EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 25.226/09

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 31, da Lei nº 1.655, de 10 dezembro de 2004, do Município de Itapura.

 

 

 

Ementa: 1) Lei n. 1.655, de 10 dezembro de 2004, do Município de Itapura, que institui o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS. 2) Previsão de aposentadoria por idade não inferior a 70% dos vencimentos do segurado. 3) Violação dos arts. 1º e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Ofensa ao princípio federativo.  5) Inconstitucionalidade constatada. 6) Ação Direta visando à declaração de inconstitucionalidade da norma legal impugnada.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art.31, da Lei nº 1.655, de 10 dezembro de 2004, do Município de Itapura, pelos fundamentos a seguir expostos.

DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei nº 1.655, de 10 de dezembro de 2004, do Município de Itapura criou o Regime Próprio de Previdência Social naquele município.  Em seu art. 31, resguarda o direito à pensão equivalente a, no mínimo, 70% dos vencimentos do segurado, não podendo ser inferior ao menor salário referência do município.

O texto da referida lei vem assim redigido:

“O segurado fará jus à aposentadoria por idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, calculados na forma prevista no art.55, não podendo ser inferior ao menor salário referência do município ou a 70% (setenta por cento) dos vencimentos do servidor, desde que preencha, cumulativamente, os seguintes requisitos:”

Contudo, é possível afirmar que a Lei impugnada ofende frontalmente os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 1º e 144, ao legislar contrariamente ao disposto no art.201 e seu parágrafo primeiro, da Constituição Federal; art. 27 da Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998 e art.44, da Lei n. 8.313/91, com a redação dada pela Lei n. 9.032, de 28.4.95.

É o que será demonstrado a seguir.

O ato normativo se mostra incompatível com o artigo 144 da Constituição Estadual, pois, violando-se um princípio constitucional (harmonia e independência dos poderes), o que se tem é a ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista que prevê que “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Acrescente-se também que o art. 29 caput da CR/88 estabelece tal determinação, ao prever que os Municípios, em sua organização, devem atender os princípios estabelecidos na Constituição Federal, bem como na Constituição do respectivo Estado.

Relevante notar que quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. Des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese acima aventada (possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido pela Constituição Federal), sendo relevante trazer excerto de voto do i. Desembargador Walter de Almeida Guilherme, imprescindível para a elucidação da questão, mutatis mutandis:

“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

Assim, quando o referido art.144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do Des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).

Esse mesmo fundamento, para fins de reconhecimento de inconstitucionalidade de lei municipal, foi identificado quando do julgamento da ADI 150.574-0/9-00, rel. des. Debatin Cardoso, em 07.05.08, do qual se destaca o seguinte trecho do voto vencedor:

“(...) Como bem salientado no parecer do douto Procurador-Geral de Justiça: ‘a repartição constitucional de competências é princípio estabelecido pela CF/88 (art. 1º e 18), pois reflete um dos aspectos mais relevantes do pacto federativo, ao definir os limites da autonomia dos entes que integram a Federação brasileira. Isso decorre claramente da interpretação sistemática da Constituição Federal.

Daí que, violando-se um princípio constitucional (da repartição de competências), o que se tem é a ofensa ao art.144 da Constituição Paulista’ (...)”.

Ora, o art.201 da Constituição Federal dispõe que:  “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I-                   Cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada.”    original sem grifos e saliências

E, a lei que disciplina a matéria (Lei n. 8.213/91), estatui que:

Art. 50. “A aposentadoria por idade, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício, mais 1% (um por cento) deste, por grupo de 12 (doze) contribuições, não podendo ultrapassar 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.”  original sem grifos e saliências

Por sua vez, a Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998, que dispõe sobre regras gerais para organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal, reza, em seu art. 5º que:

Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal”.   original sem grifos e saliências

Tem-se, portanto, que a lei municipal não poderia outorgar aos seus segurados algo mais, ou distinto, que a legislação federal tutela a todos os demais cidadãos, respaldada na Constituição Federal, que se encontram sujeitos ao regime geral da previdência social, sem, ofensa, inclusive, ao consagrado princípio fundamental da isonomia, de resguardo aos direitos humanos, que, no sentir de Alexandre de Moraes “tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana” (in Constituição do Brasil, art.5º, Ed. Atlas, 2002, pág.162).

Saliente-se que a legislação específica – Lei n. 8.213/91 – não resguarda a seus segurados o mesmo direito de receber pensão não inferior a 70% dos vencimentos do servidor, mas tão somente percentual sobre o salário de benefício.

Outrossim, o município deve observância aos fundamentos básicos do sistema previdenciário, de origem constitucional, o que não ocorre no caso em tela.

Veja-se, a par deste entendimento, o seguinte v. aresto da Suprema Corte, aplicável analogicamente à matéria sob exame, mais uma vez, “mutatis mutandis”:

ADI 2311 MC / MS - MATO GROSSO DO SUL
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a):  Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento:  07/03/2002           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação

DJ 07-06-2002 PP-00081          EMENT VOL-02072-01 PP-00154

Parte(s)

REQTE.    : GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

ADVDOS.   : PGE-MS - WILSON VIEIRA LOUBET E OUTRO

REQDA.    : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Ementa

EMENTA:- Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Estadual n.º 2.120/99. Alegação de que a Lei Estadual violou os arts. 25, §§ 1º e 4º, 40 e 195, "caput", § 5º, da CF, ao indicar "os filhos solteiros, com idade até 24 anos e freqüência a cursos superiores ou técnico de 2º grau como dependentes, para fins previdenciários, no Estado do Mato Grosso do Sul. 2. O art. 195, da CF, na redação da EC n.º 20/98, estipula que nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. A Lei n.º 9.717/98 dispôs sobre regras gerais para a organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal, dando outras providências. 3. No art. 5º, da Lei n.º 9.717/98 dispõe que "os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados, e do Distrito Federal, não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei n.º 8.213/91. 4. Extensão do benefício impugnada se fez sem qualquer previsão de correspondente fonte de custeio. A competência concorrente dos Estados em matéria previdenciária, não autoriza se desatendam os fundamentos básicos do sistema previdenciário, de origem constitucional. 5. Relevantes os fundamentos da inicial. Medida liminar deferida.

 

PEDIDO DE LIMINAR.

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo impugnado, instalar-se-á, provavelmente, situação consumada, decorrente da concessão da aposentadoria proporcional com percentual mínimo de 70% dos vencimentos do pensionista.

A idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto para o Poder Público Municipal no aspecto administrativo.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, ou seja, o art.31 da Lei nº 1.655, de 10 de dezembro de 2004, do município de Itapura, durante o trâmite da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

CONCLUSÃO E PEDIDO.

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da norma aqui apontada.

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art.31, da Lei nº 1.655, de 10 de dezembro de 2004, do município de Itapura.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 10 de junho de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 25.226/09

Interessado:  Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Ilha Solteira

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 31, da Lei nº 1.655, de 10 dezembro de 2004, do Município de Itapura

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face de dispositivos do art. 31, da Lei nº 1.655, de 10 dezembro de 2004, do Município de Itapura, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

                   São Paulo, 10 de junho de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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