Excelentíssimo Senhor Desembargador
Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa: 1) Art. 4º, incisos I e II e art. 5º , incisos I, II
e III, da Lei n. 3.105 de 29 de dezembro de 2003, do Município de Guarujá que
“revalidam” benefício de lei tacitamente revogada pela nova ordem
constitucional e concedem vantagens
aos servidores municipais da Prefeitura do Município do Guarujá
regidos pela CLT, que se afiguram incompatíveis com o interesse e exigências
do serviço público e com a própria CLT. 2)Violação dos art. 111 e 128, da
Constituição do Estado de São Paulo e do parágrafo 2º do art. 61, do art. 143
e 473, I, da CLT). 4) Inconstitucionalidade reconhecida. 5) Ação Direta
visando a declaração da inconstitucionalidade das normas impugnadas. |
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas
atribuições e com fundamento nos dispositivos legais aplicáveis (art.116,
inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 - Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo -; art.125, §2º, e 129, inciso IV
da Constituição Federal; art.74, inciso VI e art.90, inciso III da Constituição
do Estado de São Paulo); com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado (PGJ nº 31460/2008), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com
pedido de medida liminar, do art. 4º , incisos I e II, art.5º, incisos I,
II, III, todos da Lei n. 3.105 de 29 de
dezembro de 2003, do Município do Guarujá, que “extingue e cria empregos públicos, institui vantagens aos servidores do
Poder Executivo Municipal, e dá outras providências”, pelos fundamentos a seguir expostos:
O art. 4º, incisos I e II, bem como, o
art. 5º , incisos, I, II e III, da Lei n. 3.105, de 29 de dezembro de 2003, do
Município do Guarujá, apresentam a seguinte redação:
“Art.
4º - Ficam estendidas aos servidores públicos do Poder Executivo Municipal do
quadro dos empregos permanentes da Prefeitura Municipal de Guarujá-CLT,
estáveis ou investidos em emprego público mediante concurso público, as
seguintes vantagens, mantidas as demais não expressamente revogadas ou
modificadas por esta lei:
I-
Com mais de cinco (05) anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha
exercer, a qualquer título, cargo, emprego ou função que lhe proporcione
remuneração superior à do emprego de que seja titular, ou função para o qual
foi admitido, a incorporação de um décimo dessa diferença, por ano, até o limite
de décimos.
II-
O percebimento de adicional por tempo de serviço concedido no mínimo por
qüinqüênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte de seu salário,
concedida aos vinte (20) anos de efetivo exercício, que se incorporarão ao
salário para todos os efeitos.
(....)
Art.
5º - Ficam asseguradas aos servidores públicos do Poder Executivo Municipal do
quadro de empregos permanentes da Prefeitura Municipal de Guarujá – CLT, as
seguintes vantagens, mantidas as demais não expressamente revogadas ou
modificadas por esta lei:
I-
Gozo de férias anuais remuneradas com cinqüenta por cento (50%) a mais do que o
salário ou vencimento normal.
II-
Remuneração do serviço extraordinário realizado em domingos ou feriados em cem
por cento (100%) do valor da remuneração normal.
III-
Licença nojo de oito (08) dias em razão de falecimento de ascendente,
descendente, cônjuge ou irmão.
Os mencionados dispositivos, tratando
do regime jurídico dos servidores públicos do Município, padecem de inconstitucionalidade:
Para a perfeita compreensão da
invalidade jurídico-constitucional dos dispositivos acima, é necessária, também
a transcrição da Lei n. 1.294, de 13 de
junho de 1976, do Município de Guarujá, o que se faz a seguir.
Lei
1.294 de 13 de julho de 1976, do Município do Guarujá que “que estende aos
servidores municipais regidos pela CLT, os benefícios de “Licença Prêmio” e dá
outras providências”:
“Art.1º. Ficam
estendidos aos servidores municipais regidos pela CLT, no que couber, os
benefícios da “Licença Prêmio”, previsto na Lei n. 1.212, de 16 de janeiro de
1975.
Art. 2º - As
despesas decorrentes da execução da presente leu correrão por conta das verbas
próprias do orçamento de 1977.
Art.3º -
Revogadas as disposições em contrário, esta lei entra em vigor em 1º de janeiro
de
Como se pode observar o art. 4º e 5º, da
Lei n. 3.105 de 29 de dezembro de 2003, revalidaram a concessão do benefício da
Licença Prêmio aos servidores regidos pela CLT, do Município do Guarujá,
sendo, inconstitucionais, como será
demonstrado a seguir.
É possível inferir do teor do art. 4º e
5º, da Lei n. 3.105 de 29 de dezembro de 2003, que os mesmos ao fazerem referência a outra
lei ( 1.294), na medida em que mantiveram
a referida vantagem (concessão de Licença Prêmio a servidores municipais regidos pela CLT), eis que não
revogaram, nem modificaram tal benefício, trataram do regime jurídico dos
servidores públicos.
Entretanto a Lei n. 1.294 de 13 de
junho de 1976, com a edição de novo regramento constitucional (Constituição
Federal de 1988; e Constituição Estadual de 1989) foi tacitamente revogada, na
medida em que os textos constitucionais trataram da matéria de forma
notoriamente incompatível com o teor das mencionadas leis.
Assim, ao editar o art. 4º e 5º , da
Lei Municipal n. 3.105 de 29 de dezembro de 2003, o legislador municipal procurou “revalidar” o
regramento contido na Lei n. 1.294 de 13 de junho de 1976, quando neles fez menção expressa, de que ficaram mantidas as vantagens anteriormente
concedidas, que não foram revogadas nem modificadas com a lei posterior.
Conseqüentemente, como a Lei Municipal n. 3.105/2003, não revogou o benefício da concessão da Licença
Prêmio aos servidores municipais regidos
pela CLT, referido benefício foi mantido, o que aliás se constata através do ofício encaminhado pelo Presidente da
Câmara Municipal de Guarujá, através do qual há informação que a Lei Municipal
n. 1.249/76, está em pleno vigor, fls. 21.
Além de “revalidar” a Lei 1.294/76, o
art. 4º, incisos I e II e o art. 5º, incisos I, II, III, da Lei n. 3.105, de 29
de dezembro de 2003, a bem da verdade, instituíram benefícios materialmente inconstitucionais,
consistente na possibilidade de concessão de licença-prêmio, de incorporação de
um décimo, por ano, até o limite de dez anos, quando houver remuneração
superior à do emprego de qual o servidor municipal seja titular, sexta-parte,
gozo de férias anuais remuneradas com cinqüenta por cento (50%) a mais do que o
salário ou vencimento normal, remuneração do serviço extraordinário realizado
em domingos ou feriados em cem por cento (100%) do valor da remuneração normal
e Licença nojo de 08 (oito) dias em razão de falecimento de ascendente,
descendente, cônjuge ou irmão para os servidores contratados pelo regime da
Consolidação das Leis Trabalhistas.
Assim o fazendo, o legislador feriu
diretamente o art.128 da Constituição do Estado, pelo qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão
ser instituídas por lei quando atendam efetivamente ao interesse público e às
exigências do serviço”.
Necessário recordar que os benefícios
da Licença Prêmio, do mencionado adicional e da sexta-parte por sua
natureza, são concedidos ao servidor estatutário, decorrendo do preenchimento
de certos requisitos, nos moldes
estabelecidos pelo estatuto da categoria.
No que diz respeito às vantagens
concedidas pelos incisos I, II e III, do
art. 5º, da Lei n. 3.105, de 29 de dezembro de 2003, aos servidores públicos regidos pela CLT, as
mesmas são por demais excessivas, contrariando não só o interesse público, eis
que implicam em aumento de despesa desnecessária e não razoável, mas
também, o parágrafo 2º do art. 61, o
art. 143 e o inciso I do art. 473, da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que
disciplinam a mesma matéria, com vantagens menores das que estão sendo ora
tratadas e foram concedidas indevidamente.
