Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Protocolado
nº 22.131/2008
Objeto:
Lei Municipal nº 2.863, de 11 de janeiro de 2008, de Salto.
Ementa: 1)Lei Municipal. Concessão de uso de imóvel. Especificação do
destinatário na lei. Ausência de licitação ou justificativa de dispensa ou
inexigibilidade, em procedimento próprio. 2)Violação do princípio da separação de poderes (art.5º e §§ c.c. o
art.144 da Constituição do Estado). Ato normativo de iniciativa do Executivo,
que implica delegação inversa de poder. Autorização legislativa que significa
verdadeiro ato de administração. 3)Violação do princípio da impessoalidade (art.111 c.c. o art.144 da
Constituição do Estado). 4)Violação do princípio da licitação (art.117 c.c. o art.144 da
Constituição do Estado) 5)Isenção fiscal de tributos municipais para a concessionária. 6)Necessidade de lei específica (art.163 § 6º c.c. o art.144 da
Constituição Paulista). 7)Violação da moralidade administrativa e da razoabilidade (art.111 e
art.144 da Constituição Paulista). 8)Inconstitucionalidade reconhecida. |
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas
atribuições (art.116 VI da Lei Complementar Estadual nº 734/93 - Lei Orgânica
do Ministério Público de São Paulo -; art.125 §2º e 129 IV da Constituição
Federal; art.74 VI e art.90 III da Constituição do Estado de São Paulo), com
amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº22.131/08) vem
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da
Lei Municipal nº 2.863, de 11 de janeiro
de 2008, de Salto, pelos fundamentos expostos a seguir.
1)Do ato normativo impugnado.
A
Lei nº 2.863, de 11 de janeiro de 2008, de Salto, “Dispõe sobre concessão de uso de bem imóvel público municipal para fins
desportivos”, tendo a seguinte redação:
“Art.1º Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a conceder o uso, para fins desportivos, através de contrato administrativo, da unidade administrativa denominada ESTÁDIO MUNICIPAL ‘JOSÉ AMADEU MOSCA’ de propriedade do Município, à empresa SHOW DE BOLA CLUBE EMPRESA SS LTDA, com sede na r. José de Alencar nº140, Vila Progresso, nesta cidade, inscrita no CNPJ sob. nº06.282.911/0001-35.
Art.2º. O
imóvel referido no art.1º desta possui aproximadamente
Art.3º. O imóvel descrito no item anterior, deverá ser utilizado pela concessionária para fins desportivos, notadamente para a prática futebolística, podendo ainda desenvolver ou fomentar a prática de outras modalidades esportivas, assim como eventos culturais e artísticos.
Art.4º. A concessionária receberá o imóvel e suas acessões na forma como se encontra e deverá promover as reformas e adaptações necessárias, às suas expensas, visando o cumprimento das exigências da Federação Paulista de Futebol, no que concerne à participação de um time de futebol da cidade no Campeonato Paulista Profissional da Segunda Divisão e Divisões superiores.
Parágrafo único. Toda obra civil relacionada à adaptação, reforma, ampliação, demolição, etc., se sujeitarão (sic) ao prévio exame e autorização da Secretaria de Obras e Serviços Públicos do Município.
Art.5º. O prazo da concessão aludida nesta lei será de 15 (quinze) anos, contados da assinatura do contrato, podendo ser renovado, se houver conveniência mútua entre as partes, por igual ou diferente período.
Art.6º. A Prefeitura Municipal fica autorizada, através da Secretaria de Esportes, a qualquer momento, a proceder à inspeção da manutenção do imóvel, e na regularidade do atendimento aos objetivos da concessão.
Art.7º. O Poder Executivo, tendo-se em vista o interesse público de fomento ao esporte, concederá à concessionária isenção das tarifas de água e esgoto pelo prazo de 5 (cinco) anos.
Art.8º. No contrato, deverão ficar constando obrigatoriamente, sob pena de nulidade do ato, as seguintes condições:
a)cláusula de revogação da concessão, caso, venha a ocorrer descumprimento de quaisquer condições desta lei;
b)cláusula de que, ocorrendo a anulação ou revogação desta concessão, a qualquer tempo, a devolução do imóvel será feita ao patrimônio público, sem qualquer indenização pelas benfeitorias feitas no imóvel pela concessionária;
c)cláusula de que, vencido o prazo da concessão, o imóvel será reintegrado ao patrimônio público, com todas as benfeitorias realizadas, sem qualquer indenização, exceção feita à hipótese de prorrogação contratual;
d)cláusula de que, se a qualquer tempo a concessionária vier a se extinguir ou mudar de finalidade, em especial a não participação em time de futebol profissional inscrito junto à Federação Paulista de Futebol, por período superior a 2 anos, o contrato se extinguirá de imediato, ficando a mesma obrigada a restituir o imóvel, com as benfeitorias nele feitas, independentemente de qualquer indenização;
e)cláusula de que, a concessionária se obriga a manter, durante todo o período de concessão, com a ressalva constante na alínea anterior, um time de futebol profissional inscrito junto à Federação Paulista de Futebol, participando dos campeonatos promovidos por aquela entidade;
f)cláusula de que, a concessionária se obriga a divulgar pelo menos a parte representativa da denominação de nosso município, ou seja, ‘SALTO’, no uniforme do time de futebol profissional a ser criado, assim como nos materiais de propaganda da referida equipe;
g)cláusula de que, a concessionária se obriga a promover o aumento das arquibancadas, estas obrigatoriamente em alvenaria, com o atingimento (sic) da capacidade de cinco mil (5.000) lugares até 31 de dezembro de 2009, e capacidade de dez mil (10.000) lugares até 31 de dezembro de 2014;
h)cláusula de que, a concessionária permitirá à concedente a utilização do imóvel objeto da concessão, quando previamente solicitada, em especial, dentre outros, para partidas do time de futebol feminino atuante na cidade, semifinais e finais do campeonato amador, copa dos trabalhadores, atividades de atletismo, e desde que não prejudique o desenvolvimento das atividades da concessionária, em especial no que concerne aos fins principais a que se destina o imóvel objeto desta concessão, qual seja, a prática desportiva;
i)cláusula de que diante de qualquer alteração no quadro societário da empresa de que trata o artigo 1º, que está recebendo o bem público, deverá ser antes autorizado pelos Poderes Executivo e Legislativo;
j)cláusula de que a empresa de que trata o art.1º desta lei, comprovará anualmente o processo de socialização de todos os atletas menores de 16 anos, com demonstrativo de freqüência e aproveitamento escolar.
Art.9º. Fica autorizada à concessionária a exploração e locação dos espaços internos, dentre os quais, os reservados a Bar/Lanchonete e Academia, assim como os espaços de publicidade, tanto interna como externa do imóvel objeto da concessão, ficando isenta do recolhimento das taxas devidas.
Parágrafo único. A exploração de publicidade nos espaços externos do imóvel ficará sujeita à prévia aprovação da Secretaria competente da concedente.
Art.10. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”
Entretanto,
referido ato normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática
constitucional.
2)Violação da separação de poderes.
A Lei nº 2.863/08, de Salto, viola a regra da
separação de poderes, prevista no art.5º e §§, e art.47 II e XIV da
Constituição do Estado.
A concessão de uso, como anota Hely
Lopes Meirelles é “contrato
administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um
bem de seu domínio particular, para que o explore segundo sua destinação
específica. O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos demais
institutos assemelhados – autorização e permissão de uso – é o caráter
contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o
utilize com exclusividade e nas condições convencionadas com a Administração”
(Direito Administrativo Brasileiro,
33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.529).
A doutrina, de outro lado, indica a
necessidade de autorização legislativa como um dos pré-requisitos para a
concessão (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito
Administrativo Brasileiro, cit., p.529; Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ªed., São
Paulo, Saraiva, 1993, p.531; Odewte Medauar, Direito Administrativo Moderno, 5ªed., São Paulo, RT, 2001, p.294;
entre outros), exigência essa que se faz presente também no art.19 V da
Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art.144 da mesma
Carta.
Entretanto, no caso em exame, a lei foi
além de simplesmente autorizar a concessão do uso do imóvel, indicando o
respectivo destinatário.
Ainda que tenha a iniciativa legislativa
tenha partido do Chefe do Executivo, quando da apresentação do projeto de lei
que culminou sendo convertido na Lei nº 2.863/08 de Salto, o fato é que o ato
normativo significa, na prática, violação da regra da separação de poderes, por
delegação de atribuições do Executivo ao Legislativo, expressamente
proibida no §1º do art.5º da Constituição Paulista.
Escolher o destinatário da concessão,
previamente autorizada por ato legislativo, é decisão que cabe exclusivamente
ao Poder Executivo. Ao indicá-lo, a lei assume feição de ato administrativo
concreto, embora se trate, do ponto de vista meramente formal, de ato
normativo. Daí a quebra da regra da separação de poderes.
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, praticou verdadeiro ato materialmente administrativo, ao escolher o
destinatário da concessão de uso do imóvel público. E o fato de se tratado de
projeto de lei de iniciativa do Executivo não altera tal quadro, dada a vedação
à delegação de poder do Executivo ao Legislativo.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa,
que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento,
a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a
Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico
e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio
constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da
Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza, ademais, que “todo ato do
Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da
Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo,
por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local
(CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência
que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem
declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar
que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes. Confira-se os seguintes julgados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo,
j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI
142.496-0/9-00, rel. Junqueira Sangirardi, j. 07.05.08, v.u.; ADI °
154.411-0/5-00, rel. Walter Swensson, j.02.04.08, v.u..
3)Violação do princípio da
impessoalidade.
Não bastasse isso, foi violado o princípio da
impessoalidade, previsto no art.111 da Constituição do Estado, aplicável ao
Município por força do art.144 da mesma Carta.
Note-se que ao indicar o beneficiário
da concessão, o ato normativo não deixou qualquer espaço para decisão por parte
da Administração, violando a impessoalidade que deve imperar na esfera da
atividade legislativa.
A
respeito do princípio da impessoalidade, anota Edmir Netto de Araújo que seu sentido
é o da “imparcialidade, significando que
a Administração não pode agir motivada por interesses particulares, interesses
políticos, de grupos, por animosidades ou simpatias pessoais, políticas,
ideológicas, etc., implicando sempre em regra de agir objetiva para o
administrador” (Curso de direito
Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p.56).
Ou então, como pontua Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, “o princípio estaria
relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade
administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a
prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse
público que tem que nortear o seu comportamento” (Direito administrativo, 19ªed., São Paulo, Atlas, 2006, p.85).
É assente no E. STF, ser imperativo o
respeito aos princípios constitucionais da Administração, tendo ficado
assentado que:
“"A Administração Pública é norteada por princípios conducentes à segurança jurídica — da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A variação de enfoques, seja qual for a justificativa, não se coaduna com os citados princípios, sob pena de grassar a insegurança." (MS 24.872, voto do Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-6-05, DJ de 30-9-05).
E
mutatis mutandis, os princípios
constitucionais da Administração Pública são aplicáveis ao Poder Legislativo
quando da elaboração de leis. Não é aceitável que determinado diploma legal
estabeleça cláusula que crie favorecimento a particular determinado.
Daí a inconstitucionalidade da regra,
tomando como parâmetro o art.111 da Constituição do Estado.
4)Violação do princípio da licitação.
Houve também violação ao princípio constitucional da
licitação, que decorre do art.117 da Constituição do Estado, aplicável aos
Municípios por força do art.144 da mesma Carta.
O art.117 da Constituição Paulista, que
reproduz o art.37 XXI da Constituição da República, é bem verdade, faz ressalva
quanto à possibilidade de não realização de licitação, “nos casos especificados
na legislação”.
Entretanto, cabendo à União legislar a
respeito de regras gerais sobre licitação e contratos da Administração Pública
direta e indireta (art.22 XXVII da CR/88), regula a matéria a Lei nº 8.666/93.
As hipóteses de dispensa e inexigibilidade
de licitação, como é cediço, estão previstas no art.24 e no art.25 da Lei nº
8.666/93, e, quando presentes, exigem a justificação formal, em processo
administrativo, nos termos do art.26 da referida lei.
Ao simplesmente determinar a realização
de contrato de concessão com determinada beneficiária, criando uma hipótese sui generis de dispensa não prevista no
ordenamento, o legislador fere diretamente o próprio princípio da licitação,
assente no ordenamento constitucional.
É o que anota José Afonso da Silva, ao
afirmar que “o princípio da licitação
significa que essas contratações ficam sujeitas, como regra, ao procedimento de
seleção de propostas para vantajosas para a Administração Pública. Constitui um
princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade
administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder
Público” (Curso de Direito
Constitucional Positivo, 28ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.672).
