assim de todos os anteriores atos normativos que contenham
previsão dos cargos ora impugnados,
sempre de provimento em comissão (para
se evitar o efeito repristinatório).
Requer-se ainda sejam requisitadas
informações ao Prefeito Municipal e à Câmara Municipal de Flora
Rica, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os
atos normativos impugnados.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins
de manifestação final.
São
Paulo, 16 de dezembro de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
Protocolado PGJ nº
17.937/07
Interessado:
Promotoria de Justiça de Pacaembu
1.Distribua-se a petição inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face dos arts. 38, 39 e 45 e seu parágrafo 2º (cuja
nova redação foi dada pela Lei Municipal n. 618, de 05 de dezembro de 2001),
bem como, do Anexo II, todos da Lei n. 509, de 11 de maio de 1995, do Município
de Flora Rica, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2.Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São Paulo, 17 de dezembro de
2008
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça
[1] Informativo STF - Brasília,
Inscrição em
Concurso: Limite de Idade. Com base nesse entendimento, a Turma teve por desarrazoado - e portanto inconstitucional
- o limite de idade estabelecido para a inscrição em concursos para provimento
de cargos de professor, no Estado do Rio Grande do Sul, e de auditor do tesouro
nacional, na Bahia. Considerou-se, no primeiro caso, que o limite de idade não
seria justificável pela natureza das atribuições do cargo de professor; e, no
segundo, que, se a carreira de auditor fiscal do tesouro nacional, pela
natureza das atribuições dos cargos que a compõem, não pudesse ser integrada,
desde seus níveis iniciais, por pessoas com idade superior a 35 anos, não
teriam sido dispensados da observância desse requisito, estabelecido
genericamente pelo edital, os candidatos ocupantes de cargo ou emprego na
Administração direta e autarquias federais. Precedentes citados: RMS 21033-DF
(RTJ 135/958) e RMS 21046-RJ (RTJ 135/528).RE 176.369-RS
e RE 185.300-BA, Rel. Min. Moreira Alves, j. 15.outubro.1996.
ADin n.º 2.019-6 –
Mato Grosso do Sul. Rel. Min. Ilmar Galvão. Ato normativo que, ao erigir em
pressuposto de benefício assistencial não o estado de necessidade dos
beneficiários, mas sim circunstâncias concretas em que eles foram gerados,
contraria o princípio da razoabilidade,
consagrado no mencionado dispositivo constitucional (art. 5.º LIV). J. 2.8.01
Tratava-se de lei estadual que instituiu programa de concessão de um salário
mínimo mensal para crianças geradas a partir de estupro.