Com efeito, os dispositivos da CLT
acima mencionados assim dispõem:
Art. 61- Ocorrendo a necessidade
imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder do limite legal ou
convencional, seja para fazer face ao motivo de força maior, seja para atender
à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa
acarretar prejuízo manifesto.
(...)
§
2º - Nos casos de excesso de horário por motivo de força maior, a remuneração
da hora excedente não será inferior à da hora normal. Nos demais casos de
excesso previstos neste artigo, a remuneração será de pelo menos 25% (vinte e
cinco por cento) superior à da hora normal, e o trabalho não poderá exceder de
12 (doze) horas, desde que a lei não fixe expressamente outro limite.
(...)
Art.
143- É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a
que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria
devida nos dias correspondentes.
(...)
Art.
473- O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do
salário:
I-
até 2 (dois) dias consecutivos, em razão de falecimento de cônjuge, ascendente,
descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua Carteira de Trabalho e
Previdência Social, viva sob sua dependência econômica”.
Embora haja liberdade do Poder Público
na escolha do regime jurídico a adotar para seus servidores civis (estatutário
ou “celetista”), a opção deve ser integral por um deles, sendo inviável
adotar-se, por exemplo, o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, com
alguns institutos ou disposições próprios do regime estatutário, como ocorreu
no presente caso.
Deste modo, conceder a servidores civis
contratados pela CLT benefícios típicos do regime estatutário e outros
contrários a própria CLT, é contrariar a essência da própria opção feita pela
Administração, ao adotar a CLT como parâmetro para a contratação de pessoal.
Isso significa violação da exigência contida na Constituição do Estado no
sentido de que vantagens só sejam concedidas quando presentes o interesse
público e as exigências do serviço (art.128 da CE) e da própria CLT.
Não se olvide, também, que a concessão
de vantagens excessivas, distorcidas e inconstitucionais aos servidores
públicos regidos pela CLT, violam, igualmente, princípio da razoabilidade e da
moralidade administrativa previstos no art. 111, da Constituição do Estado de
São Paulo.
Da
liminar.
Estão presentes, na hipótese examinada,
os pressupostos do fumus bonis iuris
e do periculum in mora, a justificar
a suspensão liminar da vigência e eficácia dos atos normativos impugnados.
A razoável fundamentação jurídica
decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que as
normas impugnadas na presente ação padecem de vício de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre
especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia
dos atos normativos questionados, o erário municipal continuará sendo lesado,
na medida em que são efetuados pagamentos de benefícios inconstitucionais a
servidores municipais regidos pela CLT. A cada novo pagamento tem-se novo fato
consumado, mormente considerando que em caso de procedência da presente ação,
não haverá como reaver os valores pagos indevidamente, para reparação ao
erário, tendo em vista seu caráter alimentar.
A idéia do fato consumado, com
repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da
concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com
a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer
o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia
dos dispositivos mencionados, da Lei n. 3.105, de 29 de dezembro de 2003, do
Município do Guarujá, cuja inconstitucionalidade é palpável, evitará maiores
prejuízos ao Município, além daqueles que já sofreu até o momento.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se a
concessão da liminar, para fins de suspensão
imediata da eficácia dos atos normativos impugnados, ou seja, do art. 4º ,
incisos I e II e do art. 5º, incisos I, II e III, da Lei n. 3.105, de 29 de
dezembro de 2003, do Município do Guarujá, até o julgamento final da presente
ação.
Conclusão
e pedido.
Por todo o exposto, evidencia-se a
necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade das normas aqui apontadas.
Assim, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente,
reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 4º, incisos I e II e do art.
5º, incisos I, II e III, da Lei n. 3.105, de 29 de dezembro de 2003, do
Município do Guarujá.
Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal de Guarujá e ao Prefeito Municipal bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os
atos normativos impugnados.
São Paulo, 08 de outubro de 2008.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça