Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 32.284/09

Assunto: Inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, dos arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, e do Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, do Município de Americana.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, e Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, do Município de Americana. Possibilidade de acesso aos empregos públicos de Professor de Creche, criados no caput do art. 1º, aos integrantes dos empregos públicos de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil que possuam titulação em pedagogia ou magistério, prevista no § 1º, bem como de outros que concluam os cursos respectivos no prazo de 05 (cinco) anos, prevista no § 2º. Transposição ofensiva aos arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual. Edição de decreto do Chefe do Poder Executivo descrevendo as atribuições de cargo ou emprego público. Reserva legal e cláusula de separação de poderes. Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 111 e 115, II, da Constituição Estadual.

           

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, dos arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, e do Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, do Município de Americana, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os Atos Normativos Impugnados

1.                A Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, do Município de Americana, assim dispõe:

“Art. 1º. Fica incluído, nos Anexos I e IV da Lei n° 3.747, de 13 de dezembro de 2002, com as vantagens do Quadro do Magistério Municipal, o emprego de ‘Professor de Creche’, quantidade de 230 (duzentos e trinta), de provimento por concurso público de provas e títulos, enquadrados no Grupo Salarial 7 (sete), com jornada de trabalho de 29 (vinte e nove) horas semanais, das quais, no mínimo 25 (vinte e cinco) horas serão cumpridas diretamente com crianças e as demais em reuniões e atividades pedagógicas.

§ 1º. Os integrantes dos empregos de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil que possuam titulação em pedagogia e ou magistério na data da entrada em vigor desta lei passam a ocupar o emprego de que trata o caput deste artigo.

§ 2º. Aos integrantes dos empregos de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil que não preencham os requisitos do parágrafo anterior faculta-se a possibilidade de transposição, desde que concluam o curso de magistério ou a graduação em pedagogia em 5 (cinco) anos da data de entrada em vigor desta lei.

Art. 2º. Passa à vacância o emprego de ‘Auxiliar de Desenvolvimento Infantil’, integrante dos Anexos I e IV da Lei n° 3.747, de 2002.

Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário” (fl. 25).

2.                Embora o emprego público de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil também fosse provido por concurso público e tivesse idêntica lotação ao de Professor de Creche – 230 (duzentos e trinta), conforme o art. 1º, I, e Anexo I, da Lei n. 3.747, de 13 de dezembro de 2002 (fls. 02/04), são postos de trabalho de natureza e requisitos de ingresso diferentes na Administração Pública municipal, com distintos regimes remuneratórios e jornadas de trabalho, como se infere dos arts. 1º, I e II, e Anexos I e II, da Lei n. 4.639, de 13 de maio de 2008 (fls. 26/34, 37/38).

3.                Ademais, conforme previsto no Decreto n. 6.545, de 01 de junho de 2005, que, em seu Anexo Único, aprova a descrição das atribuições dos cargos da estrutura de recursos humanos da Prefeitura Municipal de Americana, as atribuições do Auxiliar de Desenvolvimento Infantil estão delineadas nesse referido decreto (fls. 49/58), enquanto as de Professor de Creche estão delineadas no Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, que alterou o Decreto n. 6.545, de 01 de junho de 2005, para descrever as atribuições do Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (art. 1º) no Anexo I e para incluir as de Professor de Creche (art. 2º) no Anexo II, demonstrando, com muita ênfase, a diferença entre ambos (fls. 145/149). Não bastasse, como evidencia o § 5º do art. 4º da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, o requisito de escolaridade para ingresso no emprego de Professor de Creche é o nível superior na área educacional.

4.                Até porque o emprego público de Professor de Creche integra a carreira do Quadro do Magistério Público Municipal, conforme a Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008 (art. 1º - fls. 162/200). Esse diploma legal dando nova redação aos arts. 5º, I, a, 22, VII, e 23, II, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, assim dispõe:

“Art. 5º. As classes, dos integrantes do Quadro do Magistério Público Municipal, são assim designadas:

I – Classe de Docentes, constituída dos seguintes profissionais e seus respectivos empregos:

a) Professor de Creche: refere-se àquele que exerce funções de docência e que ocupava o emprego de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil.