Anote-se que o E. STF tem reconhecido a
inconstitucionalidade de leis que ferem o princípio da impessoalidade, que deve
imperar na atividade estatal. Confiram-se os seguintes precedentes: ADI 3.853,
Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 12-9-07, DJ de 26-10-07; ADI 1267/AP,
Rel. Min. Eros Grau, j. 30/09/2004, DJ 10-08-2006; ADI 100/MG, Rel. Min. Ellen
Graice, j. 09/09/2004, DJ 01-10-2004;
5)Concessão de isenção fiscal sem lei
específica.
Não
bastasse isso, como se verifica no art.7º e 9º da Lei Municipal nº2.863/08, de
Salto, foi determinada a isenção de tarifas de água e esgoto para a
concessionária pelo prazo de cinco anos, bem como isenção quanto ao
recolhimento de taxas de polícia para a exploração de espaços internos
(bar/lanchonete e academia) e publicidade.
Há
exigência constitucional expressa no sentido de que a lei que concede o
benefício fiscal seja específica, nos termos do art.163 §6º da Constituição
Estadual, red. da EC 21/2006 (que reproduz o art.150 §6º da CF/88, red. EC
03/93).
A exigência de “lei específica”
significa, em outras palavras, que o diploma deve tratar exclusivamente daquela
matéria, definindo, além disso, elementos concretos objetivos e subjetivos,
que permitam identificar as hipóteses em que o benefício será aplicável, bem
como seus beneficiários.
A
exigência de lei específica demonstra que o estabelecimento de qualquer
benefício fiscal encontra-se inserido no âmbito das matérias
constitucionalmente atribuídas ao Poder Legislativo. A lei que concede o
benefício fiscal deve conter conteúdos mínimos que indiquem os grupos ou
classes de pessoas beneficiadas, as hipóteses abrangidas, bem como os
pressupostos ou requisitos para a obtenção do favor fiscal.
Trata-se de reserva de lei formal, pois
aludida matéria não pode ser objeto pura e simplesmente de ato regulamentar.
Em
outras palavras, não é possível que a autorização seja concedida pela lei de
forma “genérica”. A não observância de indicadores concretos e mínimos,
delimitando a abrangência do benefício fiscal, configura verdadeiro “cheque em
branco” para o administrador público, que poderá outorgar favores fiscais a
quem bem entender, ainda que a pretexto de aplicar a lei.
Tratando
do tema da anistia tributária, em raciocínio aplicável ao caso, anota Ricardo
Lobo Torres que se veda “a autorização em
branco” (Curso de direito financeiro
e tributário, 14ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p.316).
No dizer de Hely Lopes Meirelles,
referindo-se à isenção tributária, “prática
inteiramente ilegal é a concessão de isenções por ato administrativo do
prefeito. O Chefe do Executivo só pode deferir as isenções nos termos da lei
isentadora. Seu ato será meramente declaratório do benefício legal, desde que o
contribuinte comprove a satisfação de
todos os requisitos exigidos pela norma disciplinadora da isenção” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.188, g.n.).
De outro lado, Leandro Paulsen,
invocando excerto doutrinário da lavra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior a
respeito do sentido da expressão “lei específica” contida no art.150 §6º da
CF/88, averba que “esta lei deve ser
específica. Específica opõe-se a genérico (...)
diz-se que o preceito é genérico ou porque se dirige a todos os
destinatários (generalidade pelo sujeito) ou porque sua matéria consiste num
tipo abstrato (generalidade pelo objeto). Em contraposição, o específico o será
também pelo sujeito (individuação do destinatário) ou pelo objeto
(singularização da matéria). A exigência de lei específica significa, nesse
sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um
conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição
da facti species normativa, i. é,
pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto. (...) a lei específica, segundo o §6º do art.150
da Constituição, deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou
regular exclusivamente os correspondentes tributo ou contribuição. (‘A
noção de lei específica no art.150 §6º, a CF, e a recepção dos Decretos-leis
2163/84 e 1184/71’, em RDT 70, p.181-188)”, apud Leandro Paulsen, Direito
Tributário, 9ªed., 2ª tir., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007,
p.267, g.n.).
No E. STF, confira-se: ADI 155, Rel.
Min. Octavio Gallotti, julgamento em 3-8-98, DJ de 8-9-00.
Em síntese, se a lei não trata apenas
da isenção fiscal, mas de outros temas, mostra-se incompatível com a exigência
contida no art.163 §6º da Constituição Estadual, red. da EC 21/2006 (que
reproduz o art.150 §6º da CF/88, red. EC 03/93).
6)Violação da moralidade administrativa.
O ato normativo impugnado também viola
o princípio da moralidade administrativa, previsto no art.111 da Constituição
do Estado, aplicável aos Municípios por força do art.144 da Carta Paulista.
Em oportuna síntese, anota Maria Sylvia
Zanella Di Pietro que “sempre que em
matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do
administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com
a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os
princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará
havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (Direito Administrativo, 19ª ed., São
Paulo, Atlas, 2006, p.94).
No caso em exame evidencia-se a
violação ao princípio da moralidade administrativa.
Isso
decorre da verificação de que, mesmo em se tratando de um Município que ostenta
problemas sociais e estruturais, o Poder Público simplesmente abdica por
completo da obtenção de receitas legítimas relacionadas tanto à exploração de
imóvel de seu patrimônio (estádio de futebol e respectivas instalações e
espaços para publicidade), bem como do recolhimento de taxas de água e esgotos
e de polícia, em benefício da exploração de atividade de natureza particular e
econômica, que renderá, seguramente, benefícios financeiros à empresa
concessionária.
7)Violação da razoabilidade.
Restou violado também o princípio da razoabilidade,
que encontra assento no art.111 da Constituição do Estado de São Paulo.
Não se mostra razoável que um bem público de tamanha
importância e grandeza (estádio de futebol e respectivas instalações) seja
simplesmente entregue à exploração de particular, por considerável lapso
temporal (quinze anos), e ainda com isenção de tributos, com pouquíssimas e
quase que insignificantes contrapartidas.
Esse enorme favor legal demonstra que a solução
prevista na lei fere o princípio da razoabilidade, ao criar um ônus
desnecessário, inapropriado, e descabido para a Administração Pública.
Como
anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a afastar o arbítrio que decorrerá da
desadequação entre meios e fins”, tendo importância tanto quando da criação
da norma, como quando de sua aplicação. Ademais, prossegue o autor, “o princípio da proporcionalidade, uma vez
admitido como um princípio substantivo autônomo, como é considerado na doutrina
alemã do Direito Público, e não apenas com o sentido estrito contido no
conceito de razoabilidade, prescreve, especificamente, o justo equilíbrio entre
os sacrifícios e os benefícios resultantes da ação do Estado” (Curso de direito administrativo, 14ªed.,
Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.101). Também nesse sentido Maria Sylvia
Zanella Di Pietro (Direito administrativo,
19ªed., São Paulo, Atlas, 2006, p.95).
Em sede doutrinária, Gilmar Ferreira
Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Pretório
Excelso, anotou “de maneira inequívoca a
possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua
dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim
perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção
entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do STF,
publicado em Direitos fundamentais e
controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83).
Na hipótese em exame é absolutamente
desproporcional a previsão legal, no cotejo entre os fins pretensamente
almejados pela norma, e o ônus imposto ao erário (proporcionalidade strictu senso).
8)Da liminar.
Estão
presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum
in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato
normativo impugnado.
A razoável fundamentação jurídica
decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que o
diploma impugnado na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre
especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia
do ato normativo questionado, ocorrerá a exploração comercial do bem público,
bem como serão aplicadas as isenções tributárias previstas na lei. Tal situação
gerará (possivelmente já venha gerando) prejuízo material incomensurável ao
erário, que dificilmente poderá ser reparado. É nítida a ocorrência da hipótese
do fato consumado.
Ademais, em hipótese similar em que o
E. STF concedeu a liminar para a suspensão de lei que concedia remissão fiscal,
ficou consignada a necessidade da medida em casos dessa natureza (ADI MC
3462-6/PA, rel. Min. Ellen Gracie, 08.09.2005).
Acrescente-se que a idéia do fato
consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da
necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente
será viável restabelecer o status quo
ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia
da lei, cuja inconstitucionalidade é palpável, evitará maiores prejuízos, além
daqueles que já sofridos até o momento.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se a
concessão da liminar, para fins de suspensão
imediata da eficácia do ato normativo impugnado, ou seja, a Lei Municipal nº2.863, de 11 de janeiro
de 2008, de Salto, até o julgamento final da presente ação.
Pelos motivos expostos, a providência é
indispensável, para a eficácia teórica e prática do provimento esperado, de
procedência desta ação.
9)Conclusão e pedido.
Diante
do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade da Lei Municipal
nº2.863, de 11 de janeiro de 2008, de Salto.
Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal de Salto, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para
fins de manifestação final.
São Paulo, 08 de agosto de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça