(1)
Excelentíssimo Senhor
Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Protocolado n. 32.099/10
Assunto: Inconstitucionalidade da
Emenda Modificativa da Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba n. 35, de
29 de junho de 2005.
Ementa: Inconstitucionalidade da Emenda
Modificativa da Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba, n. 35, de 29 de
junho de 2005, que contém o nítido
propósito de suplantar a proibição do nepotismo tal como preceituado pela
Súmula Vinculante n. 13, do STF. Ofensa aos princípios de moralidade e
impessoalidade. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade da referida emenda.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado
de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da
Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, §
2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III
da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Emenda Modificativa da
Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba n. 35, de 29 de junho de 2005, bem assim de todos os atos normativos anteriores que contenham as
mesmas previsões, para se evitar o efeito repristinatório, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado.
A emenda tem por escopo
disciplinar o provimento de cargos em comissão em relação ao grau de parentesco
ou convívio de agentes políticos municipais.
Em suma, permite o nepotismo. Está
vazada nos seguintes termos:
EMENDA N. 35, de 29 de JUNHO DE 2005
“Dispõe sobre a revogação do art. 42 da Lei Orgânica do Município”
“Artigo 1º - Fica revogado o art. 42 da Lei Orgânica do Município.
Artigo 2º - Esta Emenda entrará em vigor na data de sua publicação”
O art. 42, da Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba, assim
dispunha:
“Art. 42- Ficam impedidos do exercício do cargo de secretário
municipal, os parentes até o 2º grau do prefeito, vice-prefeito e vereadores
(alterado pela emenda 20/93)”.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO.
Como se pode observar, a
emenda que está sendo impugnada revogou
dispositivo legal que combatia o nepotismo na Administração Pública de
Itaquaquecetuba na medida em que impedia o exercício do cargo de secretário
municipal, dos parentes até o 2º grau de prefeito, vice-prefeito e vereadores.
Daí porque, ofende os princípios consagrados pelos arts. 111 e 144, da
Constituição Paulista.
O nepotismo é mal que
assola o Brasil desde a administração colonial portuguesa e deve ser banido,
urgentemente. Não se coloca a questão da competência ou não do parente do
agente público: o contribuinte não aceita e não quer custear a nomeação de
privilegiados aparentados ou cônjuges de uma cara burocracia eleita, e para
tanto inseriu na Constituição os princípios da moralidade e impessoalidade.
O nepotismo é uma das
formas de corrupção e assim considera Norberto Bobbio em seu 'Dicionário de
Política' (UnB, v. 1, p. 291).
Etimologicamente, nepotismo deriva do latim nepos, nepotis, significando, respectivamente, neto, sobrinho. Nepos também indica os descendentes, a
posteridade, podendo ser igualmente utilizado no sentido de dissipador,
pródigo, perdulário e devasso. A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido
o sufixo ismo), no sentido hoje
difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica.
Alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus
parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos intrínsecos ao
nepotismo, que, nos dias atuais, passou a ser associado à conduta dos agentes
públicos que abusivamente fazem tais concessões aos seus familiares.
Analisando a questão sob
o signo da imparcialidade, (termo preferido no ordenamento italiano), observam
Mazziotti di Celso e Salermo (Manuale di Diritto Costituzionale, Padova: CEDAM,
2002, p. 373) que referido cânone é correlato ao princípio da igualdade,
indicando a necessidade de ser perseguida, unicamente, a finalidade pública
objetivada no ordenamento, sendo inadmissível que a atividade administrativa
esteja associada a preferências, privilégios ou favoritismos, que procure
injustiças ou que se funde em juízos arbitrários, não sustentados por
parâmetros técnicos e neutros, mas, sim, destinada à obtenção de vantagens de
qualquer natureza. Giuseppe de Vergottini (Diritto Costituzionale, Padova:
CEDAM, 2003, p. 556) acrescenta que a imparcialidade da ação administrativa
pressupõe, salvo exceções (art. 97 da Constituição italiana), o acesso aos
cargos públicos por meio de concurso de igual natureza, garantindo, segundo
regras predeterminadas, a seleção dos mais meritórios, o que assegura a
imparcialidade desses funcionários na medida em que não permanecerão vinculados
aos interesses de seu benfeitor, mas "al servizio esclusivo della
nazione".
O nepotismo é, portanto,
prática condenável e perseguida, pois que compromete a máquina administrativa.