(...)

Art. 22. Face à nova estrutura do ensino e da terminologia introduzida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as denominações dos empregos a seguir indicados ficam alteradas conforme segue:

(...)

VII – ‘Auxiliar de Desenvolvimento Infantil’ para ‘Professor de Creche’.

Art. 23. Ficam criados e incluídos no Quadro do Magistério Municipal os empregos de:

(...)

II – ‘Professor de Creche’, de provimento por concurso público, quantidade 300 (trezentos), Grupo Salarial 07 (sete)’.

(...)”.

5.                Mas, não se trata de mera redenominação de cargo ou emprego público, como se parece inferir, prima facie, do inciso VII do art. 22 da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, ou como alegou o Chefe do Poder Executivo Municipal nas informações prestadas (fls. 262/263).

6.                Cuida-se, sem dúvida alguma, da transposição de servidores públicos lato sensu admitidos para um determinado cargo ou emprego público, isolado, para outro de natureza, regime e requisitos de investidura diversos, bem como de carreira distinta, sem submissão à prévia aprovação em concurso público de provas e títulos. Trata-se, portanto, de transposição vedada, o que é bem aquilatado pela própria exposição de motivos do Chefe do Poder Executivo constante do Projeto de Lei n. 73/07 que resultou na edição da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, in verbis:

“Objetiva-se com o presente projeto de lei atender ao pleito dos ocupantes de empregos de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (ADI)que concluíram o curso de Magistério ou a graduação em Pedagogia, mediante a criação do emprego de ‘Professor de Creche’, e a transposição dos profissionais que preencheram os requisitos da legislação pertinente em vigor, bem como dos que alcançarem tais requisitos no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data da vigência da norma, haja vista que a duração do curso de Pedagogia é de 4 (quatro) anos.

Esclarecemos que a Administração Municipal conta, atualmente, com 221 ADIs concursadas e estabilizadas, das quais166 estão aptas à transposição de emprego, uma vez que possuem a formação e a titulação exigidas para essa finalidade, em observância aos requisitos necessários para desempenhar as funções de Professor de Creche” (fl. 221).

7.                Em verdade, como apurado, o emprego público de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil se originou do emprego público de “Babá de Creche”, previsto no Anexo II da Lei n. 2.485, de 09 de janeiro de 1991, tendo a partir do advento da Lei n. 2.714, de 25 de maio de 1993, a denominação de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (fl. 275). Some-se a isso o fato de a Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, não conter em sua redação original o emprego de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil na carreira do Magistério Público Municipal (arts. 4º, 5º, 19 a 22 - fls. 302/327) e ter atribuições diferentes das constantes do emprego de Professor de Creche (Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007), bem como que, segundo as informações prestadas pela Câmara Municipal de Americana, “os requisitos para provimento do emprego de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil não constam em lei, mas em Atos emanados do Executivo” (fl. 432).

8.                No ponto, as pesquisas e diligências empreendidas revelaram que, consoante informações prestadas pelo Prefeito Municipal de Americana, os empregos públicos de “Babá de Creche” pertenciam à “família ocupacional” (agrupamento de carreiras com atribuições correlatas e afins, segundo a natureza do trabalho ou grau de conhecimento exigível para seu desempenho) denominada “administrativa”, compreensiva de “cargos e empregos de natureza burocrática de nível médio”, nos termos dos arts. 2º, VII, 6º, II, parágrafo único, II, e Anexo II, da Lei n. 2.485, de 09 de janeiro de 1991 (fls. 436/469), e que já, àquela época, eram distintos dos empregos de Professor de Pré-Escola (art. 5º, Lei n. 2.910, de 07 de julho de 1995 – fl. 475).

9.                E, também, que, segundo essas mesmas informações, o requisito de escolaridade exigido para o provimento do emprego público de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil era o primeiro grau completo, conforme o Decreto n. 4.244, de 27 de novembro de 1996 (fls. 436, 478).

10.              Cotejado este panorama com o § 5º do art. 4º da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pelo art. 1º da Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, ao prever como requisito de escolaridade para ingresso no emprego de Professor de Creche o nível superior na área educacional, e a própria previsão da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, repetindo a necessidade de escolaridade superior, ruída resulta a alegação de redenominação de cargos ou empregos públicos.

11.              Mas, a mácula de inconstitucionalidade não cessa nesse ponto. Como se viu na exposição acima empreendida o Chefe do Poder Executivo disciplinou mediante decreto as atribuições do emprego de Professor de Creche. No caso, o Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, cuidou de regular matéria reservada à lei.   

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

12.              Os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, assim como os arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, e o Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

(...)

Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 297. São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.

 

13.              Os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, e por dependência os arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, são inconstitucionais por nítida violação aos arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual, a que estão subordinados os Municípios por obra de seu art. 144.

14.              Com efeito, os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, consagram a ocupantes do emprego público de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil o ingresso, à míngua de concurso público de provas e títulos aos empregos de Professor de Creche, cujas naturezas, atribuições, remunerações e requisitos de investidura são diversos, assim como diversa é a sua posição na estrutura funcional da administração pública municipal.

15.              Trata-se, como já acenado, de transposição para cargo ou emprego distinto, e que é estimada ilícita e inconstitucional pelo ordenamento jurídico vigente, tanto que o Supremo Tribunal Federal já editou, a propósito, a Súmula 685, cujo teor expressa que:

“É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

16.              A espécie exibe ofensa ao princípio de moralidade administrativa que preordena a exigência constitucional de provimento originário de cargos ou empregos públicos isolados ou de carreira mediante prévia aprovação em concurso público e que, de outra parte, recebe o influxo do princípio da impessoalidade administrativa ao interditar toda a sorte de favorecimentos e privilégios na investidura no serviço público e nas funções públicas correlatas. Isso se agrava quando os arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, incluem na carreira do Magistério os empregos de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil como se cuidasse de simples redenominação para os de Professores de Creche. Portanto, as alusões neles contidas a “Auxiliar de Desenvolvimento Infantil” são inconstitucionais e devem ser suprimidas.

 

17.              Sob outro ângulo, embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo – criá-los e descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

 

18.              Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de a lei específica descrever as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

 

19.              Pois, somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

 

20.              Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, é:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

21.              Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

22.              Comunga este entendimento o egrégio Tribunal de Justiça, como se nota da invocação de recente julgamento de seu colendo Órgão Especial:

“Ação direta de inconstitucionalidade – leis municipais de São Vicente – criação de cargos – não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos (...) – ação procedente” (TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).

23.              Portanto, o Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, ao descrever as atribuições dos empregos públicos de Professor de Creche e de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil é inconstitucional por violar os arts. 5º, 24, § 2º, 1, 111, e 115, II, da Constituição Estadual, a cuja observância se encontram subordinados os Municípios por força de seu art. 144.

III – Pedido liminar

24.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do Município de Americana apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque subvertem a necessidade de lei para disciplina das atribuições de empregos públicos e favorecem pessoas determináveis para acesso a empregos públicos de maneira completamente ilícita. Com isso, permitem a investidura ou sua permanência de pessoas em funções públicas de maneira irregular, gerando excessivo ônus financeiro ao erário.

25.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, dos arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, e do Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, do Município de Americana.

IV – Pedido

26.              Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 4.493, de 12 de junho de 2007, dos arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei n. 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei n. 4.668, de 04 de julho de 2008, e do Decreto n. 7.380, de 06 de setembro de 2007, do Município de Americana.

27.              Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Americana, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

São Paulo, 26 de agosto de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 32.284/09

Interessado: Prefeitura Municipal de Americana

Assunto: Inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei nº 4.493, de 12 de junho de 2007, dos arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei nº 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei nº 4.668, de 04 de julho de 2008, e do Decreto nº 7.380, de 06 de setembro de 2007, do Município de Americana.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei nº 4.493, de 12 de junho de 2007, dos arts. 5º, I, a, e 22, VII, da Lei nº 4.053, de 01 de julho de 2004, na redação dada pela Lei nº 4.668, de 04 de julho de 2008, e do Decreto nº 7.380, de 06 de setembro de 2007, do Município de Americana, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 26 de agosto de 2009.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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