Excelentíssimo Senhor
Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo
“Ação direta de
inconstitucionalidade. É inconstitucional a
expressão ‘a qualquer título’ constante do art. 116 da Lei Orgânica do Município de
Caçapava que permite a incorporação de décimos da
diferença entre a remuneração do cargo de que seja titular e a do cargo ou
função que venha a exercer o servidor público. A generalização ofende o
princípio democrático, que rege o acesso aos cargos públicos, e o princípio da
moralidade administrativa. Arts. 111, 115, II, 133 e 144, da Constituição do
Estado de São Paulo”.
O Procurador-Geral de Justiça, com
fundamento nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição Estadual, no art. 116,
VI, da Lei Complementar Estadual n. 734/93, e nos arts. 125, § 2º, e 129, IV,
da Constituição Federal, e com base nos elementos de convicção constantes do
expediente anexo (Protocolado n. 31.603/08), vem, respeitosamente, promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, em face do art. 116 da Lei
Orgânica do Município de Caçapava, pelos motivos seguir expostos:
1. O art. 116
da Lei Orgânica do Município de Caçapava está assim redigido:
“O servidor da administração direta,
autarquias e fundações públicas, com mais de 5 (cinco) anos de efetivo
exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, a qualquer título cargo ou
função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular
ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença por
ano, até o limite de dez décimos”.
2. Esse
dispositivo atende a estabilidade financeira como decorrência do princípio da
irredutibilidade de vencimentos. Mas, sua redação ampla e indistinta, revelada
pela expressão “a qualquer título” aninha em seu raio de ação situações como o
desvio de função, permitindo que um servidor público, mesmo que investido em um
determinado cargo, possa amealhar remuneração de outro (isolado ou de diferente
carreira), sem submissão ao prévio concurso público, de maneira a,
indiretamente, nele investi-lo já que absorve e incorpora a diferença de
estipêndio.
3. Por essa
razão, a expressão “a qualquer título” contida no art. 116 da Lei Orgânica do
Município de Caçapava ofende o inciso II do art. 115 da Constituição do Estado
de São Paulo (que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal), aplicável
aos Municípios por conta de seu art.
“Artigo 115
- Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende
de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissões, declarado em lei, de livre
nomeação e exoneração”.
4. Neste
sentido, dispositivo análogo da Constituição Paulista foi julgado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em venerando acórdão cuja ementa
é adiante transcrita:
“CONCURSO
PÚBLICO. RESSALVA. NOMEAÇÃO PARA CARGO
5. A motivação
do venerando acórdão é apropriada como exposição da causa petendi desta demanda, in
verbis:
“A questão fundamental posta é,
entretanto, a compatibilização do instituto da estabilidade financeira, em
decorrência da nomeação para cargo em comissão com a norma contida no artigo
37, II, da Constituição Federal.
Penso, não haver dúvida quanto ao
fato de o instituto da estabilidade financeira ser compatível com o sistema
constitucional em vigor.
O Ministro relator também assim
entendeu, quando afirmou em seu voto (fls. 201):
‘Quanto
ao mais, o eminente Ministro Marco Aurélio bem considerou esse caso como sendo
de estabilidade financeira, e realmente assim pode ser tachado. Não é, porém,
aquela estabilidade financeira usual, que decorre da situação perfeitamente
regular de um funcionário efetivo exercer um cargo em comissão e dar-se a
estabilidade financeira em virtude dessa legítima razão. Mas, no caso, trata-se
de um funcionário efetivo, desviado de função para o exercício de outro cargo
efetivo mais elevado e, incorporados os vencimentos desse segundo cargo,
concedeu-se a ele, não nominalmente, um outro cargo, mas aquilo que constitui
um dos mais importantes atributos da conceituação do cargo público, que são os
vencimentos a este atribuídos’ (grifei)
O que deve ser analisado, nestes
embargos, porém, é se a situação ilegal do servidor, desviado de sua função,
que recebia vencimentos de cargo, não comissionado, diferente daquele para o
qual tinha prestado concurso, justifica ou não, a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 133 da Constituição do Estado de São Paulo e do
artigo 19 do seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em face do
artigo 37, II, da Constituição Federal.
(...)
A propósito, assim dirimiu a questão,
no seu voto vencedor, o Ministro Gallotti:
‘A situação concreta em exame não se
traduz formalmente – é certo – na investidura em novo cargo, mas significa o
reconhecimento de atributo essencial a ele inerente, qual seja o da sua
remuneração.
Permitir a sua percepção, apenas por
não se fazer acompanhar de mudança na denominação do cargo, seria, segundo
penso, esvaziar o mandamento do art. 37, II, da Constituição,
comprometendo-lhe, desenganadamente, a substância.’ (fl. 194)
(...)
Inconstitucional, seria o permissivo
constitucional estadual apenas na parte em que permite a incorporação ‘a
qualquer título’ porque este ‘a qualquer título’ é que abrangeria situações
como a dos autos, em que o servidor, que tenha prestado concurso para um cargo
venha a receber proventos próprios ou até mesmo a denominação de cargo
diferente, para o qual se exija outro concurso” (grifos originais).
6. Tal como
naquela sede, nesta merece prestígio, sob o pálio do art. 115, II, da
Constituição do Estado de São Paulo, entendimento que reconheça a
inconstitucionalidade da expressão “a qualquer título” contida no art. 116 da
Lei Orgânica do Município de Caçapava.
7. Além disso,
o preceito legal enfocado incentiva e estimula práticas administrativas, como o
desvio de função, que não se compatibilizam a ética e a probidade nas relações
do poder público, favorecendo apaniguados na obtenção de remuneração maior a
que fazem jus como expressão do regime jurídico de seus cargos, desde que escolhidos
por critérios subjetivos por seus superiores para o exercício de função diversa
do cargo público nos quais investidos.
8. Com a
previsão de incorporação de fração da diferença de vencimentos, abre-se a
oportunidade da instauração de relações distanciadas do interesse público criando
situações absolutamente imorais de favorecimento, abrigadas pela expressão “a
qualquer título”. Em suma, proporciona o uso da necessidade do serviço público
e dos recursos do erário para melhorias estipendiais oblíquas.
9. Por essa
razão, denota-se a clara incompatibilidade e a manifesta violação da expressão
“a qualquer título” contida no art. 116 da Lei Orgânica do Município de
Caçapava com o art. 111, caput, da
Constituição do Estado de São Paulo (aplicável aos Municípios por força de seu
art. 144 e reproduzindo o art. 37, caput,
da Constituição Federal) que inscreve a moralidade como princípio
constitucional da administração pública, in
verbis:
“Artigo
111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência”.
10. Ademais, a
expressão “a qualquer título” contida no art. 116 da Lei Orgânica do Município
de Caçapava agride o art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável
aos Municípios por obra de seu art. 144, cuja atual redação assim expressa:
“Artigo 133 - O servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que
tenha exercido ou venha a exercer cargo ou função que lhe proporcione
remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi
admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez”.
11. Com efeito,
o parâmetro da inconstitucionalidade é a norma em vigor e a anterior redação
desse art. 133 da Constituição Estadual também continha a expressão “a qualquer
título”.
12. Entretanto,
em face do julgamento do Supremo Tribunal Federal, acima relatado, essa
expressão teve sua execução suspensa com a edição da Resolução n. 51, de 13 de
julho de 2005, do Senado Federal.
13. Destarte, em
face da atual expressão do art. 133 da Carta Política Paulista, o art. 116 da
Lei Orgânica de Caçapava é verticalmente incompatível e, portanto,
inconstitucional.
14. Demonstrada quantum satis a inconstitucionalidade do
art. 116 da Lei Orgânica do Município de Caçapava por ofensa aos arts. 111,
115, II, 133 e 144, da Constituição Estadual, é promovida a presente ação,
requerendo a concessão de medida liminar.
15. Em se
tratando do controle normativo abstrato, uma vez verificada a cumulativa
satisfação dos requisitos legais concernentes ao fumus boni iuris e ao periculum
in mora.
16. O poder
geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia da expressão “a qualquer
título” contida no art. 116 da Lei Orgânica do Município de Caçapava, até o
final julgamento da respectiva ação direta de inconstitucionalidade, diante da
plausibilidade jurídica da tese exposta na inicial e do delineamento da
situação do risco irreparável consistente no pagamento de vencimentos ou
proventos indevidos porque inconstitucionalmente atribuídos, de modo a gravar
ilicitamente o erário.
17. Face ao
exposto, requer:
a) a concessão de liminar suspendendo a eficácia da expressão
“a qualquer título” contida no art. 116 da Lei Orgânica do Município de
Caçapava até final julgamento da lide e o processamento do feito observando as
prescrições legais e regulamentares;
b) a colheita das informações necessárias dos Excelentíssimos
Senhores Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava, sobre as quais
protesta por manifestação oportuna;
c) a oitiva do douto Procurador-Geral do Estado, nos termos
do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual;
d) ao final, seja julgada procedente a presente ação,
declarando-se a inconstitucionalidade da expressão “a qualquer título” contida
no art. 116 da Lei Orgânica do Município de Caçapava.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 01 de setembro de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de
Justiça