EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 20.611/2012

Assunto: Inconstitucionalidade das Leis Municipais nº 3.736, de 16 de agosto de 2007, e nº 4.267, de 10 de agosto de 2011, de Agudos, que atribuem nomes de pessoas a bens públicos.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Leis Municipais nº 3.736, de 16 de agosto de 2007, e nº 4.267, de 10 de agosto de 2011, de Agudos, que atribuem nomes de pessoas a bens públicos.

2)      Usurpação de competência do Executivo. Violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º, art. 47, II e XIV, e art. 144). Precedentes do TJ/SP.

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 20.611/2012, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE das Leis Municipais nº 3.736, de 16 de agosto de 2007, e nº 4.267, de 10 de agosto de 2011, de Agudos, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)  ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A propositura da presente ação direta decorre de representação endereçada a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo DD. Promotor de Justiça de Agudos, a partir do procedimento nº MP 43.0185.0000227/2011-8 (fls. 95/98).

As leis impugnadas atribuem a logradouros e próprios municipais o nome de pessoas vivas.

A Lei Municipal nº 4.267, de 10 de agosto de 2011, de Agudos, que “Dá denominação ao Centro de Saúde Integrado que especifica e dá outras providências”, (fls. 109) tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Denomina-se ‘CENTRO DE SAÚDE INTEGRADO ELZA APPARECIDA SILVA’ a Unidade de Saúde, localizada na Avenida Pinto s/nº, no Município de Agudos-SP, ao lado do prédio do INSS.

Art. 2º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

(...)”

A Lei Municipal nº 3.736, de 16 de agosto de 2007, de Agudos, que “Denomina a praça existente na Rua Manoel da Costa e dá outras providências” (fls. 110), tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica denominada JOÃO PEREIRA PARDIM, a praça localizada entre as ruas Manoel da Costa e Manoel Antônio da Costa, ambas no Parque Pampulha.

Art. 2º. Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a efetivar todas as medidas necessárias para a devida denominação, dando ciência a quem de direito.

Art. 3º. As despesas decorrentes da presente lei correrão por conta das verbas próprias do orçamento vigente, suplementadas, se necessário.

Art. 4º. Revogadas as disposições em contrário, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

(...)”

Entretanto, tais leis são verticalmente incompatíveis com nossa sistemática constitucional.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

É fora de duvida que a denominação de logradouros públicos municipais trata-se de matéria de interesse local (CF, art. 30, I), dispondo, assim, os Municípios de ampla competência para regulamentá-la, pois foram dotados de autonomia administrativa e legislativa. E, vale acrescentar, não há na Constituição em vigor reserva dessa matéria em favor de qualquer dos Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que dela se ocupem só pode ser geral ou concorrente.

Contudo, afigura-se necessário distinguir as seguintes situações:        (a) a edição de regras que disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de logradouros públicos, caso em que a iniciativa é concorrente;      

(b) o ato de atribuir nomes a logradouros públicos, segundo as regras legais que disciplinam essa atividade, que é da competência privativa do Executivo.

No Município, à Câmara Municipal incumbem as funções legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades político-administrativas. “Nessa sinergia de funções é que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao governo municipal.” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 8.ª ed., pp. 427 e 508.)

Pois bem, em sua função normal e predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica, bem diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de atos concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. (ob. cit., p. 429).

Assim, no exercício de sua função normativa, a Câmara está habilitada a editar normas gerais, abstratas e coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a denominação das vias e logradouros públicos, como, por exemplo: proibir que se atribua o nome de pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá ser composto por mais de três palavras, exigir o uso de vocábulos da língua portuguesa, etc. (Cf. ADILSON DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do Governo do Estado de São Paulo, 2/103).

Por outro lado, a nomenclatura de logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização urbana, tem por finalidade precípua a orientação da população (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 2.ª ed., p. 285). De fato, se não houvesse sinalização, a identificação e a localização dos logradouros públicos seria tarefa quase impossível, principalmente nos grandes aglomerados urbanos.

Diverso, porém, é o ato de denominar os próprios públicos, inclusive nos casos em que não se busca apenas permitir a orientação da população, mas sim homenagear determinadas pessoas ou fatos históricos.

Note-se: nada obsta que o nome dado a determinado logradouro público cumpra não só a função de permitir sua identificação e exata localização, mas sirva também para homenagear pessoas ou fatos históricos, segundo os critérios previamente estabelecidos em lei editada para regulamentar essa matéria. 

Definidas essas premissas básicas, entretanto, é imperativo o reconhecimento da inconstitucionalidade dos atos normativos impugnados nesta inicial.

É que tais leis, ao dar, especificamente, determinados nomes a próprios integrantes do patrimônio público municipal, não encerram o conteúdo de normas abstratas ou teóricas, instituídas em caráter permanente e de generalidade.

Ou seja, a Câmara não pode, em nosso regime constitucional, invadir a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, atribuindo, especificamente e de modo individualizado, a determinados próprios integrantes do Município, denominação concreta.

As leis formais não se mostram regras jurídicas, mas simples atos administrativos do Poder Legislativo, que invadem a esfera de competência constitucional do Poder Executivo.

Na ordem constitucional vigente, que incorporou o postulado da separação de funções, a fim de limitar o poder estatal, na consagrada fórmula de Montesquieu, não existe a menor possibilidade de a Administração municipal ser exercida pela Câmara, por meio de leis (Estado legal), pois a Constituição é clara ao atribuir ao Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários Municipais, a direção superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e praticar os atos de administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47, XIV).

Bem por isso, aliás, ELIVAL DA SILVA RAMOS adverte que:

 

“(...)

Sob a vigência de Constituições que agasalham o princípio da separação de Poderes (...) não é lícito ao Parlamento editar, ao seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e individualizante. A regra é a de que as leis devem corresponder ao exercício da função legislativa. A edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que, embora fluindo das fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de generalidade e abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade substancial. (“A Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194.)

(...)”

 

Nesse contexto, a aprovação de lei, pela Câmara, que atribui nome a logradouro ou prédio público só pode ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).

Ao examinar assunto correlato, no julgamento da Repr. n.º 1.117-SP, o insigne Ministro FRANCISCO REZEK consignou no seu respeitável Voto que:

“(...)

No contexto dos debates que esta matéria provocou na origem, e que envolveram os três poderes do Estado, vez por outra afloram equívocos conceituais de certa monta, qual o entendimento da prerrogativa de dar nome à sede forense como atributo da propriedade imobiliária, ou a visão do Poder Executivo como titular do domínio dos bens públicos afetos a seus próprios serviços, tanto quanto aos da Legislatura e aos da Justiça.

Tudo isso posto de lado, porque desnecessário ao completo esquema da questão de inconstitucionalidade que aqui se discute, reponta claro o argumento do Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo: parece-lhe que a competência para dar nome a logradouros públicos, porque não disciplinada na lei fundamental, há de sê-lo em lei ordinária; e que entre aqueles não há por que distinguir os de uso especial da Justiça dos vinculados aos demais poderes, ou entregues ao uso comum do povo. Aquela primeira ideia se viu desenvolver com esmero pelos fundadores da federação norte-americana, e, dessa e de outras fontes, foi sabidamente assimilada pelo direito público brasileiro: tudo quanto a Carta não diz por si mesma, di-lo-á não o Governo, nem tampouco a Justiça, mas o Congresso, compositor, por excelência, da ordem jurídica que a lei fundamental encabeça, sem poder exaurir.

Essa regra eminente traz, porém, consigo, duas presunções tácitas, a ditar-lhe o exato contorno. A primeira é a de que esse espaço a ser preenchido pela produção congressional reclame substância normativa, vestida da abstração e da generalidade que lhe são próprias. A segunda, indissociável da precedente, é a de que o vasto domínio dos poderes implícitos do Congresso não pretenda estender-se sobre área reservada pela lei fundamental às prerrogativas do Executivo e do Judiciário, com todos os desdobramentos necessários a que se não lhes afronta a independência.

(...)”

Em suma, a concessão de denominação a determinado bem municipal é ato concreto de administração, parte integrante do serviço público de sinalização urbana, cujo único responsável é o Prefeito.

Não há como aceitar a interpretação que inclui no rol dos poderes implícitos da Câmara a competência para editar leis formais, desvestidas dos atributos de generalidade e abstração, tampouco estender esses poderes sobre área de atuação exclusiva do Poder Executivo, a quem compete a administrar os bens públicos e prestar os serviços públicos municipais. O ato de atribuir nomes a logradouros ou prédios públicos é mero corolário do poder de administrar.

Bem a propósito, ao examinar leis de conteúdo semelhante, esse egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:

“(...)

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Municipal que impõe ao Chefe do Poder Executivo nome de rua – Vício de iniciativa – Invasão de esfera privativa deste – Ação procedente (ADI nº 115.877.0/5, Rel. Des. Laerte Nordi, j. em 20/7/2005).

(...)

EMENTA: Constitucional. ADI. Inciso XV do artigo 35 da Lei Orgânica do Município de Olímpia. Atribui à Câmara, com sanção do Prefeito, dar denominações a próprios, vias e logradouros públicos, inclusive de pessoas vivas que mereçam e justifiquem a homenagem. Matéria relativa à direção superior da administração municipal. Usurpação de atribuições do Chefe do Executivo. Inconstitucionalidade. Violação do disposto nos artigos 5.º, 47, incisos II e XIV, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. (ADI 163.689-0/3-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 22/7/2009, v.u.)

(...)”

Em suma, a Câmara não pode arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos concretos de administração. E a nomenclatura de logradouros e próprios públicos - que constitui atividade relacionada ao serviço público municipal de sinalização e identificação - enquadra-se exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a conclusão inafastável de que a lei em epígrafe é manifestamente incompatível com o princípio da separação dos poderes.

Por último e não menos importante, nem mesmo a iniciativa do Prefeito para a lei, nessa matéria, afasta o vício de inconstitucionalidade.

A razão é simples: o Chefe do Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, também vedada pelo art. 5º, § 1º da Constituição do estado de São Paulo.

Estas são as razões para o reconhecimento da inconstitucionalidade dos atos normativos impugnados, por afronta aos arts. 5.º, 47, II e XIV, todos da Constituição Paulista, cuja observância é obrigatória pelos Municípios, ex vi do art. 144 dessa mesma Carta Política.

3)  CONCLUSÃO E PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das Leis Municipais nº 3.736, de 16 de agosto de 2007, e nº 4.267, de 10 de agosto de 2011, de Agudos.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Agudos, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 12 de abril de 2012.

 

        Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 20.611/2012

Assunto: Inconstitucionalidade das Leis Municipais nº 3.736, de 16 de agosto de 2007, e nº 4.267, de 10 de agosto de 2011, de Agudos, que atribuem nomes de pessoas a bens públicos.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 12 de abril de 2012.

 

 

        Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

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