Nesse sentido, a emenda em tela representaria a repulsa a tal prática e a
tentativa de moralização. Todavia, fácil perceber que ela trai sua finalidade,
na medida em que encapsula a vedação de nomeação para o exercício do cargo de
secretário municipal, os parentes até o 2º grau de prefeito, vice-prefeito e
vereadores, sem observar que a vedação deve dar-se de forma ampla e recíproca,
para que efetivamente não ocorra o condenável apadrinhamento. Da maneira como
foi aprovada, ensejará certamente a reciprocidade de nomeações de parentes
junto ao Executivo.
Como se sabe, a Constituição erigiu a
moralidade como princípio básico da administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes dos Municípios (CF., art. 37; CE., art. 111). Na
conceituada lição de Lúcia Valle Figueiredo (Cf. “Curso de Direito
Administrativo”, Malheiros, São Paulo, 1995, 2.ª ed., p. 49), o princípio da
moralidade corresponde “ao conjunto de regras de conduta da Administração que,
em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os ‘standards’
comportamentais que a sociedade deseja e espera” e os seus efeitos são
extensivos a todos os “poderes ou funções do Estado” (Cf. Marcelo Figueiredo,
“O Controle da Moralidade na Constituição”, Malheiros, São Paulo, 1999, p.
120). A nomeação de parentes para o exercício de cargos ou funções de confiança
- que constitui prática muito comum no âmbito dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário - é vista com enorme desconfiança pela população de
nosso país. Isso porque, as nomeações desta natureza geralmente são voltadas à
satisfação de interesses privados e no mais das vezes espúrios, pondo em
segundo plano o interesse público. Reportagem publicada em jornal de grande
circulação (“O Estado de São Paulo”, Caderno de Política, 16.9.2000) - cujo
trecho é reproduzido a seguir - dá bem a exata dimensão do problema.
“O
custo do nepotismo na Câmara Municipal de São Paulo desde 1997 foi de pelo
menos R$ 7,7 milhões. O levantamento foi feito pelo Estado a partir de dados do
Diário Oficial do Município e do valor salarial mínimo pago pelos vereadores a
85 parentes que ocuparam ou ocupam funções nos gabinetes.
Como
não foram computadas as gratificações, que são regra na Casa, o total desse
"empreguismo" pode chegar a R$ 12,24 milhões - quantia mais próxima
da despesa provável.
O
valor das gratificações não foi calculado porque as cifras exatas dos salários
só poderiam ser obtidas com acesso a todos os holerites. Como isso não é
possível, levou-se em conta o "menor salário", na teoria, pago a cada
funcionário, conforme informações oficiais da Câmara.
Como a escolha dos
funcionários beneficiados é do parlamentar, a tendência é que, no caso de
nepotismo, os parentes sejam os beneficiados com os maiores acréscimos. Com
tudo somado, deve-se ainda acrescentar um terço sobre o total - gratificação
obrigatória. Em alguns casos, após tantas verbas adicionais, o salário chega a
aumentar 500% em relação ao inicial.’
Exemplos como este da
Câmara Municipal de Itaquaquecetuba são freqüentes e justificam a adoção de
meios legais que permitam limitar o direito à livre nomeação para o exercício
de cargos, empregos ou funções de confiança, coibindo-se assim eventuais abusos
ou excessos que possam resultar da interpretação liberal do dispositivo
constitucional que autoriza esse tipo de nomeação, resguardando-se a moralidade
e a probidade administrativas. Demais, se a Constituição proíbe expressamente o
titular de mandato eletivo de manter contrato com entidades ou órgãos da
administração pública direta e indireta (CF., art. 54, I, “a”; CE., art. 15, I,
“a”) o que dirá então a nomeação de parentes para o exercício de cargo de
confiança, ante a identidade de situações.
Como bem observou o Min.
Celso de Mello, em trecho do lapidar voto proferido na ADInMC 1.521, ‘quem tem
o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu
próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida. O nepotismo, além de
refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os
postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade
administrativa’.
A emenda em tela, além de afrontar o princípio
da moralidade, denota, sem dúvida, a má-fé dos Vereadores, na tentativa de se
furtar ao império do referido princípio. Assim, mostra-se inadiável o
afastamento da mesma do ordenamento jurídico do Município de Itaquaquecetuba.
III- DO PEDIDO.
Remanesce, no presente
caso, a necessidade de concessão de “MEDIDA CAUTELAR”. Isto porque, quando se
trata do controle normativo abstrato, e uma vez verificada a cumulativa
satisfação dos pressupostos legais concernentes ao “fumus boni júris” e ao
“periculum in mora”, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia
do ato normativo impugnado, até o final julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade.
A plausibilidade jurídica
da tese exposta na inicial é evidente, não admitindo maiores questionamentos,
ante a evidente ofensa ao princípio da moralidade, bem como a má fé que permeia
a sua finalidade. De outra parte,
continuando em vigor, a mencionada emenda propiciará a nomeação irregular de
parentes dos citados agentes políticos.
E, por outro lado, também
está delineada a situação de risco, caracterizadora do ‘periculum in mora’,
tanto mais porque está em questão a preservação da moralidade pública e da boa
fé.
No contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do STF, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.15.2.90, rel. Min. CELSO DE
MELLO; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52).
À
vista do exposto, e após a concessão da liminar, requer seja autorizado o
processamento da presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, colhendo-se as
informações pertinentes do Prefeito Municipal e da Câmara de Vereadores de
Itaquaquecetuba, vindo, a final, a ser declarada a inconstitucionalidade da
Emenda n. 35, de 29 de junho de 2005,
do Município de Itaquaquecetuba, bem assim de todos os atos normativos anteriores que contenham as
mesmas previsões, para se evitar o efeito repristinatório.
São Paulo, 19 de abril
de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
vlcb
Protocolado n. 32.099/10
Interessado: Promotoria de Justiça
de Itaquaquecetuba
Assunto: Inconstitucionalidade da Emenda Modificativa da Lei Orgânica do
Município de Itaquaquecetuba n. 35, de 29 de junho de 2005.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Emenda Modificativa da Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba n. 35, de 29 de junho de 2005, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 19 de abril de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
eaa
(2)
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos nº. 990.10.193120-6
Requerente: Procurador Geral de Justiça
Objeto: Inconstitucionalidade da Emenda Modificativa da Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba n. 35, de 29 de junho de 2005.
Ementa: Ação direta de
inconstitucionalidade. Emenda Modificativa da Lei Orgânica do Município de
Itaquaquecetuba n. 35, de 29 de junho de 2005. Revogação por Emenda
posterior. Extinção do processo sem a
resolução do mérito.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador-Presidente:
Conforme se depreende dos autos, o Procurador-Geral de Justiça ingressou com a presente ação a fim de que fosse declarada a inconstitucionalidade da Emenda Modificativa da Lei Orgânica do Município de Itaquaquecetuba n. 35, de 29 de junho de 2005, que “dispõe sobre a revogação do art. 42 da Lei Orgânica do Município”, sob o argumento de que referido dispositivo legal permite a prática do nepotismo.
O Município e a Câmara Municipal de Itaquaquecetuba prestaram informações noticiando que a Emenda impugnada foi revogada por outra superveniente (Emenda n. 40, de 23 de abril de 2009), fls. 22/31e 38/50.
Eis em síntese, o necessário.
Com efeito, a Emenda n. 35, de 29 de junho de 2005, objeto da presente ação, foi, de fato, revogada expressamente pela Emenda n. 40, de 23 de abril de 2009 (fls. 56).
Sendo assim,
com o advento da emenda revogadora, o presente processo deve ser extinto sem
resolução do mérito, em razão da carência superveniente, que impede qualquer
exame da constitucionalidade da emenda revogada.
Ensina
Eduardo Alvim (Curso de
direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v.
1, p. 158) que “as
condições da ação devem mostrar-se presentes ao longo de todo o procedimento,
caso contrário haverá carência superveniente, ensejando a extinção do processo
sem julgamento do mérito”.
Em relação à
ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que
“a revogação do ato normativo impugnado ocorrida posteriormente ao ajuizamento
da ação direta, mas anteriormente ao seu julgamento, a torna prejudicada,
independentemente da verificação dos efeitos concretos que o ato haja
produzido, pois eles têm relevância no plano das relações jurídicas
individuais, não, porém, no controle abstrato das normas. Ação Direta de
inconstitucionalidade não conhecida, por estar prejudicada pela perda de seu
objeto.” (STF, ADIn nº 070-0, publicada no DOU de 20.8.93, pág. 16.318).
Posto
isso, requer-se a extinção do processo sem resolução do mérito.
São Paulo, 04 de outubro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb