Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº
34.701/2012
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 3.166, de 27 de dezembro de 2010, do Município de Paulínia.
Ementa: Constitucional.
Lei nº 3.166/10. Disposição sobre loteamentos urbanos, loteamentos fechados e
condomínios fechados, do Município de Paulínia. Processo legislativo.
Inconstitucionalidade. 1. A lei de loteamento, assim como a lei de ordenamento do
uso e ocupação do solo tem como elemento formal obrigatório, para atribuição de
legitimidade substancial ao uso do poder, a participação popular em todas as
suas fases, bem como o planejamento técnico. 2. Violação dos arts. 180, I , II e V, 181
e 191, Constituição Estadual.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, §
2º e art. 129, IV da Constituição Federal, e ainda no art. 74, VI e art. 90,
III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas
no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
da Lei nº 3.166, de 27 de dezembro de 2010, do Município de Paulínia, pelos fundamentos a seguir
expostos:
I
– O Ato Normativo Impugnado
1. A Lei
nº 3.166, de 27 de dezembro de 2010 (fls. 144/164), do Município de Paulínia,
de autoria do Prefeito Municipal, José Pavan Junior, resultado do Projeto de
Lei nº 103/10 (fls. 58/67), “dispõe sobre loteamentos urbanos, loteamentos
fechados e condomínios fechados no município de Paulínia e dá outras
providências”, revogando a legislação anterior sobre assunto, a Lei Municipal
nº 2.668, de 18 de dezembro de 2003.
2. A
mencionada lei, no entanto, padece de incompatibilidade vertical com a
Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado, na medida
em que a aprovação do projeto que lhe deu origem ocorreu sem planejamento
prévio consistente em estudos técnicos obrigatórios e oitiva da
comunidade.
3. No
tocante à falta de participação popular, resta patente em razão das informações
do Presidente da Câmara Municipal de Paulínia (fls. 45/96) ao encaminhar o
processo legislativo da lei ora impugnada.
4. Assim,
a análise do projeto de lei revela que, desde sua apresentação até sua
conclusão no Poder Legislativo, não foi observada a participação da comunidade
nem o prévio planejamento técnico, pois somente o anteprojeto de lei foi
aprovado.
II
– O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
5. O processo legislativo do referido
diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a
qual está subordinada a produção normativa municipal por força do seguinte
preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:
“Art. 144. Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
6. A lei local impugnada contrasta os
seguintes preceitos da Constituição Paulista:
“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao
desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios
assegurarão:
I
- o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do
bem-estar de seus habitantes;
II
- a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo,
encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes
sejam concernentes;
(...)
V - a observância
das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as
diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices
urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas
pertinentes.
(...)
Art. 191. O
Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a
preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente
natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e
locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”
7. Tais dispositivos resultaram violados. A
Constituição Paulista exige que a disciplina urbanística – inclusive normas
sobre loteamento no Município – tenha compatibilidade com o plano diretor e com
a legislação de uso e ocupação do solo urbano. Exige-se que a elaboração e
modificação legislativas sejam precedidas de estudos técnicos e de oitiva da
comunidade, de maneira a impedir revisões pontuais que molestem o
desenvolvimento sustentável, a função social da cidade, o interesse público, o
planejamento urbano, o bem-estar dos habitantes e a qualidade de vida nas
comunas.
8. O
loteamento também tem como elemento formal obrigatório o planejamento prévio,
em conformidade com o instrumento de maior importância urbanística, que é o
Plano Diretor, não bastando o planejamento executado na elaboração deste, sem
se olvidar, ainda, das legislações de uso e ocupação do solo, bem como da
estrutura viária do Município.
9. Não
fosse assim, o Plano Diretor, que contém apenas princípios e disposições genéricas,
seria verdadeiro “cheque em branco” em favor da administração pública e do
legislador local. E essa interpretação colocaria por terra os princípios do
planejamento e da participação, que inspiram as diretrizes constitucionais para
a edição legislativa nessa matéria.
10. Cabe
salientar que a Constituição Federal, em seu art. 30, inciso VIII, prevê a
competência dos Municípios para promover o “adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação
do solo urbano”, reforçando a necessidade de planejamento prévio para leis de
cunho urbanístico.
11. Nesse
diapasão, este Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu anteriormente pela
imprescindibilidade do planejamento precedido de oitiva da comunidade e de
estudos técnicos na produção da legislação urbanística:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n.
2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de
área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180,
II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das
entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência
ademais de plano diretor - A
participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que
as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao
art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADIN
169.508.0/5, Comarca de São Paulo, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, j.
18.02.2009, grifo nosso)
“Ação direta de
inconstitucionalidade - Leis n° 1.305 de 5 de setembro de 2001; 1.340 de 27 de
fevereiro de 2002 e 1.336 de 19 de fevereiro de 2002 que dispõe sobre a
transformação de área rural em área urbana -
Ausência de estudos técnicos, oitiva da comunidade e Plano Diretor à época
da aprovação das leis - Clara intenção de majoração de arrecadação municipal -
Violação ao princípio da democracia participativa e artigos 111, 144,
12. Ademais, essa premissa foi louvada pelo eminente Desembargador Samuel Junior em declaração de voto vencedor em julgamento proferido recentemente por esse colendo Órgão Especial, cuja ementa assim está redigida:
“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso
e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular –
votação, contudo, de projeto
substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto
inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável –
inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de
lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade
local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de
participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada
subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes
era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando
sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual
passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel
do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não
vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos
lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da
aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0,
Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010, grifo nosso).
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei n.3.761/ 2004 e alterações posteriores. Município de
Itatiba. Parcelamento do solo e alternativas de urbanização do Município.
Ausência de participação popular. Ofensa aos artigos 180, inciso II e 191 da
CE. Vicio insanável. Precedentes. Inconstitucionalidade declarada. Ação julgada
procedente.” (TJSP, ADI 0587046-24.2010,
Rel. Des. Cauduro Padin, julgamento em 21/03/2012)
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento
urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da
Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das
leis n° 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema.” (TJSP, ADI n°
0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, julgamento em 29/02/2012).
13. Se
a participação popular é necessária inclusive em face da oferta de
substitutivo, idêntico tratamento deve ser dispensado ao projeto de lei em face
de seu anteprojeto, porque a democracia participativa assegurada no inciso II,
do art. 180 e no art. 191, da Constituição Estadual, assim como no inciso XII,
do art. 29, da Constituição Federal, alcança a elaboração da lei de loteamento
antes e durante seu processo legislativo, até o estágio final de produção da
lei.
14. A ausência de participação
comunitária não configura apenas um desprezo aos ditames da Constituição do
Estado de São Paulo, mas, antes de tudo, fere princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito presente na Constituição Federal, in verbis:
“Art. 1º. (...)
Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
15. Ora,
comprovada a falta de planejamento prévio pela supressão da participação
comunitária e dos estudos técnicos obrigatórios, verificam-se vícios no
processo legislativo e, consequentemente, extreme de dúvida, a
inconstitucionalidade da Lei nº 3.166, de 27 de dezembro de 2010, do Município
de Paulínia.
III
– Pedido liminar
16. À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora, pois, como exposto, os loteamentos, tal como
previstos na lei, comprometem irremediavelmente a qualidade de vida e o
desenvolvimento sustentável da comuna, razão pela qual se requer a concessão de
liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta
ação, da Lei nº 3.166, de 27 de dezembro de 2010, do Município de Paulínia.
IV
– Pedido
17. Face ao
exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei
nº 3.166, de 27 de dezembro de 2010, do Município de Paulínia.
18. Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo
impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
São Paulo, 27 de abril de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
arsm
Protocolado nº
34.701/2012
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 3.166, de 27 de dezembro de 2010, do Município de Paulínia.
1. Distribua-se a petição inicial da
ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 3.166, de 27 de
dezembro de 2010, do Município de Paulínia, junto ao Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São Paulo, 27 de abril de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça