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Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Constituição Republicana, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n. 22.799/07), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,

com pedido de liminar, da Lei n. 1.825, de 30 de dezembro de 2002, do Município de Pirajuí[1], pelas razões e fundamentos a seguir expostos:

 

                   O diploma normativo em epígrafe apresenta a seguinte redação:

         “Art. 1.º - Fica instituído no Município de Pirajuí, a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública – CIP, prevista no artigo 149-A da Constituição Federal.

         Parágrafo Único – O serviço previsto no ‘caput’ deste artigo compreende o consumo de energia destinada à iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública.

         Art. 2.º - É fato gerador da CIP o consumo de energia elétrica por pessoa natural ou jurídica, mediante ligação regular de energia elétrica no território do Município.

         Art. 3.º - Sujeito passivo da CIP é o consumidor de energia elétrica residente ou estabelecido no território do Município e que esteja cadastrado junto à concessionária distribuidora de energia elétrica titular da concessão no território do Município.

         Art. 4.º - A base de cálculo da CIP é o valor mensal do consumo total de energia elétrica constante na fatura emitida pela empresa concessionária distribuidora.

         Art. 5.º - As alíquotas de contribuição são diferenciadas conforme a classe de consumidores e a quantidade de consumo em Kw/h, conforme a tabela anexa, que é parte integrante desta lei.

         § 1.º - Estão isentos da contribuição os consumidores da classe residencial com consumo de até 50 Kw/h.

         § 2.º - Estarão excluídos da base de cálculo da COSIP, valores de consumo que superarem os seguintes limites:

a) classe industrial: 10.000 Kw/h/mês;

b) classe comercial: 7.000 Kw/h/mês;

c) classe residencial: 3.000 Kw/h/mês;

d) classe rural: 0,0 Kw/h/mês;

e) classe serviço público: 7.000 Kw/h/mês;

f) classe poder público: 7.000 Kw/h/mês;

g) classe consumo próprio: 7.000 Kw/h/mês;

         § 3.º - A determinação da classe/categoria de consumidor observará as normas da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – ou órgão regular que vier a substituí-la.

         Art. 6.º - A CIP será lançada para pagamento juntamente com a fatura mensal de energia elétrica.

         § 1.º - O Município conveniará ou contratará com a Concessionária de Energia Elétrica a forma de cobrança e repasse dos recursos relativos à esta contribuição.

         § 2.º - O convênio ou contrato a que se refere o ‘caput’ deste artigo deverá, obrigatoriamente, prever repasse imediato do valor arrecadado pela concessionária ao Município, retendo os valores necessários ao pagamento da energia fornecida para iluminação pública e os valores fixados para remuneração dos custos de arrecadação e de débitos que, eventualmente, o Município tenha ou venha a ter com a concessionária, relativos aos serviços supra citados.

         § 3.º - O montante devido e não pago da CIP a que se refere o “caput” deste artigo será inscrito em dívida ativa, 60 dias após à verificação da inadimplência;

         § 4.º - Servirá como título hábil para a inscrição:

I – a comunicação do não pagamento efetuada pela concessionária que contenha os elementos previstos no art. 202 e incisos do Código Tributário Nacional;

II – a duplicata da fatura de energia elétrica não paga;

III – outro documento que contenha os elementos previstos no art. 202 e incisos do Código Tributário nacional.

         § 5.º - Os valores da CIP não pagos no vencimento serão acrescidos de juros de mora, multa e correção monetária, nos termos da legislação tributária municipal:

         Art. 7.º - Fica criado o Fundo Municipal de Iluminação Pública, de natureza contábil e administrado pela Diretoria da Divisão Financeira do Município.

         Parágrafo Único – Para o Fundo deverão ser destinados todos recursos arrecadados com a CIP para custear os serviços de iluminação pública.

         Art. 8.º - O superávit na arrrecadação da Contribuição para Custeio de Iluminação Pública (CIP) será obrigatoriamente aplicado na expansão e melhoria da rede de energia elétrica.

Parágrafo Único. O superávit estabelecido no “caput” deste artigo deverá ser devolvido no mês posterior ao da arrecadação.

         Art. 9.º - Fica o Poder Executivo autorizado a firmar com a concessionária ou permissionária do seu município, o convênio ou contrato a que se refere o art. 6.º.

         Art. 10 – Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas eventuais disposições em contrário.”

 

                   A legislação municipal acima reproduzida – como será visto na seqüência - é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, mais precisamente com os seus arts. 5.º, 111, 144, 160, § 1.º e 163, inciso II, que dispõem o seguinte:

        

         “Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

         § 1.º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

         Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

         Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

         (Art. 160) § 1.º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

         Art. 163 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:

         II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

 

                   Na ordem constitucional em vigor, os Municípios integram a federação e têm assegurada sua autonomia, atendidos os princípios estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado (CF., art. 29). Essa autonomia se revela pelas competências outorgadas a tais entes federativos para legislarem sobre assuntos de interesse local; suplementarem a legislação federal e a estadual no que couber; instituírem e arrecadarem os tributos que lhes são próprios (CF., art. 30), a par de outras.

                   É bem de ver, porém, que a competência tributária dos entes públicos municipais - consubstanciada na capacidade de instituir tributos - encontra limites nas normas da Constituição Federal ([2]) atinentes ao Sistema Tributário Nacional (CF., art. 145 e segs.), que envolvem princípios incontornáveis, dentre os quais as regras matrizes dos tributos.

                   Realmente, mesmo admitindo-se que a Constituição em vigor não criou tributos, é certo que, além de discriminar competências, ela traçou a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem ser instituídos pelas entidades estatais. Assim, ao conferir às pessoas políticas competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições, a Constituição Federal no seu art. 145 classifica juridicamente os tributos, traçando o modelo de cada um deles e vinculando ao legislador ordinário.

                   De acordo com o magistério de ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital)  enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.” (Cf. “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 4.ª ed., p. 257).

                   Nesse mesmo sentido é a orientação que emerge da mais alta Corte Judiciária do país, ‘verbis’: “O fundamento do poder de tributar (...) reside no dever jurídico de essencial e estrita fidelidade dos entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Constituição da República. (v. Despacho do Ministro-Presidente CELSO DE MELLO, publicado no Informativo n.º 125), sendo, portanto, inconstitucional qualquer tributo criado fora desses limites.      

                  Vistos esses aspectos, tem-se no caso sob exame que – com fundamento no permissivo do art. 149-A da Constituição Federal - a Câmara de Vereadores de Pirajuí editou a Lei n.º 1.825, de 30 de dezembro de 2002, instituindo a cobrança de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública que tem por fato gerador ‘o consumo de energia elétrica por pessoa natural ou jurídica, mediante ligação regular de energia elétrica no território do Município’ (art. 2.º), sujeito passivo ‘o consumidor de energia elétrica residente ou estabelecido no Município e que esteja cadastrado na distribuidora de energia elétrica da região’ (art. 3.º), base de cálculo ‘o valor mensal do consumo total de energia elétrica constante nas faturas emitidas pela empresa concessionária e/ou permissionária, a seus consumidores (art. 4.º) e alíquota que estabelecida conforme a classe de consumidores e a quantidade de consumo em Kw/h. (art.5.º)

                   E, a propósito, vale lembrar que antes de promulgada a EC n.º 39/02, a qual possibilitou a instituição e a cobrança desse tributo, inúmeros Municípios implantaram a taxa de iluminação pública, declarada inconstitucional pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (RREE 231.764 e 233.332), por referir-se a serviço inespecífico e indivisível.

                   Ocorre que, nada obstante o advento da EC n.º 39/02, quando autorizou a cobrança de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, a Lei n.º 039/02 contrariou frontalmente a Constituição, fugindo do modelo por esta traçado, ao instituir a progressividade de alíquotas em função da classe de consumidores e da quantidade de consumo medida em Kw/h, nos termos da tabela que veicula.

                  Com efeito, a lei em questão dispôs no seu art. 5.º que “as alíquotas de contribuição são diferenciadas conforme a classe de consumidores (Industrial, Comercial, Residencial, Serviço Público, Poder Público e Consumo próprio) e a quantidade de consumo medida em Kw/h”.

                   O § 2º do art. 5º, por sua vez, fixou alíquotas progressivas para a cobrança da contribuição de iluminação pública, nas seguintes classes:

a) classe industrial: 10.000 Kw/h/mês;

b) classe comercial: 7.000 Kw/h/mês;

c) classe residencial: 3.000 Kw/h/mês;

d) classe rural: 0,0 Kw/h/mês;

e) classe serviço público: 7.000 Kw/h/mês;

f) classe poder público: 7.000 Kw/h/mês;

g) classe consumo próprio: 7.000 Kw/h/mês;

 

                   Entretanto, por sua natureza peculiar, a contribuição de iluminação pública não condiz com o regime de alíquotas progressivas, tal como previsto na lei ora discutida, mormente pela ausência de autorização constitucional expressa. Isso significa dizer que esse tipo de tributo não pode variar na razão da presumível capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária. 

                  Mesmo se fosse juridicamente possível a adoção do critério da progressividade na definição das alíquotas dessa contribuição, o que se admite tão-só para argumentar, não haveria como aferir a capacidade contributiva simplesmente pelo padrão de consumo de energia elétrica medido em Kw/h, de acordo com a respectiva classe de consumidores (Industrial, Comercial, Residencial, Serviço Público e Poder Público), uma vez que esse critério não se presta à efetiva realização da justiça tributária.

                   Com efeito, o critério legalmente eleito - a quantidade de consumo medida em Kw/h - não permite avaliar a real capacidade econômica do contribuinte. Para que se alcance a isonomia tributária, por meio de avaliação da capacidade econômica do contribuinte, é indispensável a consideração de outros dados, como os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, conforme expresso na regra constitucional.

                   Apenas para ilustrar essa situação, tome-se como exemplo o imóvel de alto padrão que seja habitado por apenas um morador, o qual passa a maior parte do tempo fora. Certamente, o seu consumo de energia elétrica será infinitamente inferior ao de uma moradia coletiva (v.g. um cortiço), que, em regra, é ocupada por pessoas mais humildes. Por conta do critério legalmente estabelecido, essas últimas serão obrigadas ao pagamento de contribuição de iluminação pública em montante superior ao do primeiro, o que, além de desarrazoado, atenta contra o postulado constitucional da isonomia.

                   Daí a lúcida advertência lançada pelo Des. PAULO SHINTATE, ao examinar propositura semelhante, “verbis”: “essa progressividade (...) estabelecida de forma desvinculada da objetiva e adequada avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo conduz, ao contrário do pretendido pela norma constitucional, à injustiça e à quebra do princípio da isonomia tributária.” (ADIn n.º 059.340.0/8, j. em 26/04/2000).

                  E, demais disso, tem prevalecido no Excelso Pretório o entendimento de que o legislador ordinário, fora das hipóteses taxativamente indicadas no texto da Carta Política (arts. 153, § 2.º, I, 153, § 4.º, 156, § 1.º, 182, § 4.º, II, 195, § 9.º), não pode valer-se da progressividade na definição de alíquotas pertinentes à contribuição previdenciária (ADIn n.º 2062/DF) [3]. Embora no precedente em foco tenha sido tratado especificamente da instituição de alíquotas progressivas à cobrança de contribuição previdenciária, os seus fundamentos são aplicáveis a este caso, em que se contesta a adoção por lei do critério da progressividade na cobrança da contribuição de iluminação pública.

                   De resto, cumpre anotar que, em se tratando de contribuição destinada ao custeio do serviço de iluminação pública, a sua base de cálculo deveria guardar alguma relação com essa atividade estatal. Contudo, a lei prevê no seu art. 4.º que: “A base de cálculo da CIP é o valor mensal do consumo total de energia elétrica constante na fatura emitida pela empresa concessionária distribuidora.”

                   Após dispor que as alíquotas são diferenciadas, a lei determinou a sua incidência sobre o valor do consumo mensal de energia elétrica (Kw/h) do próprio contribuinte. Assim, para a determinação do montante a ser pago a título de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, basta converter a unidade de medida em expressão monetária e aplicar, sobre o valor apurado, a alíquota respectiva.

                   Tal critério, “data venia”, é inconstitucional, à medida que a base imponível desse tributo é totalmente dissociada da atuação estatal, pois leva em conta fator que serve de fundamento à cobrança do ICMS: o consumo de energia elétrica pelo contribuinte das classes industrial, comercial e residencial, donde configurada a bitributação.

                   Em conclusão, o ato legislativo em epígrafe é materialmente inconstitucional porque: (a) a Constituição não autoriza a adoção de alíquotas progressivas na cobrança da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública; (b) o critério legalmente eleito [que considera apenas a quantidade de consumo medida em Kw/h] não permite determinar a capacidade contributiva, sendo, portanto, ofensivo à razoabilidade e à isonomia, (c) da forma como instituída a sua cobrança, tomando por base o consumo de energia elétrica do contribuinte, a contribuição criada por essa lei praticamente se equipara a imposto estadual (ICMS), donde configurada, na espécie, a bitributação.

                   Remanesce, no caso, a necessidade da concessão de medida liminar. É que, quando se trata do controle normativo abstrato, e uma vez verificada a cumulativa satisfação dos requisitos legais concernentes ao “fumus boni júris” e ao “periculum in mora”, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia da norma impugnada, até o final julgamento da respectiva ação direta de inconstitucionalidade.

                   E, nesse passo, releva notar que a plausibilidade jurídica da tese exposta na inicial é evidente, não admitindo maiores questionamentos, ante a adoção por lei de critério de cobrança desarrazoado, arbitrário e que se revela sobremaneira ofensivo ao princípio da isonomia tributária, para o custeio do serviço de iluminação pública.

                   E, por outro lado, também está delineada a situação de risco, caracterizadora do ‘periculum in mora’, tanto mais porque “em matéria tributária há um permanente estado de ameaça gerada pela potencialidade de ato administrativo fiscal dirigido ao contribuinte” (STJ - 1ª Turma, j. 21.8.97, rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJU de 10.11.97, p. 57.703). Assim, o contribuinte estará sendo compelido a pagar uma exação cuja constitucionalidade é contestada seriamente aqui – e certamente o fará por temor às sérias conseqüências que a lei empresta ao inadimplemento de débitos tributários. Salvo, é claro, se ele estiver amparado pela medida liminar que ora se pleiteia.

 

                   Como a CIP atinge milhares de pessoas, a repetição do indébito exigirá a multiplicação de longas e dispendiosas demandas. Ou seja, estar-se-á sujeitando o contribuinte a uma situação semelhante à anacrônica regra do solve et repete.  Em suma: há justo receio de lesão ao direito que tem o contribuinte de não pagar uma dívida tributária cuja fonte normativa foi moldada em total afronta às normas constitucionais. De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do STF, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. CELSO DE MELLO; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

                   E tais afirmações se ajustam com precisão aos casos, como o presente, cuja matéria em discussão é tributária. Com efeito, as limitações constitucionais ao poder estatal de tributar têm manifesta relevância e é inegável que convém ao bem comum assegurar o efetivo império de seus princípios. Como se sabe, “o exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional, que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes”. Bem por isso, “os princípios constitucionais tributários (...), sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal” (ADIN-MC 712-DF, rel. Min. CELSO DE MELLO, j. em 7.10.92).

                   Acrescente-se que esse E. Tribunal de Justiça já reconheceu, em precedentes, a inconstitucionalidade de leis municipais que instituem a Contribuição para Custeio da Iluminação Pública, utilizando a progressividade em sua base de cálculo. A título de exemplificação, confira-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Demanda objetivando a desconstituição da Lei nº 1.371, de 3 de dezembro de 2003, do Município de Echaporã, que “dispõe sobre a instituição, no Município de Echaporã da Contribuição para Custeio da Iluminação Pública – CIP, prevista no artigo 149-A da Constituição Federal” – Contribuição para custeio da iluminação pública – Lei que institui alíquotas progressivas – “Art. 5º ‘caput’ – As alíquotas de contribuição são diferenciadas conforme a classe de consumidores e a quantidade de consumo medida em KW/h, conforme a tabela anexo I” – O legislador municipal aplicou o princípio da capacidade contributiva à espécie tributária ‘contribuição’, sem embargo de coadunar-se, apenas, com os ‘impostos’, conforme a letra da Constituição do Estado (art. 160, § 1º), que reproduz a Carta Magna (art. 145, § 1º) – Ainda que assim não fosse, a fruição, pelos contribuintes, da iluminação pública, bem como a repartição, entre eles, dos respectivos custos, não possui qualquer relação direta com os tipos de atividades que desenvolvem, que importam, isso sim, maior ou menor gasto ‘individual’ de energia elétrica, de modo que os fatores eleitos pela lei não podem, juridicamente, servir de discriminantes de alíquotas. Nessa conformidade, a progressividade de alíquotas, presente na espécie dos autos, desatende ao ‘princípio da igualdade tributária’ (C. Est., art. 163, II) Precedentes TJSP – ADIn 104.888-0/0-00, Rel. Des. SOUSA LIMA e TJSP – ADIn 108.351-0/9-00, Rel. Des. BARBOSA PEREIRA. – Impossibilidade de parcial procedência da ação, para permitir que a lei subsista, cobrando-se, apenas, pelo menor valor previsto, pois isso implicaria em estar o Tribunal a legislar (TJSP – ADIn 104.888-0/0-00) 0 – Inconstitucionalidade da Lei n. 1.371, de dezembro de 2003, do Município de Echaporã, por afronta ao artigo 163, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo – Ação procedente.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 132.065-0/4-00 – São Paulo – Órgão Especial – Relator: Mohamed Amaro – 02.08.06 – V.U.; g.n.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE- Lei Complementar nº 03/2002 e Lei Complementar nº 01/2003, do Município de Panorama – Instituição de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública – Inconstitucionalidade – Caracterização – Afronta aos arts. 111, 144, 160, parágrafo 1º, e 163, inciso II, todos da Constituição Estadual – Progressividade de alíquotas – Inexistência de previsão constitucional – Faixas de consumo de energia elétrica – Critério que não permite avaliar a real capacidade contributiva – Inobservância dos princípios da razoabilidade e da isonomia – Subsistência parcial das leis – Impossibilidade – Tribunal que não pode legislar – Leis declaradas inconstitucionais – Ação procedente, mantidos até a data do julgamento os efeitos da liminar” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 130.412-0/4-00 – São Paulo – Órgão Especial – Relator: Sousa Lima – 22.11.06 – V.U.; g.n.).

                  No mesmo sentido: ADI 125.535-0/3-00, rel. Des. Jarbas Mazzoni, j.08.11.06, v.u.; ADI 123.974-0/1-00, rel. Des. Denser de Sá, j.24.01.07, v.u.; ADI 129.272.0/1, rel. Des. Sousa Lima, j.21.03.07, v.u.).

                   À vista do exposto, e após a concessão da medida liminar, requeiro seja autorizado o processamento da presente ação, colhendo-se as informações do Prefeito e da Câmara Municipal de Pirajuí, sobre as quais me manifestarei oportunamente, vindo, no final, a ser declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 1.825, de 30 de dezembro de 2002, do Município de Pirajuí.

São Paulo, 26 de maio de 2008.

 

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

(2)

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 164.693.0/9-00

Autor: Procurador-Geral de Justiça

Objeto de impugnação: Lei n. 1.825, de 30 de dezembro de 2002, do Município de Pirajuí

 

 

Ementa: 1) Lei n. 1.825, de 30 de dezembro de 2002, do Município de Pirajuí, que institui a Contribuição para Custeio da Iluminação Pública prevista no artigo 149-A da Constituição Federal; 2) Revogação da lei impugnada após a propositura da ação direta; 3) Carência superveniente; 4) Parecer pela extinção do processo sem resolução do mérito.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

A presente ação direta foi ajuizada para sindicar a Lei n. 1.825, de 30 de dezembro de 2002, do Município de Pirajuí, que institui no Município de Pirajuí a Contribuição para Custeio da Iluminação Pública prevista no artigo 149-A da Constituição Federal.

Devidamente citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 50/52.

O Prefeito Municipal foi devidamente notificado e prestou as informações de fls. 42/43. 

A Câmara Municipal, por sua vez, manifestou-se a fls. 59/61.

É o breve relato.

A presente ação direta deve ser extinta sem resolução do mérito, considerando a informação prestada pelas autoridades municipais, atestando a revogação da lei impugnada pela Lei n. 2.076, de 4 de novembro de 2008.

Sendo assim, com o advento da lei revogadora, o presente processo deve ser extinto sem resolução do mérito, em razão da carência superveniente, que impede qualquer exame da constitucionalidade da lei revogada.

Ensina Eduardo Alvim (Curso de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 1, p. 158) que “as condições da ação devem mostrar-se presentes ao longo de todo o procedimento, caso contrário haverá carência superveniente, ensejando a extinção do processo sem julgamento do mérito”.

Em relação à ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “a revogação do ato normativo impugnado ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação direta, mas anteriormente ao seu julgamento, a torna prejudicada, independentemente da verificação dos efeitos concretos que o ato haja produzido, pois eles têm relevância no plano das relações jurídicas individuais, não, porém, no controle abstrato das normas. Ação Direta de inconstitucionalidade não conhecida, por estar prejudicada pela perda de seu objeto.” (STF, ADIn nº 070-0, publicada no DOU de 20.8.93, pág. 16.318).

Também não é o caso de perquirir responsabilidades de quem inseriu no mundo jurídico eventual legislação inconstitucional. A respeito, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 77): “a identificação entre a vontade do representante e a vontade da Nação, ou melhor, a presunção de que aquela é sempre a expressão pura e simples desta, elimina a responsabilidade pessoal do parlamentar pelos atos que, como representante, houver praticado. Sua vontade não é sua, para os efeitos de direito, é a da Nação. Destarte, os males que advierem de seus pronunciamentos não lhe são juridicamente imputáveis.”

Posto isso, requer-se a extinção do processo sem resolução do mérito.

São Paulo, 17 de fevereiro de 2009.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

/md



[1] “Institui no Município de Pirajuí a Contribuição para Custeio da Iluminação Pública prevista no artigo 149-A da Constituição Federal”.

[2] Tais normas são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios e foram reproduzidas na Constituição do Estado de São Paulo (arts. 159 e segs.)

[3] Em seu r. Voto, o Min. CELSO DE MELLO deixou anotado que: “...tratando-se de matéria sujeita a estrita previsão constitucional, inexiste espaço de liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição.”